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A Cofins e as seguradoras

No que concerne à afirmação de que a matéria seria infraconstitucional, não foi o que prevaleceu no Supremo Tribunal o qual entendeu que deveria apreciar a matéria e assim o fez. Prevalece então a decisão do Supremo Tribunal em virtude do princípio hierárquico.

15/12/2023

Depois de nove anos de muita luta pelo direito, como advogado, no que se tornou o leading case do debate sobre a cobrança da COFINS das Seguradoras, analisarei o acórdão do Plenário do STF proferido no RE 400.479.

A cobrança de tributos cumulativos calculados sobre a receita constituiu objeto de duras críticas publicadas pelos professores de Direito e pelos professores de Economia,  Carl S. Shaoup da Columbia University, Oliver S. Oldman e Stanley S. Surrey da Harvard University e John F. Due da Universidade de Illinois, por serem incompatíveis com a igualdade e por serem até mesmo discriminatórios. Saliente-se que o tributo criticado por tão eminentes tributaristas pelas graves distorções que causava era cobrado sob a alíquota de 0,5%…

Compreende-se assim a relevância do estudo da matéria, em vista da gravidade da tributação sobre a receita por tributo com alíquota bem superior a 0,5%, assim como da extensão indevida da incidência desejada pelo Fisco para a relação da empresa com seus clientes para casos de aplicações de reservas técnicas das seguradoras e talvez outras.

Qualquer faturamento pressupõe relação da empresa com seus clientes.

Quanto à incidência da COFINS sobre receitas de prêmios de seguros, o Supremo Tribunal, ao julgar o RE 400.479, entendeu que assiste razão ao Fisco. Neste particular ouso discordar da Suprema Corte.

Eis o único destaque atribuído pela Suprema Corte à ementa do referido julgamento: “Embargos de declaração em agravo regimental em recurso extraordinário. Direito tributário. PIS/COFINS. Conceito de faturamento. Seguradora. Prêmio decorrente de contrato de seguro.”

O Supremo Tribunal não incluiu na ementa grifada por ele nenhuma outra receita das seguradoras.

Seguem os pronunciamentos dos Ministros da Suprema Corte no RE 400.479: a) o Ministro Marco Aurelio julgou inteiramente procedente o RE das seguradoras; b) quanto à aplicação da COFINS sobre reservas técnicas, todos os Ministros que apreciaram diretamente a questão declararam a não incidência. Este é o caso do Ministro Cezar Peluso no seu voto vencedor explicitado no parecer; do Ministro Marco Aurelio julgando procedente a ação do contribuinte; do Ministro Lewandowski; do Ministro Toffoli e do Ministro Barroso que se pronunciaram pela não incidência; o Ministro Toffoli cita o parecer do Ministro Peluso adiante referido; c) o Ministro Fachin entendeu que não deveria ser apreciada a matéria, ficando vencido; d) os demais Ministros seguiram o voto do Relator, Ministro Peluso, e entenderam assim não incidir COFINS a não ser sobre a receita das Seguradoras nas atividades fins, ou seja, sobre os prêmios.

O voto vencedor do preclaro Ministro Peluso esclarece diversas questões.

Antes do julgamento ora analisado, já havia transitado em julgado o seguinte: “… conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para, concedendo em parte a ordem, excluir, da base de incidência do PIS e da COFINS, receita estranha ao faturamento da recorrente, entendido esse os termos já suso enunciados” (Item 3 do relatório do Ministro Peluso página 10 de 106 da decisão do RE 400.479).”

Acresce o Ministro Peluso no voto vencedor sobre outras receitas da seguradora: “E advirto que tal moldura conceitual não implica admitir tributação PIS/COFINS sobre receitas não operacionais em geral.”

A não tributação pela COFINS das receitas não operacionais não constitui objeto de controvérsia, pois o Ministro Dias Toffoli diz: que a Fazenda Nacional, em memoriais, demonstra ter compreensão desta mecânica e transcreve um trecho do Memorial da Fazenda Nacional: “Sendo assim, somente estarão excluídas da base cálculo aquelas receitas não operacionais ou aquelas que estejam legal e explicitamente discriminadas” (Inteiro teor do acordão p. 98 de 106).

Sendo assim, não é controvertida a não tributação pela COFINS das receitas não operacionais das seguradoras.

Acresce que “… a Suprema Corte declarou inconstitucional o preceito que – antes da Emenda Constitucional 20/98 – determinou a equiparação de faturamento ao montante compreensivo de todas as receitas” (Inteiro teor do acórdão p. 21 de 106).

Não se pode discutir no processo a alteração do entendimento da decisão do Supremo referida no parágrafo imediatamente anterior pois não foi impugnada oportunamente tal decisão, que transitou em julgado anteriormente à decisão ora comentada.

Eis o teor da decisão não recorrida: “Diante do exposto (…) conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento, para, concedendo, em parte, a ordem, excluir, da base de incidência do PIS e da COFINS, receita estranha ao faturamento da recorrente, entendido esse nos termos já suso enunciados” (Inteiro teor do acórdão p. 10 de 106).

O Ministro Toffoli cita que o Ministro Cezar Peluso “… em primoroso parecer”: “é falso, que, o imposto por lei cogente, o ato aplicar recursos próprios para, mediante constituição de reserva, garantir o cumprimento cujo obrigações, embora sendo por isso habitual do ponto de vista prático, configure atividade institucional típica das seguradoras, cujo objetivo social é prestar tutela jurídica aos segurados contra consequências danosas de eventuais sinistros, e que a cuja a prestação deve corresponder à contraprestação do Estado ou dos segurados, nas condições de exercício regular de suas atividades típicas”. (nosso o destaque) (Inteiro teor do acórdão p. 102 de 106).

O Ministro Toffoli conclui: “… a receita decorrente do prêmio consiste em faturamento; contudo, não consistem em faturamento as receitas financeiras oriundas das aplicações financeiras das reservas técnicas” (nosso o destaque) (Inteiro teor do acórdão p. 103 de 106).

O Eminente Ministro Luís Roberto Barroso também entende que, quanto à tributação pela COFINS, “… não se incluem as receitas financeiras das reservas técnicas das sociedades seguradoras exigidas pela legislação” (Inteiro teor do acórdão p. 104 de 106).

Sendo assim, assiste razão à TRF-4 da Segunda Região ao julgar a apelação do processo 0161219-62.2014.4.02.5101  e concluir que o Supremo Tribunal considerou devida a COFINS sobre prêmios de seguro e julgou improcedente a cobrança das Seguradoras de COFINS sobre juros de reservas técnicas e outras receitas que não configurem prêmio objeto de decisão já transitada em julgado anteriormente ao Acórdão em análise.

O respeito devido à Segunda Turma do STJ exige a análise das objeções que ela fez à conclusão acima. Quanto ao mérito da tributação pela COFINS dos juros de aplicação das reservas técnicas, reportamos ao que dissemos acima.  

No que diz respeito ao entendimento de que a matéria não teria sido objeto do processo e que não foi apreciada pelo Supremo, cabe salientar tratar-se de entendimento no voto vencido do Ministro Fachin. Tanto a matéria foi apreciada que outros Ministros votaram sobre ela, inclusive o Ministro Relator.

No que concerne à afirmação de que a matéria seria infraconstitucional, não foi o que prevaleceu no Supremo Tribunal o qual entendeu que deveria apreciar a matéria e assim o fez. Prevalece então a decisão do Supremo Tribunal em virtude do princípio hierárquico.

Gustavo Miguez de Mello
Sócio fundador da Miguez de Mello Advogados, Vice-Presidente da Associação de Direito Financeiro, membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e ex-expositor sobre o futuro do advogado na Association Internationale des Avocats.

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