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Igualdade de direitos entre o credor fazendário e o privado quando o assunto é a proteção do princípio da boa fé

O Direito Empresarial enfrenta aumento expressivo de demandas de inadimplência, trazendo novas teses jurídicas diante da criatividade dos devedores, porém, a má fé muitas vezes não é combatida pelo Judiciário, gerando insegurança para credores e afetando outras áreas como a trabalhista e tributária.

23/11/2023

Quando está litigando a Fazenda Pública em desfavor de uma empresa que se encontra inapta junto a Receita Federal basta que a procuradoria comprove isso e a personalidade jurídica é desconsiderada. Esse entendimento tem respaldo na lei e na jurisprudência.

Ou seja, se a empresa devedora foi desidiosa ao ponto de ser considerada inativa ela cometeu o que o Direito chama de desvio de finalidade, um dos requisitos legais para a desconsideração da personalidade.

De outro lado, quando quem litiga na condição de credor é uma empresa e não a Fazenda Pública a situação é outra. Ou seja, o desvio de finalidade acontece a depender de quem é o credor. Simples assim.

A Fazenda Pública representa o bem público, in casu, a defesa ao erário público prejudicado pelo calote de alguém.

Ao que parece aos olhos do legislador e de muitos julgadores incapazes de elastecer a regra a favor das personalidades jurídicas de direito privado, a empresa representa única e exclusivamente interesses particulares afinal em juízo, seus direitos são infinitamente menores.

No entanto, parte da renda e porque não dizer boa parte da renda que compõe o erário público é decorrente do pagamento dos impostos pagos por empresas. Não somente isso. Falemos em interesse coletivo. As empresas, além do pagamento de impostos, giram a economia e geram empregos em um círculo vicioso eis que ao assumir obrigações trabalhistas e ao lançar bens e serviços no mercado aumentam suas obrigações tributárias. Ou seja, elas possuem sim, uma importância enorme na composição do erário público e no exercício do trabalho na condição de um dos direitos sociais previstos no artigo 6º da Constituição Federal.

Muitas empresas, em especial as chamadas ‘devedoras contumazes’ contraem empréstimos junto a instituições bancárias, compram mercadorias e não pagam e simplesmente fecham suas portas.

Às vezes, passam a funcionar com outro CNPJ e outra razão social, mas uma investigação a fundo leva a conclusão que se trata do mesmo quadro societário.

São muitos os truques para não arcar com as responsabilidades contraídas, mas, a grande coincidência na maioria deles é que ao pesquisar o CNPJ é possível aferir que ele não foi baixado, eis que a empresa consta como ‘inapta’ junto a Receita Federal.

Estar inapta perante a Receita Federal por "omissão de declarações" trata-se de uma circunstância que tenciona a caracterização de uso indevido da personalidade jurídica pela não observância aos deveres legalmente exigidos dos sócios administradores.

Outra coincidência que alcança a quase totalidade dos casos seja qual for o ‘truque’ escolhido é a ausência de bens passíveis de penhora em nome da empresa executada ou mesmo de um relacionamento desta com instituição financeira.

Tal situação faz saltar aos olhos o abuso da personalidade jurídica por sua utilização de forma indevida, com a nítida intenção de prejudicar credores a partir do esvaziamento do patrimônio da empresa, situação essa referendada pelo STJ no AREsp 2228868.

Ou seja, há entendimento ainda que não unanime emanado do próprio STJ de que a desconsideração da personalidade a favor de uma personalidade jurídica de direito privado credora em situações como a em comento, é possível e necessária.

Neste sentido, há também alguns desembargadores de alguns tribunais de justiça que conseguem também enxergar que a regra legalmente prevista a favor da Fazenda Pública credora pode ser aplicável a uma empresa também.

Em uma situação análoga decidiu a Ministra Maria Isabel Gallotti quando da relatoria do AREsp 2228868 de março de 2023. Veja que como no presente caso não havia somente uma devedora de portas fechadas, ou uma devedora que fechou suas portas e ficou inapta junto a receita, ou uma devedora que fechou suas portas, ficou inapta junto a receita e ainda não tinha bens a penhorar e sim tudo isso somado ao fato de ter sido aberta outra empresa no mesmo local no mesmo ramo, mas com CNPJ diferente com o notório objetivo de prejudicar seus credores, ou seja, DESVIO DE FINALIDADE ESCANCARADO.

É logico que o privilégio de que gozam as fazendas públicas em litígio tem por égide o bem público, mas, cumpre analisar a importância social das outras modalidades de credores sob pena de prejudicar o próprio interesse público ainda que indiretamente.

Ora, quem recebe impostos tem mais privilégios do que quem batalha sol a sol para pagar por eles?

Não faz sentido uma empresa inapta junto a receita federal ter sua personalidade desconsiderada somente quando o credor é um ente público quem tem impostos a receber e a mesma tese não ser aplicada quando a credora é uma empresa que sofreu um duro golpe eis que é com o pagamento por suas mercadorias que paga seus funcionários e suas obrigações tributárias, girando a economia, ainda mais quando se comprova uma sequência de atos maléficos e propositais para lesar credores.

Ora, se não for o caso de pensar na quantidade de trabalhadores possivelmente prejudicados pela diminuição da capacidade financeira de quem lhes paga o salário ou pela diminuição da carga tributária porque não pensar na aplicação do princípio da igualdade e passar a entender que se há desvio de finalidade quando de um lado há um ente público é obvio que o mesmo deveria ser considerado se o litigante for um ente privado.

Guardadas as devidas proporções seria como imaginar que um golpe a uma instituição bancária não é golpe quando do outro lado está um idoso, uma pessoa física infinitamente hipossuficiente em relação à grandeza econômica de um banco.

O presente artigo é um chamamento à reflexão para que os operadores do Direito ponderem sobre a necessidade de sedimentar entendimentos que igualem os credores em uma situação como esta (desde que devidamente armada de provas) quando quem executa é uma pessoa de direito privado eis que ainda que indiretamente o interesse público também está em jogo. A reflexão é necessária e urgente.

Janaina M. Guilherme
Advogada formada pela Universidade de Uberaba, especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás, sócia da banca Janaina M. Guilherme.

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