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A prescrição intercorrente no âmbito da CVM: uma análise das discussões sobre o tema

A lei 6.385/76 atribui à CVM a responsabilidade de investigar e penalizar atos ilegais no mercado financeiro. Já a lei 9.873/99 estabelece prazos e condições para prescrição em processos administrativos, com interrupção em situações específicas.

23/11/2023

Segundo a lei 6.385/76, entre as competências da Comissão de Valores Mobiliários – CVM está o dever de “apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado”, bem como “aplicar aos autores das infrações indicadas no inciso anterior as penalidades previstas no art. 11, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal” (art. 9º, V e VI, da lei 6.385/76).

Para regular a citada atuação no âmbito dos processos administrativos, a lei 9.873/99, que dispõe sobre o prazo de prescrição para o exercício de pretensão punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta, em seu art. 1º e §1º, prevê, além da prescrição quinquenal da ação punitiva, a incidência da prescrição intercorrente nos procedimentos administrativos, caso esses permaneçam paralisados por mais de 3 anos.

Na sequência, o art. 2º dessa lei estabelece as hipóteses em que a prescrição da ação punitiva seria interrompida, quais sejam, I - pela notificação ou citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital; II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; III - pela decisão condenatória recorrível; ou IV - por qualquer ato inequívoco que importe em manifestação expressa de tentativa de solução conciliatória no âmbito interno da administração pública federal.

Contudo, ao longo dos anos, iniciou-se discussão a respeito da aplicabilidade e abrangência do item “II” mencionado acima, com entendimentos divergentes sobre quais atos praticados pela Administração Pública seriam suficientes para interromper a prescrição intercorrente da pretensão punitiva da CVM ou, ainda,  qual seria o conteúdo necessário para que aquele determinado ato importasse apuração pela Administração Pública das práticas ilegais contra o mercado.

Tanto na CVM quanto no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – CRSFN, órgão responsável pelo julgamento de recursos interpostos contra decisões que aplicam penalidades no âmbito administrativo, a interpretação majoritária segue a linha de que, para que haja a devida interrupção da prescrição intercorrente, basta a prática de qualquer ato que venha impulsionar o procedimento administrativo, aceitando até mesmo a mera redistribuição do procedimento administrativo a um novo Diretor (vejam-se, nesse sentido, as decisões dos PAS CVM nº 18/2013, PAS CVM 14/10, PAS CVM nº RJ2013/2759 e PAS CVM Nº RJ2016/8375 e Acórdão CRSFN 411/16).

Esse entendimento, inclusive, chegou a ser sumulado pelo CRSFN em maio de 2023: “Súmula CRSFN n° 5, de 12 de maio de 2023 – A distribuição e a necessária redistribuição de processos sancionadores para relatoria por integrantes de órgãos colegiados configuram movimentação processual essencial para impulsionar o processo rumo ao seu julgamento e descaracterizam o pressuposto de paralisação da prescrição intercorrente”.

Além disso, antes mesmo de tal hipótese ser objeto de súmula, pôde-se observar a aplicação desse entendimento em algumas decisões do TRF-2, no sentido de que “qualquer ato ordinatório efetuado pela administração pública para dar impulso ao processo administrativo tem o condão a afastar a prescrição. Quando a Administração pratica atos que impulsionam o processo, mas não profere nenhum despacho decisório durante o período de três anos, ainda que seja despacho de mero expediente, não estará caracterizada a inércia da Administração, não havendo que se falar em prescrição intercorrente a que se refere o artigo 1°, §1°, da lei 9.873/99” (TRF2, AC nº 0043720-28.2012.4.02.5101, Rel. Des. Marcelo da Fonseca Guerreiro, 8ª Turma Especializada, j. em 13/2/19).

No entanto, fato é que há recentes julgados de outros TRFs que caminham em sentido diametralmente oposto. Nesses casos, há o entendimento de que na~o e' qualquer ato/despacho que tem como conseque^ncia interromper o prazo prescricional, mas somente aquele direcionado, inequivocamente, a` instruc¸a~o do processo administrativo”. No mais, “o simples encaminhamento do procedimento administrativo para realizac¸a~o da instruc¸a~o, por constituir mero ato de expediente que impo~e a lo'gica procedimental, na~o tem, em verdade, o conda~o de interromper o prazo prescricional, vez que na~o se encaixa a`s hipo'teses previstas no art. 2o da lei 9.873/99” (TRF1, AC nº 0007773-23.2017.4.01.3400, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Daniele Maranhão, j. 17.3.21). Confiram-se, a título de exemplos, TRF3, ApelRemNec 0014415-50.2010.4.03.6100, 4ª Turma, DJE 13/7/21; TRF1, AC nº 0052558-44.2011.4.01.3800, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Kassio Marques, j. 16.3.15; e TRF4 – AC nº 5007553-62.2018.4.04.7104, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Quarta Turma, j. em 20/7/22.

Tal fundamento também pode ser observado em diversos outros julgados do STJ (p.ex. REsp 1461362/PR, REsp 1351786/RS e AgRg no AREsp 613.122/SC). Aliás, em acórdão datado de 2/6/22, o Tribunal Regional da 3ª Região ainda dispôs expressamente que “o entendimento assente no STJ é o de que os atos de autuação e de encaminhamento do recurso consistem em meros atos ordinatórios, despidos de caráter decisório ou investigativo, e que, portanto, não interrompem o prazo para prescrição intercorrente”.

De fato, trata-se de tema que ainda gera reiteradas discussões no âmbito administrativo e no âmbito judicial. De todo modo, pela análise da jurisprudência dos TRFs, é possível concluir que a maioria dos julgados reconhece a ocorrência de prescrição intercorrente da pretensão punitiva da Administração Pública quando há apenas a prática de atos de mero expediente, ou seja, atos que podem até impulsionar o procedimento, como a simples redistribuição, mas que não possuem conteúdo decisório ou investigativo, conforme determina o art. 2º, II, da lei 9.873/99.

Willie Tavares
Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-Graduado em Direito Civil-Constitucional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Pós-Graduado em Direito da Tecnologia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ);

Adriana Busch
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO). Coautora do livro "Aspectos polêmicos dos recursos cíveis - Volume 15", coordenado por Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim. Editora Revista dos Tribunais, 2020.

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