Migalhas de Peso

Responsabilidade criminal do compliance officer

O domínio da informação do compliance officer, atrelado a sua função, lhe impõe condutas ativas de prevenção de irregularidades e cessamento de irregularidades.

15/12/2023

O processo de globalização trouxe questões éticas que confrontam o meio empresarial. Nesse sentido, a temática do compliance ganhou grande força, como espécie de mudança cultural, além da esperada conformidade legal e sustentabilidade corporativa.1

Assim, emerge a necessidade de tipificação de condutas e imposição prévia de sanções, como forma de organização social. No âmbito das organizações empresariais, “os temas corrupção e crimes econômicos se tornaram prioridade de discussão na agenda internacional, na busca do desenvolvimento de mecanismos de prevenção e punição de tais atos lesivos”.2

Diante disso, é que as empresas passaram a se organizar, adaptando os programas de compliance para o seu dia a dia, ou seja, tornando seus programas específicos e atentos as responsabilidades, como ensina Sarcedo:

(...) é certo que os programas de compliance podem variar de acordo com o ramo econômico ou com a dimensão ou complexidade da empresa, de maneira que não se devem estabelecer critérios tão específicos a ponto de gerar imobilidade da legislação frente ao dinamismo e às constantes mudanças da atividade econômica. (...).3

Por esse arco, a temática do criminal compliance é uma proposta de atuação preventiva que estabelece um conjunto de medidas a ser adotado, que pode ser exercida por administradores, titulares da empresa, ou pode ser delegada a um terceiro, como o compliance officer.4

Em regra, o papel do compliance officer é de assessoramento, não possui, de forma direta e essencial, o poder de evitar condutas ilícitas, embora seja sua função mapear os riscos e buscar preveni-los.

Nesse viés, o compliance officer tem o dever de informar a Alta Cúpula Administrativa sobre eventuais inconformidades e, aqui, reside a possibilidade da responsabilidade criminal do agente, mas “o ponto crucial é que o compliance officer não pode ser automaticamente responsabilizado penalmente apenas por ter assumido tal cargo, sob pena da instituição de uma responsabilidade objetiva em matéria penal.”5

Tipicamente, a responsabilidade do agente é prevista como crime de omissão imprópria, com base no artigo 13, §2º, do Código Penal, em que ele estaria em uma posição de garante. Ou seja, o agente deveria e podia agir, mas optou por não o fazer.

A emblemática está na capacidade do compliance officer impedir o ato delitivo, já que “não possui, em regra, capacidade executiva de evitar o resultado e tampouco exerce domínio sobre ele.”6

Braghirolli, adverte que nessa análise não se deve confundir a quebra de cláusulas de contrato de trabalho, dentro do escopo do compliance officer, com a violação dos deveres do garantidor, embora o contrato sirva como fonte regulamentadora da assunção dos deveres do agente. Em outras palavras, o contrato de trabalho pode justamente limitar a responsabilidade criminal do compliance officer, assim como regras internas da empresa.7

Em seus estudos, Brahirolli acrescenta que a omissão “só se torna causal quando a ação esperada sociologicamente teria, provavelmente, evitado o resultado”.8

Ainda, GRECO FILHO (2015) compreende que “a conduta do compliance officer é neutra e deve permanecer impune, uma vez que não há um dever específico que o obriga a evitar crimes9, em sentindo de evitar o resultado criminoso.

No Brasil, o assunto ganhou repercussão com o julgamento no STF da Ação Penal 470, em 2012, com o Caso Mensalão.

Na época, o STF julgou as ações do Diretor de Controle e compliance (Vinicius Samarane) e a Vice-Presidente (Ayanna Tenório) do Comitê de Prevenção à lavagem e compliance do Banco Rural. Apenas o primeiro foi condenado pelo crime de gestão fraudulenta e de lavagem de dinheiro, ao falhar com seu dever de vigilância e por dolosamente deixar de constar em seus relatórios as irregularidades observadas. Veja-se:10

Segundo o ministro Ayres Britto houve uma deliberada omissão, pois o testemunho de [...], associado ao que consta dos laudos e dos processos do Banco Central, me permite concluir que [..] tinha total ciência das ilicitudes engendradas na gestão do Banco [..]. Ilicitudes que, para além da aprovação e das sucessivas renovações dos mútuos (reafirmo, em desacordo com pareceres técnicos do Comitê de Crédito do Banco) [...], alcançavam cadastro de clientes, atualização dos respectivos cadastros, adulteração de registros contábeis, ocultação documentos etc. Tudo a atrair a regra que se extrai do inciso I do § 2° do artigo 13 do Código Penal, na medida em que esse acusado conhecia as operações ilícitas e tinha a obrigação legal e estatutária de impedir a ocorrência do resultado. No mesmo sentido, foi o voto proferido pelo ministro Marco Aurélio (BRASIL, 2012, p. 2910).11

Assim, o compliance officer no caso do Mensalão foi considerado coator dos crimes praticados pelas Alta Gestão.

Portanto, ao cabo, o que se verifica é que a responsabilidade criminal do compliance officer está vinculada ao “domínio da informação”, sua função de garante não está repreendida no dever de nunca deixar que um crime ocorra, mas de utilizar todos os seus esforços para preveni-lo e constatada a irregularidade possui o dever de reportar e impedir a continuidade/reiteração do crime.

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1 GUIMARÃES, César Caputo. A responsabilidade penal do compliance officer. Editora Contracorrente, 2021. Página 5.

2 GOMES FILHO, Dermeval Farias; DE QUEIROZ MILANI, Luisa Villar. Criminal compliance: responsabilidade penal por omissão do compliance officer. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 2, 2021. Página 3.

3 SARCEDO, Leandro. Compliance e responsabilidade penal da pessoa jurídica: construção de um novo modelo de imputação, baseado na culpabilidade corporativa. 2016. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Página 25.

4 Ibidem, página 4.

5 NORONHA, Luana. Responsabilidade penal do compliance officer. Disponível em: https://www.federasul.com.br/responsabilidade-penal-do-compliance- officer/#:~:text=O%20compliance%20officer%20%C3%A9%20%E2%80%9Co,%2C%20civil%2 C%20administrativa%20ou%20penal

6 BLOK, Marcella. Compliance e governança corporativa: atualizado de acordo com a Lei Anticorrupção brasileira (Lei 12.846) e o Decreto-Lei 8.421. 2 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2018, p. 65.

7 BRAGHIROLLI, Luiz Filipe de Andrade Neves et al. A responsabilidade criminal do compliance officer por crimes omissivos impróprios: a assunção da posição de garantidor através do contrato de trabalho. 2022. Página 71-74.

8 Ibidem, página 81.

9 SPÍNOLA, Luíza Moura Costa. Criminal compliance e a responsabilidade dos colaboradores da empresa. file:///C:/Users/Usuario/Desktop/PROJETO% 20TCC/Criminal_Compliance_e_a_Re sponsabilidade. pdf> Acesso em, v. 18. Página 12.

10 FLORÊNCIO FILHO, Marco Aurélio. CERESER, LUCAS FERREIRA. Responsabilidade Penal do Compliance Officer: um olhar à luz dos pressupostos jurídico-penais da omissão imprópria. DELICTAE, vol. 7, nº 13, 2022. Página 49-50.

11 Ibidem, página 50.

Évora Vieira Castanho
Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraná. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Pós-Graduanda em Compliance e Governança Jurídica na FAE Business. Relatora da Comissão de Defesa das Prerrogativas Profissionais da OAB/PR. Membro da Comissão de Estudos de Compliance e Anticorrupção Empresarial da OAB/PR.

Felipe Schlogl Rigon
Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Paraná. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. Pós-Graduado em Direito Societário e Novos Negócios pela FAE Business School. Especialista e advogado militante na área de Direito Societário.

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