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O retrocesso do STF frente ao Direito Constitucional ao acesso a medicamentos

O Supremo Tribunal Federal, através de sua presidente, a Ministra Ellen Gracie, emitiu decisão, não definitiva, no processo de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 91, no sentido de que o acesso a medicamentos, inserido no direito à saúde, protegido pela Constituição Federal, envolve apenas os medicamentos que se encontram na lista de medicamentos essenciais do Ministério da Saúde – Sistema Único de Saúde.

29/5/2007


O retrocesso do STF frente ao Direito Constitucional ao acesso a medicamentos

Patrícia Luciane de Carvalho*

O Supremo Tribunal Federal, através de sua presidente, a Ministra Ellen Gracie, emitiu decisão, não definitiva, no processo de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 91, no sentido de que o acesso a medicamentos, inserido no direito à saúde, protegido pela Constituição Federal (clique aqui), envolve apenas os medicamentos que se encontram na lista de medicamentos essenciais do Ministério da Saúde – Sistema Único de Saúde.

Primeiro: a fundamentação da decisão considerou predominantemente o artigo 196 da Constituição Federal. Contudo, além desse dispositivo, tem-se, com maior relevância, o artigo 6º, o qual estabelece a saúde como direito fundamental, do tipo social, de eficácia plena e protegida pela progressividade. Este dispositivo dirige-se prioritariamente ao Poder Judiciário, eis que a este cabe a interpretação e aplicação da norma constitucional nos termos da própria hermenêutica constitucional. O artigo 196, por sua vez, versa sobre a programaticidade do direito à saúde, ou seja, como o Estado, como agente político, deve agir na esfera preventiva (antes da necessidade da tutela do Poder Judiciário), no sentido de prestar a saúde dentro de uma realidade orçamentária e temporária.

Segundo: em virtude do parágrafo 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal, todos os direitos devem ser interpretados de acordo com a progressividade, ou seja, são irredutíveis, já que buscam a realização e proteção dos interesses da sociedade – o bem comum. Esta sistemática existe em virtude da proteção que a ordem internacional construiu em benefício ao direito internacional dos direitos humanos, o qual absolutamente incorporado pelo Constituinte de 1988. Desta forma, se o Constituinte estabelece que a saúde é direito fundamental, do tipo social, de eficácia plena e com conceito progressivo, não cabe ao Poder Judiciário alterar este entendimento.

Terceiro: Em momento algum a Constituição estabelece um conceito taxativo e nem mesmo enumerativo do que seja saúde. Desta forma, conjugando com a progressividade, tem-se que saúde envolve todos os conceitos que busquem prevenir, manter e restabelecer o bem estar com dignidade do interessado.

Quarto: a decisão indica que o conceito de saúde não pode envolver todo e qualquer medicamento, mas apenas os que estejam inclusos na lista emitida pelo Ministério da Saúde, através do Sistema Único de Saúde. Ocorre que esta orientação não é feita pela Constituição, mas por conclusão do Supremo com amparo na legislação infraconstitucional.

Quinto: a indicada lista vinculada ao SUS encontra-se absolutamente desatualizada, além do que possui por fundamento as possibilidades orçamentárias, ou seja, afasta-se das diretrizes constitucionais no sentido da prevalência das necessidades sociais. A desatualização opera-se de dois modos. Primeiro por não acompanhar a amplitude das enfermidades existentes e segundo por não acompanhar as novas descobertas e técnicas médicas e da ciência.

Sexto: a referida decisão foi emitida no mesmo período em que a União publicou a Portaria n.º 886 (clique aqui), de 25 de abril de 2007, que constitui o primeiro passo para o licenciamento compulsório do medicamento efavirenz, direcionado aos portadores do HIV. Demonstra, desta forma, que uma esfera, em sua atuação preventiva, em obediência ao artigo 6º e 196, acompanha as diretrizes da Constituição; enquanto que o Supremo Tribunal Federal, através de sua presidência, cria uma limitação ao conceito de saúde em total desencontro a proteção internacional aos direitos humanos e a Constituição Federal.

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*Consultora jurídica, professora de direito internacional, presidente do Instituto do Direito à Saúde



 

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