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Investimento em venture capital na América Latina

O crescimento das startups latino-americanas atrai investidores de venture capital, apesar da recente desaceleração nos investimentos. A inovação tecnológica global, com aplicações locais e globais, oferece oportunidades para resolver demandas regionais e globais, apesar da queda nos financiamentos.

24/11/2023

Nos últimos anos, o crescimento explosivo das startups latino-americanas e as fontes de capital para financiá-las despertaram o interesse dos investidores de venture capital (capital de risco) nos Estados Unidos e na América Latina.

Muito embora a tecnologia latino-americana tenha sido historicamente criticada por apenas acrescentar um componente "local” às tecnologias já existentes, ultimamente temos visto real inovação tecnológica com aplicação global.

Enquanto observamos uma correção do mercado quanto à avaliação das startups latino-americanas,  ainda existe uma grande oportunidade para explorar as demandas não atendidas do mercado e criar produtos e serviços para os consumidores da região que, por sua vez, poderão resolver pontos problemáticos para esses consumidores em todo o mundo. Isto inclui desde soluções para a  saúde e fintechs até startups de e-commerce, que podem transformar a região.

Claro que não há como esconder que o investimento na América Latina desacelerou nos últimos meses. O financiamento em venture capital caiu globalmente em 49% no segundo trimestre de 2023, em comparação com o mesmo período de 2022. No entanto, a inovação consistente, com aplicações locais e globais, continua a atrair investimentos internacionais.

À medida que os investidores de capital de risco nos EUA consideram fazer novos investimentos na América Latina, eles ponderam sobre os desafios e considerações específicas que tais investimentos nessa região podem implicar.

O mesmo ocorre para empresas e fundos latino-americanos que avaliam investimentos ou crescimento em diversos países da região, além de suas jurisdições sede.

Pode parecer ao leitor que as mais bem sucedidas startups da região têm sua origem e fundadores no Brasil ou no México, afinal são as maiores economias da região. Porém, basta olhar para empresas como Mercado Livre ou Nubank para que a tese seja desmitificada.

Fato é que investir na América Latina tem suas peculiaridades.

Quadro regulamentar e jurídico

A legislação varia significativamente entre os países da América Latina. O que pode funcionar no Brasil pode ser muito diferente no Chile ou na Argentina. Portanto, é crucial entender o ambiente legal e regulatório em cada país-alvo. Isso inclui uma compreensão detalhada das restrições ao investimento estrangeiro, leis tributárias, proteção à propriedade intelectual, leis trabalhistas e assim por diante.

Existem também incentivos governamentais que são específicos para cada país da região. Os investidores devem explorar os potenciais incentivos para investimentos estrangeiros em determinados setores que possam estar disponíveis.

Claro que tratados internacionais de livre comércio como o Mercosul e o US-Mexico-Canada Agreement - USMCA, antigo NAFTA, ou os de proteção à propriedade intelectual, para citar alguns, devem ser sempre considerados ao se determinar a melhor estratégia para investimentos ou expansão de negócios na região. 

Estabilidade política e fatores econômicos

A instabilidade política pode impactar investimentos de forma significativa. Ao analisarem potenciais oportunidades, os investidores devem avaliar cuidadosamente a situação política no país-alvo, incluindo a posição do governo de plantão sobre investimentos estrangeiros e estabilidade na região.

Os fatores econômicos também devem ser considerados. Conduzir uma análise exaustiva das condições econômicas do país-alvo ajudará a reduzir os riscos.

Fatores como as taxas de inflação, o crescimento do PIB e o desemprego podem ter impacto no sucesso dos investimentos e devem ser examinados de perto a curto, médio e longo prazo. A estabilidade política do país também pode ter um impacto significativo na sua força econômica e estes fatores podem frequentemente andar de mãos dadas.

Os investidores devem avaliar os riscos geopolíticos e econômicos na região e nos específicos países-alvo, tendo em conta o impacto de acontecimentos como litígios comerciais, crises econômicas ou catástrofes naturais, mitigando fatores atenuantes como a qualidade do sistema de saúde, de segurança social e a sociedade civil. Estes fatores estão em constante evolução, e por esse motivo é essencial estar sempre a par dos desenvolvimentos que possam ter impacto nos seus investimentos.

Conhecimento do mercado local

Compreender cada mercado local é fundamental para o sucesso, independentemente do país onde se investirá. As nuances culturais, o comportamento único do consumidor e a dinâmica do mercado são significativamente diferentes de país para país. Para melhor compreender o mercado local, é importante estabelecer parcerias com especialistas ou empresas locais que possam fornecer informações valiosas e um nível maior de compreensão para que se possa tomar as melhores decisões.

Estabelecer relações com parceiros, coinvestidores e empresários locais pode ajudar os investidores a navegarem no panorama local e proporcionar acesso a recursos adicionais. Para além do investimento monetário, também é importante investir tempo na construção de uma rede sólida no ecossistema de venture capital da América Latina. Isto pode incluir a participação em conferências, associar-se a industriais locais, Câmaras de Comércio, ou se conectar a outros investidores que tenham tido sucesso na região.

Infraestrutura e logística

Desde a pandemia, temos visto o incrível impacto que os problemas da cadeia de abastecimento e da logística podem ter a nível global. Infraestruturas podem variar muito dentro da América Latina, afetando a logística de abastecimento e eficiência operacional. Os investidores devem considerar a forma como as questões de infraestrutura e logística podem afetar as suas empresas ou as de seu portfólio, tanto a curto quanto a longo prazo.

Língua, comunicação e sensibilidade cultural

Uma comunicação eficaz é fundamental em qualquer transação. No entanto, as barreiras linguísticas e comunicacionais podem, muitas vezes, apresentar problemas quando se trata de transações transfronteiriças.

Embora o inglês seja frequentemente utilizado nos negócios, especialmente para empresas em fase inicial, deve-se ter em mente que o espanhol é a língua oficial dos demais países latino-americanos, com exceção do Brasil. A comunicação em línguas nativas da região pode ser fundamental para se estabelecer relações e compreender o mercado e a cultura de cada país.

A questão da sensibilidade cultural deve estar em primeiro plano quando se está trabalhando com investimentos transfronteiriços. É fundamental ter um profundo respeito pelos costumes locais, pela cultura e pelos aspectos únicos de cada país.

Deve existir um elevado nível de compreensão e sensibilidade cultural para se criar confiança entre as partes. Este pode ser um dos fatores-chave na criação de uma parceria bem-sucedida e de longo prazo.

O ecossistema de startups na América Latina é fascinante e a região está apenas começando a perceber o seu potencial. Cada país latino-americano tem suas características e desafios únicos, e por este motivo é essencial adaptar sua abordagem a cada mercado de forma específica.

A parceria com especialistas locais e consultores jurídicos que compreendem as complexidades do ambiente de cada país pode ser essencial para o sucesso de um investimento nessa região.

É sempre bom lembrar que os contratos de investimento e de parecerias na região tendem a seguir estruturas contratuais já testadas há anos nos Estados Unidos, mais especificamente no Vale do Silício, berço do venture capital em tecnologia e em outras áreas de forte crescimento, como biotecnologia e Life Science.

André Thiollier
Sócio do escritório global de advocacia norte-americano Foley & Lardner, LLP no Vale do Silício.

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