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Com a Black Friday, saiba algumas novidades sobre o direito de arrependimento

A expectativa de aquecimento nas vendas online durante a Black Friday e o Natal em 2023, com previsão de movimentar cerca de R$ 186 bilhões, levanta questões sobre o direito de arrependimento do consumidor, assegurado pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

24/11/2023

A Black Friday e o natal prometem chegar para aquecer o mercado de vendas do e-commerce no quarto trimestre. Para o comércio, essas datas são especialmente importantes para o aumento do faturamento. Em 2022, por exemplo, o faturamento total da quinta-feira que antecedeu a Black Friday até a Cyber Monday foi de R$ 6,1 bilhões. A perspectiva é de que o setor, que vem ganhando grande relevância, encerre 2023 movimentando cerca de R$ 186 bilhões. 

Esse aumento esperado das vendas online pode ser seguido por questionamentos sobre o chamado direito de arrependimento, que prevê a possibilidade de desistência da compra de produtos e/ou serviços adquiridos fora do estabelecimento comercial, no prazo de até sete dias contados da data da contratação ou do recebimento do produto, com o consequente reembolso do valor ao consumidor (art. 49 do Código de Defesa do Consumidor - CDC).  

A ideia por trás da criação do artigo era garantir que o consumidor pudesse devolver determinado bem adquirido quando a compra fosse realizada sem a possibilidade de ver e tocar o produto diretamente. Ele foi inicialmente pensado para as opções de vendas disponíveis à época, como aquelas por catálogos e telefones, por exemplo. O que se entendia era que as compras realizadas nessas condições poderiam levar o consumidor a uma expectativa errônea quanto às especificidades do produto (como cor, textura, odor, tamanho etc.). Por isso, garantiu-se ao comprador o direito de se arrepender, após o recebimento do produto, caso a realidade não correspondesse à sua expectativa.  

Ocorre que 32 anos após a entrada em vigor do CDC, outras modalidades de produtos/serviços comercializados fora do estabelecimento comercial surgiram. É o caso, por exemplo, das compras realizadas por meio da internet. A partir desse momento, surgem novas discussões relacionadas ao exercício do direito de arrependimento. 

Não devemos negar que é fundamental o direito de resguardar os consumidores das situações nas quais não teve acesso prévio aos produtos ou serviços adquiridos. Entretanto, o exercício irrestrito desse direito, em determinadas situações, é discutível.  

A contratação de um serviço de streaming seguida de cancelamento é um dos exemplos. Apesar de configurar contratação “fora do estabelecimento comercial”, tratando-se de conteúdo virtual, de consumo quase senão imediato, é de se indagar se de fato houve configuração de quebra de expectativa ou não conformidade do produto/serviço apta a viabilizar o arrependimento. O mesmo se diz com relação à aquisição de arquivos digitais, como e-books.  

Nesse sentido, vale citar a sentença do processo n° 1029937-26.2019.8.26.0405, no qual se discutia a possibilidade de exercício do direito de arrependimento de compras realizadas nos “aplicativos ‘Apple’ e ‘iTunes Store’”. O juízo da Vara do Juizado Especial Cível do Foro de Osasco, ao analisar o caso, reconheceu que o direito de arrependimento foi estabelecido “em momento em que o comércio eletrônico de serviços e produtos digitais ainda não havia sequer sido imaginado pelo legislador, de modo que sua aplicação sobre tais relações deve ser reinterpretada para ser, a tal modalidade de transações, aplicada”. 

Com base nisso, entendeu que não seria viável se arrepender da aquisição de “produtos adquiridos em (....) aplicativos (...) digitais” porque seria "impossível o retorno ao status quo ante, de modo que, admitido o direito de arrependimento, previsto no artigo 49, do Código Consumerista, haveria enriquecimento sem causa jurídica da Requerente – ou do menor impúbere de quem é representante legal -, o que não se admite na ordem jurídica brasileira (artigo 884 do Código Civil)”. 

Também é valido citar o exemplo dos produtos ou serviços personalizados/customizados. Ainda que a compra desse tipo de produto/serviço também possa ser efetuada fora do estabelecimento comercial, eventual exercício do direito de arrependimento pode colocar o fornecedor em situação de desvantagem exagerada, diante da impossibilidade de reinserção do produto no mercado de consumo, justamente em razão de suas características individualizadas ao consumidor (como um nome bordado). 

Sobre esse ponto, vale citar o acórdão proferido no processo nº 0049229-66.2014.8.07.0001. O TJ/DF, ao analisar caso em que se discutia a possibilidade de se arrepender da contratação de serviços personalizados de fotografia e filmagem, reconheceu que “existem produtos e serviços” – tais como os que estavam sendo discutidos - “cuja aquisição, conquanto realizada fora do estabelecimento comercial do fornecedor, não é passível de arrependimento pela sua própria natureza, sob pena de gerarem prejuízos a seus fornecedores e desvirtuarem princípios básicos da relação contratual, da boa-fé, da lealdade e do respeito em sociedade”.  

Em linha com os precedentes acima, também é pertinente lembrar que, durante a pandemia da Covid-19, houve edição da lei 14.010/20 que suspendeu provisoriamente a aplicação do art. 49 do CDC na hipótese de entrega domiciliar de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. A medida foi adotada visando estabelecer justamente um “equilíbrio de posições em áreas extremamente complexas e de difícil ponderação entre interesses”. 

Embora ainda não haja precedentes com teor vinculativo e a maioria dos julgados sobre o tema ainda apliquem o artigo 49 do CDC de modo irrestrito, os exemplos citados trazem um novo olhar para a temática, que faz sentido se pensado à luz dos princípios da boa-fé contratual e da harmonia das relações de consumo.  

Nesse contexto, acrescenta-se uma nova perspectiva para a discussão: as compras efetuadas no metaverso. Nesse tipo de ambiente, o consumidor, imerso na realidade virtual, tem condições de analisar os produtos com uma espécie de lupa, visualizando, de forma detalhada, todas as suas especificidades (talvez até de maneira mais aprofundada do que à realizada pessoalmente em lojas físicas). Nesses cenários, faz sentido autorizar o exercício do direito de arrependimento, mesmo diante da inexistência de qualquer assimetria informacional?  

Como o CDC não acompanhou as mudanças tecnológicas do novo mercado de consumo, não há lei que regulamente especificamente as situações retratadas acima. Além disso, os órgãos de proteção e defesa do consumidor (PROCONs, SENACON, entre outros) também não se manifestaram especificamente sobre essas problemáticas. Resta, ao Poder Judiciário, realizar a análise, caso a caso, das situações que comportam ou não o exercício irrestrito do direto de arrependimento.  Até lá, nas compras fora do estabelecimento comercial e nessas situações exemplificadas, vale sempre ter cuidado na busca de informações, tendo-se em mente que o CDC busca proteger não apenas um lado, mas sim a harmonia entre todos os participantes da cadeia de consumo. 

Bruna Borghi
Sócia da área de Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.

Pedro Soares
Advogado da área de Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.

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