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STJ avalia proposta de modulação de efeitos no julgamento do tema 1.079: paradoxo jurídico quanto às decisões favoráveis

O STJ iniciou julgamento do Tema nº. 1.079 sobre a limitação a 20 salários mínimos na base de cálculo das contribuições parafiscais, devido a divergências geradas pelo decreto lei 2.318/86, alterando a interpretação jurisprudencial, em especial a partir de 2020.

23/11/2023

O STJ deu início, em 25 de outubro de 2023, ao julgamento do Tema nº. 1.079. A Corte pretende pacificar a matéria no tocante à aplicação, ou não, da limitação a 20 salários mínimos da base de cálculo das contribuições parafiscais, conforme imposto pela lei 6.950/81, artigo 4º, parágrafo único.

A controvérsia sobre a limitação legal surgiu a partir da edição do decreto lei 2.318/86, que, em seu artigo 3º, afastou a limitação imposta pelo artigo 4º da lei 6.950/81, sem, contudo, tratar expressamente do parágrafo único do mencionado artigo 4º.

“Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da lei 6.950, de 4 de novembro de 1981.”

A posição jurisprudencial variou nos últimos anos, tendo mudado o entendimento em alguns tribunais a partir de 2020, principalmente no âmbito do STJ, ao passo que a matéria foi submetida ao rito dos recursos repetitivos.

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA A TERCEIROS. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 4O DA LEI 6.950/81 NÃO REVOGADO PELO ART. 3O DO DL 2.318/86. INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Com a entrada em vigor da lei 6.950/81, unificou-se a base contributiva das empresas para a Previdência Social e das contribuições parafiscais por conta de terceiros, estabelecendo, em seu art. 4o., o limite de 20 salários-mínimos para base de cálculo. Sobreveio o decreto 2.318/86, que, em seu art. 3o., alterou esse limite da base contributiva apenas para a Previdência Social, restando mantido em relação às contribuições parafiscais. 2. Ou seja, no que diz respeito às demais contribuições com função parafiscal, fica mantido o limite estabelecido pelo artigo 4o., da lei no 6.950/81, e seu parágrafo, já que o decreto-lei 2.318/86 dispunha apenas sobre fontes de custeio da Previdência Social, não havendo como estender a supressão daquele limite também para a base a ser utilizada para o cálculo da contribuição ao INCRA e ao salário-educação. 3. Sobre o tema, a Primeira Turma desta Corte Superior já se posicional no sentido de que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4o. da lei 6.950/81, o qual não foi revogado pelo art. 3o. do DL 2.318/86, que disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. Precedente: REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.08. 4. Na hipótese dos autos, não tem aplicação, na fixação da verba honorária, os parâmetros estabelecidos no art. 85 do Código Fux, pois a legislação aplicável para a estipulação dos honorários advocatícios será definida pela data da sentença ou do acórdão que fixou a condenação, devendo ser observada a norma adjetiva vigente no momento de sua publicação. 5. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1570980 SP 2015/0294357-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 17/2/20, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 3/3/20)

A Colenda Corte da 1ª Seção do STJ iniciou o julgamento da questão. O primeiro voto proferido foi o da Ministra Relatora Regina Helena Costa que votou pelo afastamento da limitação dos 20 salários mínimos, contra a tese dos contribuintes, e consequente derrubada parágrafo único do artigo 4º da lei 6.950/81.

Ato contínuo ao voto, a relatora apresentou proposta de modulação dos efeitos da decisão, sendo que seriam excluídos aqueles contribuintes que ingressaram com ação judicial ou pedido administrativo até o julgamento do Tema nº. 1.079, e que tenham obtido decisões favoráveis.

Isso significa que somente aqueles contribuintes que obtiveram decisões favoráveis à limitação da base de cálculo seriam atingidos pelo efeito da segurança jurídica e prevalência da limitação até o fim do julgamento no STJ. O que, na realidade, gera um verdadeiro paradoxo do ponto de vista processual.

De certo, muitos contribuintes aproveitaram para ingressar com ações judiciais visando obter legitimidade para promover o recolhimento das contribuições parafiscais até o limite de 20 salários-mínimos, afastando, assim, a possibilidade de serem surpreendidos com débitos fiscais e autuações promovidas pela União.

No entanto, a partir de 2020, com a afetação do Tema nº. 1.079, determinou-se o sobrestamento de todas as ações judiciais que versem sobre o tema, restando aos tribunais julgarem somente aqueles casos eivados de risco na demora e probabilidade do direito -tutela de urgência, conforme preconiza o artigo 300 do CPC.

“Art. 982. Admitido o incidente, o relator:

(...)

§ 2º Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.”

“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

Os tribunais pátrios, por sua vez, esquivaram-se de apreciar a matéria em qualquer instância ou situação, transferindo ao STJ o ônus de dizer o direito nestes casos concretos.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS. LIMITE DE 20 SALÁRIOS MÍNIMOS PREVISTO NA LEI N. 6.950/81. TEMA 1079. SOBRESTAMENTO. NÃO IMPEDE O EXAME DAS MEDIDAS URGENTES. REFORMA DA PARCIAL DA DECISÃO AGRAVADA. 1. Conforme já reconhecido pela jurisprudência a declaração de suspensão do feito pelos Tribunais Superiores não impede a análise das medidas urgentes e, por conseguinte, do pedido de liminar, desde que presentes os requisitos quanto à concessão da liminar. 2. Com razão a recorrente quanto à necessidade de análise do seu pedido subsidiário quanto à aplicação da lei 6.950/81. 3. Em observância ao princípio do duplo grau de jurisdição e, ainda, considerando que o agravo de instrumento é recurso de devolutividade restrita, não é possível, neste momento, o exame quanto à aplicabilidade da Lei n. 6.950/1981, por esta Corte. 4. Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar que o magistrado singular aprecie o pedido subsidiário, independente da ordem de sobrestamento do E. STJ. (TRF-3 - AI: 50012153220224030000 MS, Relator: Desembargador Federal MARLI MARQUES FERREIRA, Data de Julgamento: 6/9/22, 4ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 16/9/22).

Ainda que à época a jurisprudência massiva fosse favorável ao contribuinte, o que, por si só, preenchia os requisitos legais para a apreciação do caso concreto, mesmo que o feito estivesse sobrestado por determinação do STJ e afetado ao rito dos recursos repetitivos, os tribunais deixaram de apreciar qualquer pedido nesse sentido para que a questão fosse inteiramente pacificada pela Corte do STJ.

Ora, os tribunais esquivavam-se de apreciar a matéria e apenas suspendiam os autos ou, em outros casos, concediam a tutela de urgência ao contribuinte para aplicar a limitação da base de cálculo e, em momento posterior, revogavam a tutela para que a matéria fosse apreciada pelo STJ e então aplicada pelo tribunal.

Destaca-se decisão proferida pelo TRF1, em que o contribuinte havia obtido medida liminar em sede de Mandado de Segurança e, posteriormente, sem considerar elementos novos apenas a partir da afetação do Tema nº. 1.079, o magistrado revogou a liminar até o julgamento final pelo STJ.

“Há determinação oriunda do STJ, para suspensão nacional das ações que versem sobre o Tema 1079 (Definir se o limite de 20 (vinte) salários-mínimos é aplicável à apuração da base de cálculo de “contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”, nos termos do art. 4º da lei 6.950/81, com as alterações promovidas em seu texto pelos arts. 1º e 3º do decreto-lei 2.318/86).

Diante do exposto, acolho os embargos de declaração para dar-lhes provimento e casso a liminar anteriormente deferida e determino a suspensão da tramitação destes autos até decisão final do STJ quanto a matéria” (TRF1- Mandado de Segurança: 1031549-59.2022.4.01.3400, 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Magistrado: Renato Coelho Borelli. Data do julgamento: 19/5/23, Data da publicação: 19/5/23).

O bem jurídico tutelado pelo artigo 927, §3º, do CPC, isto é, a segurança jurídica, resta preservado a uma parcela insignificante dos contribuintes que obtiveram decisões favoráveis - arrisco a dizer até mesmo antes da afetação do tema pelo STJ - e conseguiram proteger seu direito adquirido até a decisão final do STJ.

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

(...)

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”

O paradoxo fica a cargo de que apenas aqueles que tinham decisões judiciais favoráveis serão resguardados pela segurança jurídica, e ao mesmo tempo o posicionamento dos tribunais após 2020 - afetação do tema pelo STJ - restou no sentido de aguardar o posicionamento da Corte, sem conceder decisões favoráveis nesse sentido. Ora, não há apreciação da matéria pelos tribunais, como também não há modulação de efeitos neste caso.

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÕES DESTINADAS A TERCEIROS. BASE DE CÁLCULO. LIMITAÇÃO A 20 SALÁRIOS MÍNIMOS. TEMA 1.079/STJ. SUSPENSÃO NACIONAL. TUTELA DE URGÊNCIA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ESPECÍFICOS. RECURSO DA UNIÃO PROVIDO. 1. A questão da limitação para a incidência das contribuições de terceiros ao teto máximo de 20 (vinte) salários mínimos fora afetada pelo STJ, determinando-se o sobrestamento de todos os feitos no plano nacional. 2. Enquanto não consolidada orientação vinculante perante a instância superior, não há como se reputar presente a probabilidade do direito para o fim de autorizar o provimento precário pretendido pelo contribuinte. 3. Alegações meramente genéricas, sem a demonstração de nenhum evento concreto de que a manutenção da exigibilidade do crédito, nos moldes que já vinham sendo realizados, pudesse acarretar lesão grave ou de difícil reparação, não caracterizam perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. 4. Agravo de instrumento provido. (TRF-3 - AI: 50131540920224030000 SP, Relator: Desembargador Federal NELTON AGNALDO MORAES DOS SANTOS, Data de Julgamento: 16/2/23, 3ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 23/2/23).

O princípio da segurança jurídica esculpido na Constituição Federal não pode ser individualizado, como proposto pelo voto da Ministra Relatora do Tema nº. 1.079, haja vista que a jurisprudência até 2020 era massiva ao possibilitar ao contribuinte a limitação da base de cálculo disposta no artigo 4, parágrafo único, da lei 6.950/81.

A modulação de efeitos diante da possível virada jurisprudencial é inevitável ao presente caso, porém restringir somente aqueles que tinham decisões favoráveis nesse sentido é, além de individualizar a segurança jurídica, afastar o direito do contribuinte e advogar contrário ao que dispõe o próprio CPC e a Constituição Federal.

Victor Hugo Pompilio
Advogado no Passos e Sticca Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário, Empresarial e Processo Civil.

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