1. Introdução
Os números demonstram que o Brasil vive uma epidemia de golpes virtuais: segundo pesquisa recentemente vinculada pela imprensa, 71% dos brasileiros já foram vítimas de algum tipo de golpe virtual1, e o país sofre cerca de 2,8 mil tentativas de fraudes virtuais financeiras por minuto2.
As ações orquestradas pelas organizações criminosas especializadas nesses delitos, a despeito de chocarem menos que crimes cometidos com violência ou grave ameaça, causam prejuízos variados aos consumidores, fornecedores de produtos e prestadores de serviços e ao Poder Judiciário. É um cenário desafiador exige mudanças por parte desses três agentes.
Aos consumidores, aumenta-se a necessidade de adotarem as medidas preventivas adequadas para diminuir os riscos de serem vítimas de fraudes virtuais. Aos fornecedores de produtos e prestadores de serviços, aumenta-se a necessidade de investimentos em segurança cibernética, campanhas informativas à população e colaboração com os órgãos públicos. E ao Poder Judiciário, aumenta-se a responsabilidade de julgar, com celeridade, qualidade e isonomia, o crescente números de casos judicializados por consumidores lesados.
Limitando-se ao último requisito, este texto demonstrará – por meio de exemplos colhidos do Tribunal de Justiça de São Paulo – que, em ao menos três hipóteses de fraudes virtuais, há divergências jurisprudenciais entre as câmaras do mesmo tribunal, o que exige a utilização dos instrumentos oferecidos pelo CPC para uniformização da jurisprudência.
2. As divergências jurisprudenciais nas fraudes virtuais
Não há dúvidas da responsabilidade objetiva do fornecedor ou prestador de serviços por danos causados aos consumidores. Trata-se da aplicação da teoria do risco da atividade empresarial, que aponta a responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços pela reparação dos danos causados por defeitos relativos ao fornecimento ou prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, independentemente da existência de culpa (art. 14, caput, do CDC).
Por sua vez, o art. 14, § 1º, do CDC afirma que o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, cumprindo apontar que se trata de obrigação decorrente do dever de segurança previsto ao art. 8º do CDC, que dispõe que produtos e serviços ofereçam riscos razoáveis e previsíveis, que não sejam potencializados ou falha a atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor3.
Igualmente indene de dúvidas é o conceito de que a única hipótese de isenção da responsabilidade do fornecedor ou prestador de serviços é em razão de culpa exclusiva de terceiro ou do consumidor, em hipótese de fortuito externo (art. 14, § 3º do CDC).
Haja vista que maioria das fraudes virtuais envolve os serviços de instituições financeiras, cujas relações com as vítimas são regidas pelo CDC por força da Súmula 297, a 2ª Seção do STJ - em julgamento de recurso especial pelo rito dos repetitivos – decidiu que “as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros” (Tema 466).
De toda forma, ainda que se pudesse afastar a aplicação do CDC, como ensina a doutrina especializada, a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por danos causados aos consumidores poderia ser analisada à luz do art. 927 do CC[4].
Contudo, o cenário se torna mais desafiador à medida que novos golpes surgem, e os conhecidos golpes se sofisticam, ampliando as hipóteses concretas julgadas pela jurisprudência, que ainda vacila com seu dever consistente em decidir de modo uniforme certos conceitos jurídicos, como demonstrarão os exemplos abaixo.
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