Da Inobservância ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal pela Lei Municipal nº 13.701/03, que altera a Legislação do ISS no Município de São Paulo
Carlos Eduardo Toro
Eduardo Alcebíades Lopes
Rogério M. Tubino*
Entre outras disposições, a LC 116/03 introduziu nova Lista de Serviços sujeitos à exigência do ISS e assim alargou o campo de incidência deste tributo, originalmente previsto no Decreto-Lei nº 406/68, abarcando diversas outras atividades que até então não eram alcançadas pelo ISS.
Nesse contexto, os Municípios brasileiros foram autorizados a exigir o ISS sobre uma série de atividades que até o advento da LC 116/03 não se sujeitavam a esta tributação.
Importa mencionar que a LC 116/03 lista os serviços suscetíveis de tributação pelo ISS, fazendo as vezes da lei complementar prevista no artigo 156 da Constituição Federal. Entretanto, para que o ISS possa ser regularmente exigido, faz-se necessário que cada Município brasileiro edite lei prevendo expressamente a incidência do ISS sobre as novas atividades acrescentadas pela LC 116/03.
Tal exigência foi suprida, no âmbito do Município de São Paulo, com a edição da Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003 (“Lei nº 13.701/03”).
Ocorre que, a Lei Paulistana incorre em diversas inconstitucionalidades e ilegalidades, seja por repetir os vícios que já inquinavam a LC 116/03, seja por extrapolar seu âmbito de competência.
No presente trabalho, abordaremos apenas a questão relativa à inobservância, pela Lei nº 13.701/03, da anterioridade nonagesimal instituída com a aprovação da Reforma Tributária (Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003).
Ressaltamos, contudo, que os vícios que maculam a Lei nº 13.701/03 não se limitam à inobservância da anterioridade nonagesimal, mas abrangem toda sorte de inconstitucionalidades e ilegalidades, a exemplo da exigência do ISS sobre as atividades de aval e a fiança que não consubstanciam obrigação de fazer, pressuposto indispensável à prestação de um serviço, evidenciando a impropriedade de se pretender onerar estas atividades por meio do ISS, entre outras questões.
Inobservância da Anterioridade Nonagesimal
Até o advento da chamada Reforma Tributária, aprovada, em parte, pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, exceção feita aos tributos denominados extrafiscais, a instituição ou majoração de tributos se sujeitava ao Princípio da Anterioridade, que determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 42/03, acrescentou-se ao artigo 150, III da Constituição Federal, então, a alínea ‘c’, que estabelece a vedação à instituição ou majoração de tributos antes de decorridos 90 (noventa) dias da data em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado ainda o Princípio da Anterioridade.1
Assim, a instituição ou majoração de tributos, salvo as exceções previstas no texto constitucional, deve observar, cumulativamente, o já conhecido Princípio da Anterioridade, bem como a anterioridade nonagesimal, até então aplicável somente às contribuições sociais.
O propósito dessa nova disposição constitucional é conhecido por todos que lidam com as constantes alterações na legislação tributária no Brasil.
Num passado recente, tem sido comum a prática governamental de se editar leis instituindo ou majorando tributos no dia 31 de dezembro, de tal sorte que o Princípio da Anterioridade seria observado com a cobrança do tributo em questão desde o dia 1º de janeiro do ano subseqüente, vale dizer, no dia seguinte.
Somos de opinião que essa prática revela total menosprezo pelas disposições constitucionais, tendo em vista que o “valor” encampado pelo Princípio da Anterioridade é possibilitar aos contribuintes anteverem a carga tributária a que estarão sujeitos e, assim, estruturarem suas vidas e seus negócios levando-se em conta o aumento de determinado tributo, em homenagem ao princípio, implícito em qualquer Estado Democrático de Direito, da Não-Surpresa.
Infelizmente, por meio de uma interpretação, a nosso ver, equivocada do texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal houve por bem reconhecer a constitucionalidade desta prática, consagrando a literalidade do vernáculo em detrimento dos desígnios do legislador constituinte.2
A despeito disso, tem-se que a Emenda Constitucional nº 42/03, que introduziu a anterioridade nonagesimal em questão, foi publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 2003.
A Lei Paulistana (Lei nº 13.701, de 24 de dezembro de 2003), por sua vez, foi publicada no Diário Oficial do Município em 25 de dezembro de 2003 e estabeleceu, em seu artigo 25, que a mesma “(...) entrará em vigor na data de sua publicação, gerando efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao de sua publicação, revogadas as disposições em contrário (...)”.
Dessa forma, apesar de já publicada quando da publicação da Emenda Constitucional nº 42/03, a Lei nº 13.701/03 não estava vigente em 31 de dezembro de 2003, por força do princípio da anterioridade estabelecido no artigo 150, III, ‘b’ da Constituição Federal, e em razão do disposto em seu artigo 25.
Nesse sentido, há que se esclarecer que “vigência” significa força para disciplinar, para reger, é a propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, assim que ocorram os fatos por elas previstos3
Disso resulta que a Lei Paulistana não era vigente na data de sua publicação, 25 de dezembro de 2003, visto que, por força de um princípio constitucional, somente se tornaria vigente no primeiro dia do exercício subseqüente ao de sua publicação, a saber, 1º de janeiro de 2004.
Ora, se no momento da publicação da Emenda Constitucional em questão, a Lei nº 13.701/03 ainda não era vigente, esta deve obrigatoriamente respeitar os ditames fixados pela referida Emenda Constitucional que produziu efeitos desde sua publicação em 31 de dezembro de 2003.
Por conta disso, a cobrança do ISS no Município de São Paulo deve respeitar o Princípio da Anterioridade Nonagesimal fixado no artigo 153, III, ‘c’ da Constituição Federal, de forma que o ISS somente pode ser exigido, em relação aos novos serviços ou nos quais houve majoração do tributo, 90 (noventa) dias após a publicação da Lei nº 13.701/03, ou seja, somente a partir de 25 de março de 2004.
Diante do exposto, os contribuintes devem buscar o Poder Judiciário para preservar seus interesses e afastar esta inconstitucional exigência do ISS no período de 1º de janeiro a 25 de março de 2004, em razão da inobservância ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal.
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1 Constituição Federal exclui da observância da norma constante da alínea ‘c’, do inciso III do artigo 150 apenas os seguintes tributos (entre os quais não se inclui o ISS): (i) empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; (ii) imposto sobre importação de produtos estrangeiros; (ii) imposto sobre exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; (iii) imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza; (iv) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; (v) impostos extraordinários na iminência ou no caso de guerra externa; (vi) fixação da base de cálculo do imposto sobre a propriedade de veículos automotores; e (vii) fixação da base de cálculo do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana.
2 Supremo Tribunal Federal:
AI 282522 AgR / MG - MINAS GERAIS
AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator: Ministro MOREIRA ALVES
Julgamento: 26/06/2001
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação: DJ 31/08/2001
Ementa
Agravo regimental. - Não tem razão a agravante quanto à data da entrada em vigor da Lei em causa, porquanto ela ocorre com sua publicação, e esta se deu à noite do dia 31 de dezembro de 1991 quando o Diário Oficial foi posto à disposição do público, ainda que a remessa dos seus exemplares aos assinantes só se tenha efetivado no dia 02 de janeiro de 1992, pois publicação não se confunde com distribuição para assinantes. Assim, os princípios da anterioridade e da irretroatividade foram observados. - As questões constitucionais invocadas no recurso extraordinário quanto à TR não foram prequestionadas. Agravo a que se nega provimento.
Votação: unânime.
Resultado: desprovido.
3Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 15ª ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p.83.
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* Advogados do escritório Azevedo Sette Advogados
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