1. Os pressupostos da economia e da política
Os ventos econômicos se revelam muito turbulentos nos planos internacional e nacional. As duas guerras, da Ucrânia e de Israel não apresentam indícios de solução sequer no médio prazo. Na América do Sul as recentes e tresloucadas ameaças contra a Guiana e o novo governo argentino – especialmente nas suas relações com o Brasil – são fontes eventuais de insegurança política e econômica.
A economia chinesa apresenta forte queda, com grande descontrole interno, tendo aumentado significativamente a centralização governamental, com a suspensão de boa parte da autonomia dos governantes provinciais, que haviam estabelecido condições de comércio mais direto e mais fácil com o exterior. A sempre pretendida anexação de Taiwan pela China pode ser considerada uma hipótese altamente improvável, mas a crise interna enfrentada pelo seu timoneiro atual pode levá-lo na direção da adoção de ameaças em tal sentido, suscetíveis de se elevarem além do nível da bravata, em típica manobra de cortina de fumaça, como o mandatário da Venezuela acabou de fazer aqui na América do Sul. Se assim acontecer o comércio internacional será profundamente afetado, com o corte da rota venda de aproximadamente 90% dos chips negociados no planeta, além da estagnação de um comércio vibrante de milhões de micro negócios diários feitos atualmente pela internet, que unem fabricantes de diversos países pelo mundo afora, com destaque para os chineses de todas as áreas aos compradores do mundo todo1. Os consumidores brasileiros, fregueses desse mercado sabem o quanto é importante esse mercado cross-border, estando em estudo a sua tributação, pois tributar é preciso2.
A inflação resiliente nos USA e Europa tem levado os governos locais, a reboque dos seus bancos centrais, a tomarem medidas de manutenção das taxas básicas de juros em patamares mais elevados, com pouca possibilidade de uma redução dentro de uma menor perspectiva temporal. Por aqui o nosso BCB tem caminhado no sentido da progressiva fixação da taxa Selic em patamares mais baixos, mas sob o alerta de que as condições favoráveis podem mudar, principalmente sob a forte influência do desequilibrado aumento das despesas públicas – gerando aumento do déficit – e da falácia como se tem revelado a chamada reforma tributária que, no fundo, não passa de um processo de aumento de impostos, uma clara derrama. Que o digam os novos contribuintes e os que estão na lista de espera, na dependência dos detetives fiscais do governo que procuram novas vítimas a todo momento. Nesse campo têm sido tomadas diversas medidas em favor de novos tributos, de forma completamente desarrazoada, ou seja o que vale é arrecadar.
Há defensores dessa reforma, como Issac Sidney, Presidente da Febraban, para quem, mesmo reconhecendo que ela não foi ideal, ainda assim poderá ter um reflexo positivo na economia brasileira, similar ao visto quando o Brasil controlou a inflação com o Plano Real3. Ver para crer. Do lado dos incrédulos, entre os quais nos inserimos, encontra-se Diogo Schelp, que destaca que o perfil gastador do Governo Lula, o qual poderá fazer com que a classe média – pouco desprovida de representatividade no Congresso – venha a pagar o pato na chamada redistribuição da carga tributária, entre outros aspectos pelo aceno já feito no sentido do fim das deduções com planos de saúde e educação. Do lado dos investidores que acreditam no mercado de capitais, fala-se na tributação de dividendos4.
Do nosso lado acrescentamos que há uma jornada longa, complexa e profunda na implementação dessa reforma, A esse respeito veja-se que será necessário regulamentar pelo menos 71 pontos dessa reforma, mediante leis a serem promulgadas e seus respectivos regulamentos. O tema deverá ser tratado por três leis, uma para os novos tributos, outra para o comitê gestor sobre bens e serviços - IBS e outra para o imposto seletivo, já se vislumbrando uma significativa fila de jabotis esperando para ser pendurada naquela árvore.
A questão fiscal se coloca como um grande problema, pois o governo entende que gasto é vida, não sendo necessário respeitar o orçamento, nem se preocupar com o déficit assustador já presente e que pode agravar-se perigosamente com essa visão. Não se pode viver sempre no vermelho, como descobriram tardiamente as famílias que procuraram melhorar o seu padrão de vida baseadas em uma pirâmide de cartões de crédito. Aquele aforismo não é nada verdadeiro5.
A queda do desemprego nos números apresentados recentemente, da ordem de 7.7%, menor do que nos últimos anos, é em parte meramente aparente, pois não tem tomado em consideração, verdadeiramente, os nem-nem-nem (os que nem mais procuram emprego, os que nem trabalham e os que nem estudam. De acordo com o IBGE no terceiro trimestre deste ano havia 8,3 milhões de desempregados, 3,5 milhões de desalentados e 8,3 milhões de desocupados. Sob outro aspecto, contavam-se quase 67 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho. Na conta destes estão os desocupados, os fora de trabalho potencial, os fora da força de trabalho potencial, os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas, os que buscaram trabalho, mas não estavam disponíveis, os desalentados e os não desalentados6 7. Sua soma é de 75 milhões de pessoas para uma população de 211 milhões de habitantes, o que equivale aproximadamente a 31,5% da população total, não nos esquecendo de que há 40 milhões de habitantes abaixo da idade para trabalhar. Se retirarmos esses da soma total de aptos ao trabalho, vamos chegar ao exorbitante índice de quase 44% de pessoas que não trabalham no país, o que é um absurdo.
- Confira aqui a íntegra do artigo.
1 Entre outros motivos relevantes, o que tem segurado a China nas suas pretensões contra Taiwan foram as fortes reações do Ocidente contra a invasão da Ucrânia e o ataque do Hamas a Israel.
2 A Portaria 612, de 29.06.2023 do Ministério da Fazenda estabeleceu alíquota de zero% (zero por cento) quanto ao imposto de importação de bens integrantes de remessa postal ou de encomenda aérea internacional até o valor de US$50,00. Neste ano, até o mês de agosto foram importados 3,3 bilhões de item nesse patamar, correspondendo a participação da China a 40% (quarenta por cento) desse mercado (Cf. CNN Brasil, acesso em 18.12.2023)
3 Cf. “Presidente da Febraban vê ‘maturidade do País”, in jornal “O Estado de São Paulo”, de 16.12.2023.
4 Cf. Diogo Shelp, in “Reforma: quem vai zelar pela classe média”, in jornal “O Estado de São Paulo”, de 18.12.2023.
5 Sobre esse assunto, vide o nosso “A dona de casa prudente, o teto de gastos e você”, Jornal Eletrônico Migalhas de 24.11.2022.
6 Cf. “Governo terá que regular pelo menos 71 pontos da reforma”, por Zínia Baeta, Laura Ignacio, Beatriz Olivon, Adriana Aguiar e Marta Watanabe, in Jornal “Valor Econômico de 19.12.2023.
7 Cf. nota do IBGE sobre desemprego, acesso em 18.12.2023.