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Publicação de extrato da decisão do CADE em jornais como pena antitruste não pecuniária

O texto discute as sanções não monetárias da lei de Defesa da Concorrência, enfocando a publicação de decisões em jornais conforme o artigo 38, inciso I, da lei 12.529/11, analisado mais detalhadamente em uma obra organizada pela Profa. Amanda Athayde. O estudo abrange a aplicação dessa penalidade no Brasil, legislação comparada e jurisprudência do Cade de 2012 a 2022.

7/12/2023

O presente artigo faz parte de uma série de artigos que tratam das penas não pecuniárias aplicadas a pessoas físicas e jurídicas com base na lei de Defesa da Concorrência – LDC (lei 12.529/11), especificamente no artigo 38 e seus incisos, e que estão explicitados mais detalhadamente na obra coletiva “Sanções não pecuniárias no antitruste”, organizada pela Profa. Amanda Athayde e publicada pela Editora Singular1.

Neste artigo, trataremos da pena de “publicação de extrato da decisão em jornais”, constante do artigo 38, inciso I, da lei 12.529/11, objeto de análise aprofundada na referida obra pelas mesmas autoras deste artigo. O estudo levou em consideração semelhanças desse tipo de penalidade na legislação brasileira, a legislação comparada e a análise da jurisprudência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) nos casos em que essa pena foi aplicada entre 2012 e 2022.

Mas que pena antitruste não pecuniária é essa? Explicamos.

Conforme já mencionado, o Capítulo III, do Título V, da lei 12.529/11 cuida da fundamentação legal das penas fixadas pelo Tribunal do Cade no âmbito de processos administrativos sancionadores. Em seu artigo 37, a lei prevê as formas de aplicação de multa – a penalidade majoritariamente aplicada nesses casos – e no artigo 38 outras hipóteses de penas não pecuniárias, que sempre devem levar em consideração dois aspectos: a gravidade dos fatos e o interesse público geral, para quando apenas a aplicação de multas não seja suficiente para coibir práticas contrárias à livre concorrência.

O inciso I do artigo 38 da lei 12.529/11 fixa a publicação de extrato da decisão em jornais. Do cotejo da doutrina estudiosa do tema, é possível destacar três características principais dessas sanções: (i) o caráter sancionatório reputacional da pena, no sentido de “manchar a reputação” do condenado e lhe colocar em uma espécie de constrangimento público2; (ii) a motivação de enviar uma mensagem à comunidade corporativa acerca das consequências de se engajar em práticas anticompetitivas e/ou prejudiciais ao consumidor, bem como proporcionar uma consciência social em relação à livre concorrência3; e (iii) afetar o condenado, indiretamente, de modo pecuniário, em razão dos custos envolvidos para publicação, combinados com as perdas pela exposição midiática da empresa decorrente da sanção4.

Veja-se que não se trata de conferir mera publicidade ou maior difusão às decisões do Cade, por exemplo, muito menos consiste em instrumento de soft law. Corroborando essa conclusão, em 2021, o Presidente do Tribunal do Cade, quando perguntado em entrevista sobre a dissuasão das sanções concorrenciais, sustentou que a pena de publicação de extrato de decisão em jornais funcionaria como espécie de “mural da vergonha”, sendo, muitas vezes, mais efetiva que a aplicação de multa5.

Em contraste, ao nos debruçarmos sobre as jurisdições estrangeiras, notamos diversas normas similares à pena do inciso I, mas cujo intuito era mais voltado para publicidade e transparência das decisões antitruste, e não para o caráter sancionatório. Foi o caso, por exemplo, de EUA, UE, Japão, Venezuela e Equador. Todavia, também encontramos jurisdições – a saber, Portugal, França, Canadá, Austrália, Uruguai, Argentina e Colômbia – que possuíam sanção de motivação idêntica à brasileira, qual seja, de penalizar os condenados que engajassem em práticas anticompetitivas.

Em nossa pesquisa, procuramos investigar se e quantas vezes a sanção do inciso I foi aplicada pelo Cade no Brasil, qual a fundamentação quando de sua utilização e se ela ainda faz sentido em uma sociedade cada vez mais ligada aos meios de comunicação virtuais, que não necessariamente estão ligados às grandes mídias jornalísticas.

E como o Cade tem aplicado esse tipo de pena ao longo dos anos?

Esta etapa empírica da pesquisa considerou os casos julgados pelo CADE no período de 2012 a 2020, com base nos dados fornecidos pelo Serviço de Informação ao Cidadão do CADE - SIC/CADE. Dos 274 casos de condutas anticompetitivas julgados no período, em 99 deles houve a aplicação de penas não pecuniárias do artigo 38 da lei 12.529/11 e, em 15 destes, houve a aplicação da pena do inciso I que tratamos aqui, o que corresponde a somente 5% do total de casos julgados pela autarquia no período analisado.

Do exame realizado, destacam-se os principais resultados obtidos:

§  A pena do art. 38, I teve maior aplicação entre os anos de 2012 e 2015, período no qual foram julgados 12 processos (80% dos 15 casos), havendo uma queda em sua aplicação nos anos posteriores;

§  Em 9 dos 15 casos (60%) a referida pena foi aplicada isoladamente;

§  Apenas 5 casos (33%) continham, no bojo de seus votos, fundamentação quanto (i) à racionalidade de aplicação das penas previstas no art. 38, no que se refere aos critérios de gravidade dos fatos e interesse público geral; e (ii) à justificativa específica para se adotar a norma do inciso I;

§  Em 13 dos 15 casos (86%) o Cade apresentou minuta de extrato da decisão a ser publicada no jornal, em linguagem acessível e de forma sintética. Os elementos dos extratos estudados podem ser sumarizados da seguinte forma:

Verifica-se que a aplicação da sanção aqui estudada não é uníssona ou padronizada. Pelo contrário, há divergência quanto aos próprios elementos que devem estar contidos no extrato da decisão a ser publicado pelos condenados, que poderia, a princípio, ser o mínimo para a aplicação de tal sanção.

Dentre os casos analisados, destaca-se o caso do Cartel do Cimento (PA nº 08012.011142/2006-79), que apresentou a fundamentação mais robusta para aplicação da pena do art. 38, I da lei 12.529/11, tendo sido destacados o alerta à sociedade, a relevância dos jornais escolhidos, o cumprimento à lei, a publicidade da decisão, seus efeitos pedagógicos, dentre outros.

Ainda, em sede de embargos, questionou-se a racionalidade da sanção de publicação de extrato de decisão em 9 jornais de grande circulação, em 2 (dois dias seguidos) por 3 (três) semanas consecutivas, tendo em vista que uma única publicação do extrato seria suficiente para atender ao objetivo proposto e o custo de tais publicações seria muito oneroso. Os embargos proporcionaram uma reflexão sobre os efeitos da penalidade, tendo a Conselheira-Relatora dos embargos, Ana Frazão, acatado esses argumentos e flexibilizado da pena, o que foi ratificado posteriormente pelo plenário.

Quais as conclusões que podem ser alcançadas e as sugestões de melhorias?

A ausência de fundamentação, com relação à aplicação do inciso I, aparenta enfraquecer o caráter sancionador da penalidade e de constrangimento público dos condenados, fazendo com que a pena esteja revestida de caráter mais pecuniário. Isso também põe em risco o próprio enforcement antitruste, por haver possibilidade de nulidade da decisão administrativa por ausência de motivação.

Ademais, não se pode deixar de notar que grandes avanços das tecnologias da informação, bem como a formação de uma sociedade cada vez mais globalizada e digitalizada, acabam por impactar diretamente o âmbito de efetividade da pena de publicação em jornais do inciso I do art. 38 da lei 12.529/11. Isso porque, como apurado em pesquisa da Câmara dos Deputados e do Senado, o brasileiro vem se afastado dos meios tradicionais de comunicação, na busca por novas formas de se manter informado, recebendo cada vez mais notícias por meio de redes sociais (79%) ao contrário de jornais impressos (8%)6.

Em que pese a aplicação da penalidade do inciso I, do art. 38 da lei 12.529/11 possa ser adaptada com certa facilidade para os meios de jornais virtuais e sites de notícias, tal adaptação por si só não parece resolver o problema, uma vez que a pesquisa atribui um percentual de 38% de relevância para esse meio. Contudo, para atingir redes sociais e plataformas digitais como Whatsapp, Facebook, Youtube ou Instagram, o formato das publicações teria de passar por uma série de transformações a fim de se adequar às especificidades de cada plataforma, bem como teriam de ser pensadas formas de difusão dentro da lógica de divulgação das mesmas. Utilizar tão somente o jornal impresso, por exemplo, pode evidenciar uma pena estritamente formal aos administrados sem que se alcance os objetivos almejados.

Essa tendência à digitalização já parece ter gerado efeitos na aplicação da penalidade de publicação de jornais, vida a alta incidência da pena em 2013, seguida por redução da quantidade de aplicações, até deixar de ser aplicada por completo nos últimos três anos, em paralelo ao crescimento do uso de tecnologia. Reflete-se, portanto, se essa penalidade, no formato em que é aplicada atualmente, continuará sendo importante em um mundo cada vez mais digital, com informação sendo acessada mais em jornais virtuais ou redes sociais.

Refletindo sobre a importância desse tipo de sanção no mundo digital, cumpre ir além do enfoque externo referente ao dano reputacional e ao alerta ao consumidor, avaliando se pode ser útil tal publicação em uma perspectiva interna, voltada para a sociedade em si, compatibilizando a sanção com as obrigações de transparência da empresa perante seus sócios. Nesse sentido, a Resolução nº 44, de 23 de agosto de 2021, da Comissão de Valores Mobiliários - CVM dispõe sobre a necessidade da divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, dentre os quais, exemplifica a “propositura de [...] procedimento administrativo [...] que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia”. Tal enfoque na transparência foi, inclusive, ressaltado em alguns julgados do CADE que aplicaram a pena do inciso I, exigindo que sindicatos e associações divulgassem os extratos em suas comunicações internas ou os publicassem eu seus sites oficiais, como ocorreu nas decisões dos PAs nº 08012.003874/2009-38 e nº 08012.006923/2002-18. Pode ser o caso de o Cade discutir, assim, se uma alternativa para aumento da utilidade do inciso I seria, então, a obrigação de publicidade da condenação aos próprios sócios e investidores.

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1 ATHAYDE, Amanda. (Org.) Sanções não pecuniárias no antitruste. 1ª Ed. São Paulo: Editora Singular, 2022.

2 BANT, Elise. PATERSON, Jeannie Marie. Should Specifically Deterrent or Punitive Remedies be made Available to Victims of Misleading Conduct under the Australian Consumer Law? Torts Law Journal, 25 (2), 2019. p. 101.

TORRADO FRANCO, Eliana. El Régimen Sancionatorio y El Otorgamiento de Garantías sobre Prácticas Restrictivas de la Competencia en la Ley 1340 de 2009. Revista de Derecho Privado, núm. 43, junio, 2010, pp. 3-29.

4 ARMOUR, John. MAYER, Colin. POLO, Andrea. Regulatory Sanctions and Reputational Damage in Financial Markets. Journal of Financial and Quantitative Analysis, v. 52, n. 4, Aug. 2017, pp. 1429–1448. p. 1433.

5 VALENTE, Jonas. WhatsApp é principal fonte de informação do brasileiro, diz pesquisa. Edição Kleber Sampaio. Agência Brasil. Brasília, 19 de dezembro de 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-12/whatsapp-e-principal-fonte-de-informacao-do-brasileiro-diz-pesquisa. Acesso em 10/08/2023.

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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2023. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.

Amanda Athayde
Professora doutora adjunta na UnB de Direito Empresarial, Concorrência, Comércio Internacional e Compliance, consultora no Pinheiro Neto. Doutora em Direito Comercial pela USP, bacharel em Direito pela UFMG e em administração de empresas com habilitação em comércio exterior pela UNA, ex-aluna da Université Paris I - Panthéon Sorbonne, autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos de livros na área de Direito Empresarial, Direito da Concorrência, comércio internacional, compliance, acordos de leniência, anticorrupção, defesa comercial e interesse público.

Débora Schwartz
Mestranda e Bacharela em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Advogada colaboradora no Departamento Jurídico XI de Agosto. Integrante da Comissão Especial de Direito da Concorrência e Regulação Econômica (CECORE) da OAB/SP. Integrante do Grupo de Estudos de Direito Concorrencial da FIESP/CIESP. Gerente do Projeto "Livro WIA - Mulheres no Antitruste" na rede Women In Antitrust (WIA). Advogada no escritório Campilongo Advogados Associados.

Sofia Vergara
Graduada em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). É advogada em Horta e Bachur Advogados, Assistente da Coordenação de Pesquisa no Observatório de LGPD, Gerente da Competição WICADE na Rede Women In Antitrust (WIA), membro da Women in Inside Trade Starters (WIT Starters).

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