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Restrições ao trabalho em domingos e feriados no comércio. A quem interessa?

Uma Portaria do Ministério do Trabalho revogou permissão para trabalho aos domingos e feriados no comércio, mas foi suspensa após reações do setor, com previsão de revisão para março de 2024, alterando o texto da legislação anterior.

1/12/2023

Na última semana, a comunidade jurídica e o comercio em geral receberam, com surpresa, a Publicação de uma açodada Portaria do Ministério do Trabalho (Portaria 3665/23) que, dentre outras questões, revogava a permissão permanente para o trabalho aos domingos e feriados em variados setores comerciais, antes estabelecida pela Portaria 621/21. A nova Portaria, após o grito de parte do setor produtivo, acabou suspensa para novas discussões, com previsão de vigorar em março de 2024, com texto modificado.

A discussão sobre o trabalho no comercio em domingos e feriados é antiga e comporta idas e vindas legislativas e Jurisprudenciais. O regramento hoje vigente é um “jabuti” incluído na lei de Participação nos Lucros e Resultados (Lei 10.101/00) que em seu art. 6º e 6º-A-prevê:

Art. 6: “Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”

Art. 6-A: “É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do inciso I do caput do art. 30 da Constituição Federal”.

Antes de se adentrar na discussão sobre os últimos atos do Poder Executivo, é necessário pontuar que, por lei, o trabalho aos domingos pode ser realizado no comércio, sem a necessidade de norma coletiva, desde que uma folga recaia aos domingos a cada três semanas. Já em relação aos feriados, a norma Legal exige a autorização do trabalho por meio de convenção coletiva de trabalho, em ambos os casos observada a Legislação Municipal.

Portanto, em nossa opinião, a Portaria de 2021 que autorizava incondicionalmente o trabalho nos feriados (sem autorização em convenção coletiva) já não era válida, pois trazia consigo autorização de livre trabalho em feriados, em contraponto à exigência legal já existente.

Da mesma forma, a Portaria de 2023 (já suspensa) também traduz ilegalidade de modo que condiciona o trabalho aos domingos à autorização por norma coletiva, requisito que não existe na lei vigente.

Lembrando as palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade, propriedade e atividades dos indivíduos que á não estejam estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão fazê-lo instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível de delegação, menos ainda poderão fazê-lo atos de estirpe inferior, quais instruções, portarias ou resoluções. Se o chefe do Poder Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem recebê-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo, menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração direta ou indireta (Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17ª edição, pág. 337)”

Logo, ao nosso sentir, tivemos duas Portarias, uma em cada governo que, embora acaloraram as discussões e açodaram as rivalidades políticas e ideológicas, jamais tiveram a validade e a efetividade “supostamente” pretendida por seus criadores.

Do ponto de vista prático, o mesmo! A imensa maioria das categorias comerciais, nas diversas bases territoriais, já possuem convenções coletivas que versam sobre o trabalho em feriados, de modo que editar Portaria sobre o assunto seria “chover no molhado”.

Vale a pena ressaltar aqui que, no seio dessas normas coletivas, não é incomum encontramos exigências de altas taxas, para não dizer verdadeiros pedágios, cobradas por sindicatos profissionais às empresas como condição para a realização de acordo coletivo e consequente trabalho em feriados. Trata-se de flagrante conduta antissindical que, felizmente, vem sendo combatida por sábias Decisões, como a abaixo destacada:

AÇÃO DE CUMPRIMENTO. COBRANÇA DE MULTA E CONTRIBUIÇÃO. ABERTURA DE COMÉRCIO EM FERIADO SEM INFORMAÇÃO E AUTORIZAÇÃO DOS SINDICATOS DOS EMPREGADOS. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA. CLÁUSULA NULA. A cláusula de CCT que prevê que o estabelecimento pague uma taxa para funcionar em feriados é absolutamente nula, pois se trata de rubrica que não se reverte em favor dos sindicalizados, tendo a quantia exclusivo caráter arrecadatório em prol do sindicato. Recurso provido. (TRT-14 - RT: 00003102420195140002 RO-AC 0000310-24.2019.5.14.0002, Relator: FRANCISCO JOSE PINHEIRO CRUZ, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 09/10/19)

Passadas as digressões sobre a batalha das Portarias, é hora da sociedade discutir de fato a quem interessa impor restrição ao trabalho em domingos e feriados?

Em pesquisa realizada pelo CNDL/SPC BRASIL realizada em 20201, 58% dos entrevistados aceitariam a vaga de emprego se tivessem que trabalhar aos domingos. A pesquisa revela ainda que 75% dos brasileiros acham importante abrir as lojas de rua, shoppings e supermercados aos domingos e feriados.

Portanto, o trabalho em domingos e feriados, sem restrições ou burocracias, para o comércio irá incrementar a produção de bens e consumos e a arrecadação tributária e aumentar a renda do comerciário, com mais vendas nos dias de descanso do restante da cadeia produtiva, que terá tempo para ir às compras.

Importante ressaltar nosso entendimento de que o trabalho em domingos e feriados sempre deve ser compensado com folgas na mesma semana e/ou remunerado com os adicionais legais, bem como deverá ser salvaguardado o direito ao repouso semanal aos domingos a cada três semanas, como forma de manter-se um convívio familiar - fundamental para a saúde mental de qualquer trabalhador.

Felizmente, já há projetos de lei tramitando nas casas legislativas em que se permite o trabalho em domingos e feriados mediante acordo direito entre as partes e espera-se que os anseios da sociedade sejam atendidos e se pare de perder tempo com Portarias inconstitucionais e inúteis que somente semeiam discórdia e polarização.

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1 Disponível em: https://site.cndl.org.br/75-da-populacao-acham-importante-a-abertura-do-comercio-aos-domingos-aponta-pesquisa-cndlspc-brasil/

Juliano Martins Mansur
Advogado, sócio responsável pela área trabalhista do escritório Vieira de Castro, Mansur & Faver Advogados.

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