No drama real da violência contemporânea, principalmente, nas megalópoles, a discussão sobre a legitima defesa antecipada encontra na tese desenvolvida pelo desembargador federal e professor da UFF William Douglas, Revista dos Tribunais, vol. 715, material tanto doutrinário quanto expositivo de casos concretos do processo dramático do cenário criminoso, fatos e elaborações que demandam e merecem atenção dos estudiosos da ciência jurídica.
Para tanto transcrevemos exemplos citados que iluminam de forma gritante a oportuna situação que o cotidiano brutal confirma. William Douglas inicia o estudo instigante com o introdutório, daquilo que o cronista e dramaturgo Nelson Rodrigues estilizou “A vida como ela é”, partindo do universo carioca, microcosmo do multifacetado Brasil.
“Dentro dessa realidade, temos exemplos não incomuns: 1. Um traficante, em morro por ele dominado, promete a morador que se este não entregar sua filha ou esposa para a prática de relações sexuais, toda sua família será executada. O morador sabe que isso já ocorreu com outro pai de família e que não pode contar com proteção do Estado, de modo que - aproveitando uma rara oportunidade - mata o autor do constrangimento; 2. O "dono" de cortiço promete matar um morador com quem discutiu, dizendo que irá concretizar a ameaça à noite. O ameaçado aproveita-se do fato do primeiro estar dormindo, à tarde, e se antecipa, ceifando a vida do anunciado agressor; 3. Um pai é ameaçado por sua ex-companheira no sentido de que, se não reatar o relacionamento, esta matará sua esposa e filha, sendo certo que essas ameaças são sérias e o ameaçado sabe que a ex-companheira (que já tentara contra sua vida) é capaz de cumprir sua promessa. Em determinado dia, ao chegar em casa, encontra sinais de luta e sua mulher e filha feridas. Informado de que fora a ex-companheira a responsável pelos fatos, além de ter prometido retornar, imediatamente a procura e nela descarrega toda munição de seu revólver.”
Discorrendo sobre as variáveis doutrinarias, jurisprudenciais da situação, na exponencial amplitude do tema, o jurista de maneira legalista esposa que para a absolvição dos agentes referidos a doutrina sustenta a tese da inexigibilidade de conduta diversa.
Tal qual ocorre na fenomenologia da violência traços que vão da sutileza à verbalização abarcam a necessária analise da ocorrência em que a sugestão da ameaça se concretiza, em olhar, gesticulação, verbalização explicita ou implícita carregada de genuíno potencial de consumação.
Sem dúvida a tese nos remete ao “humano, demasiadamente humano”, que permanentemente, deve privilegiar o civilizatório direito à vida.