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Convenções processuais e seus limites frente aos poderes instrutórios do juiz

Há divergência entre a doutrina processualista no que tange à possibilidade de limitação dos meios de prova em convenções processuais, e o reflexo de tais negócios jurídicos nos poderes instrutórios do juiz.

22/12/2023

Primeiramente, há de se concordar que as mudanças legislativas, em geral, representam alterações significativas no conteúdo e alcance das normas, com a vigência de um novo código de procedimentos não é diferente, provavelmente as mudanças inauguram, inclusive, novos paradigmas principiológicos. Foi assim com o atual Código de Processo Civil, o qual, já no seu artigo 1º, traz necessária observância expressa da Constituição Federal, ou seja, o processo civil deve sempre se atentar às garantias e direitos fundamentais atribuídos pelo Estado de Direito.

Dentre essas novas premissas, importante consignar o princípio da cooperação e da boa-fé, previstos nos artigos 5º e 6º, do Código de Processo Civil, os quais devem ser lidos em conjunto com outros princípios implícitos, dentre os quais, de acordo com boa doutrina1, o princípio do autorregramento  da vontade no processo civil, inaugurado pelo art. 190, que prevê a possibilidade de negócios processuais atípicos, inovação trazida pelo novo código.

A base constitucional da liberdade de negócios processuais decorre do direito fundamental à liberdade, previsto no caput do artigo 5º, da Constituição Federal. Nesse sentido, não foi à toa que a atual codificação processual concedeu maior protagonismos às partes. Busca-se diminuir a intervenção do Estado nas questões privadas, sem, contudo, minimizar as garantias fundamentais e a finalidade do processo, o qual tem relevância social por quanto não se restringe apenas às partes. Até porque a segurança prevista no mesmo dispositivo constitucional, se desdobra na segurança jurídica, fundamental para o objetivo de pacificação social, escopo da jurisdição.

Assim, além dos vários dispositivos legais que preveem negócios processuais típicos (v.g. saneamento compartilhado, previsto no §2º do artigo 357) o artigo 190 inaugura a possibilidade de negócios processuais atípicos, ampliando a participação das partes na busca da verdade processual, em consonância, também, com o princípio da cooperação. Balizas inéditas em comparação com o código anterior.

Também ficou claro que essa liberdade negocial prevista no CPC depende do cumprimento de requisitos para seu exercício, são eles: capacidade, objeto lícito, possibilidade de autocomposição; cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento verificar a legalidade das convenções, conforme parágrafo único do artigo 190.

Assim, foram impostos limites às convenções processuais, de modo que o julgador deve se atentar a nulidades, abusividade de cláusula e a vulnerabilidade entre as partes. Tais requisitos são importantes para preservar a igualdade das partes, porque se há desigualdade ou ilicitude, provavelmente a negociação processual pode ser afetada favorecendo injustamente uma das partes.

Nota-se que o dispositivo não impede a negociação sobre direitos indisponíveis, apenas assevera que o processo admita autocomposição, de modo que mesmo processos que envolvam direitos indisponíveis podem receber negócios processuais. Noutro giro, a capacidade indicada pelo dispositivo diz respeito à capacidade processual negocial, não sendo um empecilho a incapacidade civil da parte. Também, o objeto não pode ser ilícito, porque infringiria a principiologia do código versada na boa-fé e nas balizas constitucionais.

A liberdade outorgada pelo legislador permite que as partes, cumprido os requisitos, celebrem negócios processuais sem necessidade de homologação pelo juiz, salvo quando a lei o exigir.

Com essas balizas, verifica-se a possibilidade de as partes, antes ou durante o processo deliberarem sobre matéria probatória, limitando os meios de prova e mesmo definir a quem cabe o ônus de produção de determinada prova, conforme artigo 373, §3º, do código.

Para tal, importante atentar-se para a finalidade das provas e a quem elas servem. Na atual conjuntura do processo civil, as provas não apenas servem ao convencimento do juiz, conforme artigo 369, mas servem às partes, principalmente para formar o convencimento sobre a decisão do mérito, e até evitar eventual recurso ineficaz , e mesmo a terceiros que podem fazer uso do instituto da prova emprestada, artigo 372.

Isso, porque, a finalidade das provas é facilitar às partes e ao julgador o alcance de uma verdade verossímil justa, porquanto a verdade em si é inalcançável por depender de situação já ocorrida e das variadas perspectivas alegadas nos autos. Em razão disso, a busca da verdade encontra limites em parâmetros constitucionais e infraconstitucionais, como ocorre na vedação da utilização de prova ilícita, artigo 5º, LVI, da Constituição da República.

Nesse sentido, percebe-se que a busca da verdade por meio das provas é direcionada a uma verdade verossímil e justa, que, ao final, se estabiliza por meio do instituto da coisa julgada.

Assim, é plenamente possível que as partes processuais, cumpridos os requisitos, deliberem sobre o limite da matéria probatória que será utilizada na demanda, a fim de aperfeiçoar a convicção judicial.

Contudo, há controvérsia doutrinária está se os negócios processuais limitadores dos meios de prova infringiriam os poderes instrutórios do juiz, prejudicando a busca da verdade no processo e a finalidade do procedimento judicial.

É que o Código de Processo Civil permite protagonismo do magistrado na produção de provas necessárias à cognição de mérito da demanda, conforme seu artigo 370. Esse poder de instrução vai ao encontro da finalidade do processo que é obter uma verdade verossímil e justa, com resolução do mérito, e mesmo, ao encontro da ideia de modelo cooperativo do processo.

Todavia, existem vozes na doutrina2 que apontam pela limitação do poder instrutório do juiz em razão da liberdade que o legislador outorgou às partes paritárias. Por esse viés, o julgador não poderia determinar produção de prova excluída da convenção, de ofício ou mesmo a requerimento de uma das partes.

Nessa toada, não haveria prejuízo aos precedentes, pois eventual limitação ao juízo de cognição ensejaria a formação de precedentes em relação aos negócios processuais celebrados, não gerando perdas ao interesse público.

Em sentido contrário, há doutrina que entende pela nulidade de cláusulas que limitem a produção de prova, impedindo o poder instrutório do juiz produzir as provas que entender adequadas a impactar a busca da verdade no caso concreto3.

Por essa perspectiva, em que pese o reconhecimento da liberdade das partes na elaboração de convenções processuais, além dos requisitos legais, voltados a preservar a paridade das partes, haveria limitação aos objetivos públicos do processo, porquanto há o direito fundamental à decisão justa, decorrente do dever de o Estado prestar a jurisdição, à luz da Constituição, resultando em coisa julgada cuja formação se deu em razão de discussão adequada da questão. O que seria complementado pela formação de precedentes coerentes, aptos a dar coesão às decisões judiciais, trazendo segurança jurídica e mesmo garantindo as liberdades tuteladas.

Desses dois polos doutrinários, há de se extrair de forma bem objetiva, e pecando um pouco na simplicidade, porquanto o tema permite muita deliberação, que realmente o CPC hipertrofiou a atuação das partes na busca pela verdade, e reduziu o protagonismo do juiz.

Em que pese função pública do processo, que supera o interesse das partes, principalmente num contexto atual que favorece a formação de precedentes e segurança jurídica pela conformidade das decisões judiciais, o legislador outorgou poderes ao juiz para verificar se os negócios processuais encontram-se eivados de nulidade ou assimetria, por isso, o magistrado pode optar por desconsiderar a limitação probatória, se perceber que tal limitação gera um desequilíbrio entre as partes ou dificulta a obtenção de uma verdade justa.

Tal situação parece possível, principalmente, tendo em mente que acontecimentos supervenientes podem alterar o equilíbrio existente no momento de feitura das convenções processuais relativas à limitação dos meios de prova.

Vale salientar que o magistrado tem o dever de ouvir as partes antes de proferir a anulação de determinada cláusula, conforme artigo 9º, do código, e tal decisão depende de fundamentação profunda sobre a intromissão nos termos da convenção processual, em tese paritária.

Nesse sentido, deve prevalecer a convenção das partes sobre os meios de prova, sendo a condução do magistrado, neste caso, ao utilizar seus poderes instrutórios, de forma a extrapolar os meios probatórios delineados na convenção, uma exceção que depende de fundamentação coerente à luz da Constituição e das premissas do CPC.

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1 DIDIER JR., Fredie. Ensaios sobre os negócios jurídicos processuais. 3ª ed. rev. atul., ampl. – São Paulo, Ed. Juspodivm, 2023 – pg. 25

2 JOBIM, Marco Felix. MEDEIROS, Bruna Bessa de. “O impacto das convenções processuais sobre a limitação de meios de prova”. In Revista Eletrônica de Direito Processual. Volume 18, número 1. Janeiro a Abril de 2017. pp. 325-345.

3 MARINONI, Luiz Guilherme. “A convenção processual sobre prova diante dos fins do Processo Civil”. In Revista de Processo. ano 44. N. 288. Fevereiro 2019. pp. 127-152

Bruno Bragança
Advogado. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em direito imobiliário pela Universidade São Judas Tadeu (USJT). Membro do Centro Para Estudos Empírico-Jurídicos (CEEJ)

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