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O caso Americanas e a rede de proteção aos seus controladores

Omissão de dados em grupos empresariais afeta investidores, prejudica decisões financeiras e mina a confiança no sistema; o caso dos acionistas minoritários das Americanas exemplifica a falta de transparência e esforços insuficientes das autoridades para resolver o problema.

21/12/2023

No Brasil, o óbvio precisa ser reafirmado todos os dias: a ocultação de dados e informações relevantes por parte dos controladores de grupo empresarial de capital aberto prejudica diretamente seus investidores e abala a própria confiança do público nas engrenagens do sistema financeiro.

Considerando que estes não têm acesso a referências indispensáveis para o direcionamento de seus investimentos, uma afronta dessa natureza induz os acionistas minoritários à tomada de decisões com base em dados incompletos ou imprecisos, o que pode — e comumente ocorre — resultar em perdas financeiras substanciais, tanto pelo ponto de vista individual quanto coletivo.

No contexto brasileiro, no caso envolvendo os acionistas minoritários das Americanas, escândalo de proporções ainda inimagináveis, temos que, além da evidente ilegalidade resultante da sonegação de notícias acerca da situação financeira do grupo econômico, bem como da falta de transparência de suas informações essenciais, as autoridades competentes aparentam não estar se esforçando na busca por uma solução efetiva à controvérsia e punição exemplar dos responsáveis.

Se observarmos os últimos 20 anos, em inúmeros casos emblemáticos e de grande repercussão - mas que não versavam sobre uma fraude de bilhões - notamos uma resposta ágil por parte do Poder Público, em que não houve hesitação na tomada medidas cautelares para preservar o objeto final das investigações. Nesse sentido, a prisão preventiva de líderes de empresas e instituições envolvidas, seus afastamentos de cargos e proibição de contato com a empresa, bem como o bloqueio dos patrimônios dos investigados, foram regra  para asseverar a integridade das apurações e, como resultado, que os responsáveis respondessem por seus atos.

Todavia, no atual caso, a disparidade é evidente. A ausência de ações efetivas do Poder Público quanto ao feito, mesmo após confissão de fraude e inúmeros atos que poderiam colocar em risco a colheita dos elementos necessários à apuração do ocorrido, levanta questionamentos sobre a prioridade dada à resolução do caso e, consequentemente, sobre a possibilidade de recuperação dos recursos financeiros aos prejudicados. 

Certo é que, sem o devido afastamento cautelar dos acionistas majoritários e diretores do grupo do dia a dia da empresa, cria-se brechas para manobras que poderão encobrir as irregularidades desse quadro. Isso porque seria a oportunidade certa para a manipulação das evidências que estão sob domínio dos investigados, tendo como resultado negativo a quebra da cadeia de custódia das provas.

A situação torna-se ainda mais perturbadora quando é entendido que os danos não envolvem apenas os investidores, mas também toda uma cadeia de funcionários do grupo. Até a presente data já foram demitidos mais de nove mil. Sem sombra de dúvida, há uma imagem de credibilidade do sistema, que seus órgãos reguladores devem manter.

E, se considerarmos os efeitos em ordem sequencial, incluindo nessa lista fornecedores, prestadores de serviços e outros contribuintes, o prejuízo se multiplica.

Diante desse cenário, gera surpresa a citada letargia dos órgãos de persecução, uma vez que, mesmo após constatada a fraude admitida abertamente pelo grupo econômico, o Poder Público não adotou nenhuma medida acautelatória que pudesse preservar, ainda que minimamente, o patrimônio daqueles que se viram afetados — ao contrário do usualmente praticado e publicizado em mídia: as instituições de controle atuando de forma ferrenha e obstinada, demonstrando celeridade ao bloquear patrimônios e afastar diretores de seus cargos.

O que se percebe, mais uma vez, é que “ninguém vence o sistema”. Nessa linha, com base em todos os fatos e relatos já demonstrados, a demora na tomada de providências efetivas para responsabilizar os causadores dessa defraudação e proteger os direitos dos investidores confirma que estamos diante de uma rede de proteção invisível que afasta a responsabilidade penal, civil e administrativa daqueles que “são grandes demais para quebrar”.

Ora, as leis existem e aí estão para serem aplicadas. Não custa lembrar que, para que tenhamos um sistema jurídico que trabalhe em função da garantia e aplicabilidade das normas legais, é crucial que as autoridades ajam de forma célere e eficiente, aplicando o texto da lei de maneira certeira e adequada para garantir a proteção dos direitos dos investidores e preservar a integridade do mercado financeiro. Enfim, diante da novela recém iniciada, ainda temos que aguardar e torcer para que as autoridades públicas passem, de maneira real, concreta e efetiva, a implementar medidas processuais cabíveis contra todos os suspeitos de participação na farsa, garantido, assim, a possibilidade de ressarcimento aos investidores.

Daniel Gerber
Advogado Criminalista. Mestre em Ciências Criminais. Professor convidado de Direito Penal e Processual Penal. Membro do Conselho Permanente do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC). Sócio do escritório Daniel Gerber Advogados Associados.

Sara Laíssa Farias Vital dos Santos
Assessora paralegal do escritório Daniel Gerber Advogados.

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