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Tolerância zero aos reiterados descumprimentos de decisões judiciais por parte de operadoras de plano de saúde

Magistrados têm adotado medidas enérgicas diante de reiterados descumprimentos por parte das operadoras de plano de saúde para evitar o esvaziamento de suas decisões e maiores prejuízos aos beneficiários.

15/12/2023

Com a Constitucionalização do Direito Civil, a observância e preservação dos direitos fundamentais passam a ser dever não apenas do Estado em relação aos particulares, mas também dos particulares entre si.

Nesse contexto, assim como o Estado, devem as empresas que atuam no mercado de saúde suplementar buscar a concretização dos direitos à saúde (CF, artigo 196), à vida (CF, artigo 5º, caput) e à dignidade humana (CF, artigo 1º, III).

É certo que tal objetivo é alcançado mediante a efetivação da função social do contrato de plano de saúde (CC, artigo 421), resumido na oferta da assistência médico-hospitalar necessária a prevenção de doenças, recuperação, manutenção e reabilitação da saúde (lei 9.656/98, artigo 35-F).

Até mesmo porque os consumidores apenas se propõem a desembolsar significativos valores mensais ante a promessa de que receberão a devida assistência quando adoecerem.

Infelizmente, o que se vê na prática, é a inobservância dos direitos supra referenciados pelas operadoras e seguradoras, que insistem em, de maneira abusiva, negar cobertura a tratamentos essenciais aos seus beneficiários, restando a eles recorrerem ao Poder Judiciário.

E comumente são proferidas decisões acertadas que obrigam as empresas a custearem medicamentos e procedimentos imprescindíveis à sobrevivência dos beneficiários, em consonância com o entendimento jurisprudencial majoritário de que, havendo cobertura contratual para a doença, não prevalecem negativas administrativas fundadas na natureza experimental do tratamento ou na ausência de previsão no rol de procedimentos da ANS (Súmula 102 do e. TJ/SP).

Fato é que, em alguns casos, até mesmo a decisão judicial é esvaziada, mediante seu descumprimento reiterado.

Esse foi o caso de uma beneficiária que ajuizou uma ação contra operadora com vistas a concretizar seu direito a cobertura de tratamento oncológico com o fármaco Kisqali (succinato de ribociclibe), nos termos do relatório de seu médico assistente, até alta definitiva.

Mesmo gozando de uma liminar, confirmada em sentença procedente, a beneficiária relata persistentes atrasos na entrega do medicamento, seguidos de exigências de exames para continuidade do fornecimento, até o momento em que a operadora simplesmente não entregou o fármaco.

Alternativa não restou senão instaurar um incidente de cumprimento provisório de sentença para reestabelecer o fornecimento de medicamento essencial à sobrevivência da beneficiária.

Esses casos precisam ser tratados com firmeza pelo Poder Judiciário.

Primeiro porque há clareza quanto a obrigação que deve ser cumprida, pois ações cujo objeto é direito à saúde são instruídas com relatório médico detalhando não apenas o estado de saúde do paciente, como também o tratamento e como ele deve ser realizado. Logo, a operadora tem total condição de providenciar corretamente o quanto prescrito pelo médico assistente – e não pode arbitrariamente interferir na prescrição.

Segundo porque a demora em fornecer o tratamento impacta negativamente o paciente, em especial quando se está diante de doenças que progridem rapidamente, como o câncer. Oportuno destacar que, até ser proferida uma decisão liminar, o beneficiário já está há semanas - ou até mesmo meses - lutando pelo acesso ao seu tratamento, tendo se submetido a toda a burocracia administrativa e judicial. Logo, os usuais atrasos no cumprimento das decisões judiciais e, principalmente, seu descumprimento reiterado impõem aos beneficiários ônus demasiadamente excessivo.

Terceiro porque, em casos de descumprimentos reiterados, o beneficiário se vê em uma situação extremamente delicada. Por um lado, percebe que sua saúde e sua vida estão sendo ameaçadas pela empresa contratada que não honra com sua contraprestação. Por outro lado, não pode migrar para outro plano que melhor lhe assistiria, pois ficará dois anos sem cobertura para a doença preexistente.

Felizmente, no caso concreto acima citado, ante a insistência da operadora em interromper o tratamento oncológico sem qualquer justificativa plausível, sobreveio sábia decisão determinando o bloqueio da conta judicial em valor equivalente a uma caixa do fármaco para imediato prosseguimento do tratamento e fixação de multa de R$ 10.000,00 por dia de atraso no fornecimento do medicamento com vistas a coibir novos descumprimentos.

Irresignada, a operadora interpôs agravo de instrumento, desprovido pela colenda 4ª Câmara de Direito Privado do egrégio TJ/SP, que reconheceu a impossibilidade de a empresa impor condições ao fornecimento do medicamento, haja vista que tão somente o médico assistente é capaz de opinar pela eventual interrupção do medicamento, bem como repisou haver liminar confirmada em sentença procedente que deve ser observada pela operadora.

A prática evidencia que medidas mais brandas apenas validam a observância das decisões judiciais à maneira das operadoras, o que não se pode admitir, pois a firmeza do Poder Judiciário é a última chance de os beneficiários de fato usufruírem de seus direitos à saúde, à vida e à dignidade.

Nesse sentido, reiterados descumprimentos exigem fixação de multas em monta suficiente a desestimular a recalcitrância; o bloqueio de contas bancárias com imediato levantamento do valor para custear o tratamento; por vezes, a conversão da obrigação em perdas e danos; e, até mesmo, a adoção de medidas alternativas para assegurar o cumprimento das decisões e sua consequente efetividade (CPC, artigo 139, IV).

Nicole Santos
Advogada especialista em direito à saúde no Vilhena Silva Advogados.

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