A Orientação Normativa 78 de 28/11/23 da AGU consignou que "O regime jurídico das sanções previstas na lei 14.133/21 não é aplicável aos contratos firmados com base na legislação anterior, nem alterará as sanções já aplicadas ou a serem aplicadas com fundamento na legislação anterior, em respeito à proteção do ato jurídico perfeito".
Assim, na visão da Advocacia Geral da União, as normas de direito administrativo sancionador previstas na Nova lei Geral de Licitações e Contratos - NLGLC, não são aplicáveis às licitações empreendidas e aos contratos celebrados pela Administração Pública Federal com base, por exemplo, na lei 8.666/93 e na lei 10.520/02.
A importância da Orientação Normativa 78/23 da AGU é inequívoca, pois a lei Complementar 73/93 deixa claro em seu art. 11, III que às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União e aqui, repita-se: apenas e tão somente quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União.
A Lei Complementar nº 73/1993 ainda veda aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União contrariar orientação técnica adotada pelo Advogado-Geral da União (art. 28, II).
No mais, para os agentes públicos sem vinculação à AGU, a Orientação Normativa 78/23 é claramente uma orientação geral nos termos do art. 24 caput e parágrafo único da LINDB e, tendo sido extraída do Parecer n° 00002/22/CNLCA/CGU/AGU, traz consigo o ônus da motivação para que deixe de ser aplicada (art. 50, VII da lei 9.784/99).
Ou seja, é inegável a importância da Orientação Normativa 78/23 para a Administração Pública Federal.
E como não é incomum ver a presença de orientações da Advocacia Geral da União sendo agasalhadas em pareceres jurídicos exarados em Estados e Municípios, um eventual equívoco da Orientação Normativa 78/23 tem um potencial lesivo bastante considerável.
E qual o equívoco (ou os equívocos) da Orientação Normativa 78/23?
Veja, normas sobre (i) a dosimetria das penas (art. 156, § 1º da NLGLC); (ii) a prescrição da pretensão punitiva (art. 158, § 4º da NLGLC) e (iii) o rito processual (arts. 157, 158, 166 a 168 da NLGLC) contidas no regime jurídico das sanções previstas na lei 14.133/21 são claramente mais benéficas que o regime punitivo consagrado nas leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11.
As leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 não trazem a necessidade de, quando na aplicação das sanções serem considerados, dentre outros fatores, a natureza e a gravidade da infração cometida; as peculiaridades do caso concreto e as circunstâncias agravantes ou atenuantes e muito menos que a prescrição para aplicação de penalidades ocorrerá em 5 anos, contados da ciência da infração pela Administração.
Ademais, a NLGLC traz um rito processual mais organizado para a apuração da ocorrência de infrações e para a aplicação de penalidades, prevendo inclusive prazos maiores para os defendentes e recorrentes.
Diante da constatação de que o regime do direito administrativo sancionador da lei 14.133/21 é mais benigno que o estabelecido nas leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, é preciso lembrar que o STJ decidiu ser aplicável no âmbito dos processos submetidos ao regime do direito administrativo sancionador o princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica (v.g. RMS 37.031/SP) e que na Rcl 41.557 o STF entendeu que a unidade do jus puniendi do Estado obriga a transposição de garantias constitucionais e penais para o direito administrativo sancionador.
Assim, em tal cenário, por força do princípio da retroatividade da norma penal mais benéfica está equivocada a Orientação Normativa 78 de 28/11/23 da AGU quando do afastamento das normas do regime jurídico das sanções previstas na lei 14.133/21 dos contratos firmados com base na legislação anterior.
Diante da pouca probabilidade de uma revisão da Orientação Normativa 78/23 no âmbito da Administração Pública Federal, resta esperar que seu equívoco de ignorar a aplicação do princípio da retroação da norma penal mais benigna não seja reproduzido por Estados e Municípios.