Migalhas de Peso

Meu pirão primeiro!

A relação entre contribuinte e Fisco precisa evoluir para benefício mútuo, visando à preservação das empresas e ao crescimento econômico. O Fisco deveria orientar proativamente, em vez de onerar, buscando o bom funcionamento do sistema econômico, assim como o trânsito fluir sem problemas.

4/12/2023

“Um olho por um olho, e todos nós acabaremos cegos”. A frase dita por Gandhi há quase um século mostra o caminho para o que imagino ser uma (r)evolução na relação entre contribuinte e Fisco. Historicamente marcada pela desconfiança e animosidade, ou até por diferenças ideológicas, essa relação precisa evoluir. E todos nós podemos nos beneficiar disso 

Embora “sócio” em parte significativa da empresa (participando em seu faturamento, lucro e operações) não raro vemos medidas do Fisco tendentes à oneração de um negócio. O ente arrecadador, ao contrário, deveria se pautar pelo princípio da preservação da empresa, contribuindo para seu crescimento. Pela simples razão de que a perpetuidade interessa ao aumento de suas receitas e beneficia à sociedade como um todo, com a geração de empregos, riqueza e desenvolvimento nacional. Muitos erros são cometidos de boa-fé e poderiam ser alertados e evitados. Como o guarda de trânsito, o Fisco pode orientar o particular proativamente, pois o que se quer em última análise é que o trânsito – tal qual a economia - flua bem.

A revolução está em compreender que a cooperação não é um mero dever do contribuinte. Mas um princípio, que também deve pautar a atuação do Poder Público como um todo, de forma estruturante. No âmbito legislativo, por exemplo, caberia eliminar a punição do erro que não acarreta prejuízo ao Erário. E minorar a punição daquele que age de boa-fé e/ou possui histórico de bom comportamento, agindo com transparência.

No Executivo, além de adotar interpretações na linha mencionada, a Receita poderia colaborar até mesmo na otimização da carga tributária da empresa, orientando como melhorar sua eficiência, dentro das alternativas legalmente disponíveis. No Judiciário, o afastamento – via interpretação – de posturas/exigências que dificultem ou inviabilizem a manutenção da atividade produtiva (facilitando negócios jurídicos processuais, superando burocracias desproporcionas, sanções dúplices ou excessivas), bem como a adoção de interpretações pautadas pela lógica da maior eficiência econômica, seriam extremamente bem-vindas.

A Europa já conta com diversas iniciativas esparsas nesse sentido e, pensamos, é tempo de condensá-las em um princípio, para que passem a nortear e reconfigurar, ideologicamente, o Direito Tributário. É tempo de superar a lógica do “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. Partes interessadas podem se dar as mãos em uma economia do ganha-ganha.

Somando-se um olho com outro, certamente enxergamos mais longe.

Fabio Brun Goldschmidt
Sócio Administrador do Andrade Maia, fundador e coordenador da área tributaria. Mestre e Doutor em Direito Tributário.

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