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O provimento da Cadeira nº 11 do STF: Entre a conjuntura da indicação presidencial e os desafios atuais da Suprema Corte

O presente texto pretende jogar luzes sobre o provimento da vaga aberta com foco nos desafios políticos e institucionais da Suprema Corte de hoje.

17/11/2023

A aposentadoria da ministra Rosa Weber após sua marcante trajetória de quase 47 anos na magistratura, 12 dos quais na Suprema Corte e de onde jubilada da cadeira que engrandeceu, como Presidente, até 30/9/23, acionou novo rito de indicação de ministro do STF. Será a vigésima sexta mudança na composição do STF sob a Carta de 1988 e uma das mais sensíveis, seja pela responsabilidade diante o legado virtuoso que a ministra Rosa deixou como juíza e cidadã, seja pelos desafios institucionais inéditos com os quais o Supremo de hoje se depara.

Nos termos do art.101 da CF, compete ao Senado sabatinar cidadão brasileiro maior de 35 e menor de 65 anos de idade que goze de notável saber jurídico e de reputação ilibada, o qual, uma vez aprovado por maioria absoluta, será nomeado pelo Presidente da República para compor o STF com a tarefa precípua de guardião da Constituição. Esse itinerário do provimento não é trivial, pois cada indicação tem sua história e seus desafios em face das circunstâncias de tempo e espaço que permeiam o ato de escolha, e que tornam o caminhar sempre único até a positivação do nome indicado1.

O presente texto pretende jogar luzes sobre o provimento da vaga aberta com foco nos desafios políticos e institucionais da Suprema Corte de hoje. 

Olhando para o passado em busca de sinais para o presente 

O Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva teve a prerrogativa de indicar nove ministros da Suprema Corte até a presente quadra desse seu terceiro mandato presidencial. É o campeão de indicações sob a CF de 1988, seguido da presidente Dilma Rousseff, que indicou cinco nomes, e do Presidente Fernando Collor, que indicou quatro ministros2.

De juízes de carreira experimentados (Cezar Peluso e Menezes Direito) a acadêmicos e acadêmicas de alto rendimento com diferentes experiências profissionais (Cármen Lúcia, Ayres Brito, Ricardo Lewandowski e Eros Grau), passando por representante negro com história de vida e currículo ricos (Joaquim Barbosa) a advogados de ofício (Dias Toffoli e Cristiano Zanin), pode-se dizer que o aspecto da diversidade foi endereçado nas indicações pretéritas de Lula da Silva. Realmente, os perfis atestam que o atual mandatário não esteve preso a uma tessitura única de candidato; e também não esteve refém de sua base política ideológica, uma vez contemplados perfis plurais em termos de experiência e vivência (conquanto a concentração regional dos nomes no eixo Sudeste). Em especial sobre a sub-representação de negros e mulheres ainda lastimavelmente presente na Corte, a estatística aponta que o atual Presidente nomeou nada menos que 1/3 das mulheres e 1/3 dos negros da história do STF, eis um dado objetivo.

O Presidente da República pouco tem falado publicamente sobre vaga aberta, o que é salutar. De fato, diante da alta significação do cargo, o que por si só atrai a ribalta, convém contrabalancear as movimentações expansivas dos atores sociais com o comedimento do mandatário sobre o perfil a ser provido. Nessa discrição, quiçá involuntariamente exprima um sinal também desejável ao futuro indicado, o que é bom. 

Tomando por base o antes e o agora, não há razões para duvidar que será levado em conta a capacidade do indicado em solucionar desafios da Suprema Corte de hoje, todavia, sem perder de vista o olhar para o futuro, e que a resultante sobre o nome nascerá de concausas, projetos e composições entre os atores sociais e políticos envolvidos no provimento. Tudo normal à espécie.

Os desafios atuais do STF: A ciência política no processo de composição da Suprema Corte brasileira

(i) Defender-se da escalada autoritária; (ii) contribuir para a pacificação da sociedade brasileira sem abrir mão de sua função contramajoritária e de defesa das minorias; (iii) firmar a confiança pública de que atua conforme a Constituição enquanto um Tribunal, não como um ator político. Esses são alguns dos graves desafios do STF de hoje e que deveriam guiar o debate público sobre a indicação do novo ministro: menos sobre o nome, mais sobre a capacidade de o indicado enfrentar essas contingências; menos orientado para o quem, mais para o porquê do indicado(a).

Os complexos fatores políticos e ideológicos que permeiam a indicação do novo ministro dialogam com a recente desestabilização institucional do país. O momento não é de pouca complexidade, e me limito diretamente aos fatos mais determinantes: no arco de apenas uma década houve o impedimento da Presidente Dilma Rousseff, a prisão do atual Presidente Lula (depois anulada) e o ingresso de atores judiciais na arena político partidária pela aproximação nada ingênua de magistrados com detentores de mandato eletivo. Nesse caldo, duas eleições presidenciais polarizadas que resultaram em apurações de tentativas de golpe de Estado e que catalisaram a maior crise institucional da Nova República, quiçá da história do Brasil.

No festejado Como as democracias morrem3, Daniel Ziblatt e Steven Levitsky descortinam que os regimes democráticos solapam a partir de estratégias de enfraquecimento das instituições. Como método, grupos autoritários vão minando a credibilidade das instituições por via de ardis camuflados de intenções nobres (v.g, combate à corrupção, patriotismo, moral e costumes), projetando discursos populistas e catalisadores de sentimentos de insatisfação sistêmica por meio de redes de comunicação de massa (milícias digitais e fake news). No campo das instituições judiciais, o diagnóstico é de que a polarização política como fenômeno global faz com que Supremas Cortes sejam atacadas até quando cumprem suas funções acima de qualquer suspeita de politização, quando seguem processos constitucionais legítimos de julgamento e ainda quando gozam de credibilidade popular.

É precisamente nesse contexto que o STF se coloca no epicentro da crise institucional que desafiou a democracia brasileira. Foi a Geni mais foi apedrejada na Ópera do Malandro de 08/01/23, instituição contra a qual foi dirigida a maior ira entre os Palácios da República atacados naquele “Dia da Infâmia”4.

As razões pelas quais o STF está no centro da crise são complexas e variadas. De modo geral, passam por grupos autoritários que apontam a politização nas atividades da Corte e acusam o seu comprometimento com pautas progressistas e identitárias ligadas ao “comunismo”, portanto, contrárias aos interesses nacionais e ameaçadoras de valores patrióticos. Ocorre que essa instrumentalização populista em torno de dilemas sabidamente falsos vem embalada também em críticas legítimas ao funcionamento institucional do Supremo, que não são novas e não são provenientes de devaneios, e que passam desde o comportamento institucional de seus Juízes à segurança jurídica e confiabilidade de seu processo constitucional de tomada de decisões, e para as quais (críticas legítimas) o STF vem enfrentando dificuldades em dar os devidos endereçamentos. É preciso separar o joio do trigo. 

Oscar Vilhena Vieira cunhou a expressão “supremocracia” para etiquetar as enormes competências (“sem precedentes”) conferidas ao STF pela Constituição de 1988, que atribuíram à Corte dar a última palavra sobre um leque amplíssimo de atos dos demais Poderes relacionados a temas políticos, econômicos, morais e sociais. Essa concentração decorreu, na visão do autor, da desconfiança na política pós redemocratização e da “hiperconstitucionalização” da vida brasileira, presente o extenso rol de direitos sem vinculação tradicional com Cartas Políticas que foram trazidos para dentro da CF (ou seja, matérias apenas formalmente constitucionais). A ampla competência jurisdicional e a “criação de acesso direto aos atores políticos para a provocar a jurisdição do Tribunal” constituíram a arquitetura que sustém a atuação expansiva do STF pós 1988. Por isso, a supremocracia “(...) não deve ser [necessariamente] confundida com um fenômeno de usurpação de poder, pois decorre, em grande medida, da vontade constitucional”. Esclarece o autor, no entanto, que essa base constitucional “não significa (...) que no exercício de suas atribuições o Supremo, ou os seus ministros, não extrapole suas funções, exercendo-as de forma abusiva ou usurpadora5

Sem dúvida que é da natureza das competências e atividades do STF certa intersecção com a política. E isso não deve ruborescer a ninguém, política não é uma palavra feia que deva ser proibida no STF, o Tribunal da Federação. Realmente, não há como separar as divergências da Constituição Federal que chegam ao STF (sobre políticas públicas, sobre minorias, sobre costumes, sobre tudo!) das disputas políticas travadas no Parlamento, bem ou mal solucionadas. Tais questões aportam à Suprema Corte não porque seus ministros querem ou gostam, mas pelo desenho que a Constituição de 1988 conferiu à Corte, como dito, com competência para julgar uma amplíssima gama de demandas e com uma legitimação para o acesso direto igualmente extensa. Também é natural em um sistema cujos partidos políticos constituem um dos principais demandantes no STF (em especial nas causas de controle de constitucionalidade, a matéria prima de uma Corte Constitucional) que a agenda política tome assento na Corte e que os grupos políticos derrotados no Parlamento busquem tragar a agenda do Tribunal por via do ajuizamento estratégico de suas demandas6.

Postas as coisas desse modo, o problema está em saber quando o STF passa dos limites da intersecção aceitável com a política e quando ele avança para ocupar o espaço dos eleitos. Conquanto ingênuo exigir que o STF não seja permeado por qualquer fração política em sua atuação, é bravata considerar, por outro lado, que tudo que se passa no Tribunal subjaz por arranjos voltados meramente à disputa e ao exercício de poder. A rigor, decisões ótimas do STF ficam obnubiladas pela narrativa de politização não pelo conteúdo em si, mas pela forma adotada para a solução dos conflitos (deficiência do processo constitucional) e pelo comprometimento circunstancial da etiqueta judiciária da Corte. Tais contingências, na guerra das narrativas, podem passar a desconfiança do uso de comporta-mentos estratégicos em favor deste ou daquele interesse em julgamento, o que detrai a legitimidade e a confiabilidade do Tribunal.

Portanto, a quadra impõe que o STF seja tático na solidificação de seu ethos, sendo de rigor que o futuro ocupante da cadeira nº 11 esteja atento à importância de reforçar a imagem institucional da Corte, de aperfeiçoá-la, de defendê-la e de recobrar a sua confiança e legitimidade. Eis o ponto: instituições muito fortes devem se contrabalancear com humilde autocrítica para não serem erodidas por granadas colocadas em seus bolsos por falsos patriotas. Do contrário, na esteira da provocação de Rubens Glezner7, pode lhe ocorrer como àqueles grandes craques do futebol que enchem os olhos do público, mas que diante de tantos desacertos ao longo da trajetória, se tornam inca-pazes de voltar aos trilhos de seu talento de tal modo que os espectadores deixam de admirá-los e protegê-los até se tornarem indiferentes com a perda de seu prestígio

Três características desejáveis ao futuro ministro em face aos desafios atuais do Supremo

(i) Um compromisso de etiqueta judiciária (Ode à LOMAN) 

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional é o regime jurídico aplicável a todos os Juízes brasileiros, inclusive aos ministros do STF. O novo ministro deve se comprometer com uma etiqueta judicial que projete aos integrantes da Corte os deveres e vedações dirigidas a todos os magistrados do país. Mais ainda, a indicação do novo Juiz Constitucional deve vir indexada a uma autocrítica para um rebranding da forma como o STF se comunica com a sociedade, incluído o debate sobre a etiqueta judiciária de seus ministros. 

Decorre da LOMAN uma série de vedações e deveres deontológicos aos Juízes que de regra são princípios caros a todas as Cortes Constitucionais do mundo civilizado. Coisas elementares: não são apropriados arroubos retó-ricos e adjetivações que abram brechas para afirmar parcialidade nos julgamentos ou capazes de suscitar qualquer tipo de comprometimento subjetivo do ministro. Impõe-se discrição na vida pública e privada, bem como equidistância das partes e interessados nas causas; a fortiori, devem ser evitados comportamento histriônicos e comentários de natureza política dissociadas da agenda institucional da Corte, sobretudo a respeito de questões judicializadas ou com perspectiva de ser: quem fala institucionalmente pelo Tribunal é o ministro Presidente, a quem compete repre-sentar o Supremo perante os demais poderes e autoridades, conforme regimento interno do STF8.

As agendas institucionais dos ministros devem ser, como regra, de conhecimento público e divulgadas em fácil acesso9. Os julgamentos devem ser técnicos e realizados de acordo com regras e procedimentos pré-definidos em Lei em ordem a prevenir questionamentos de casuísmos ou de conveniência/estratégia política; a monocratização dos julgamentos deve ser atacada como política judiciária da Corte10, assim como devem ser estabelecidos critérios para dar racionalidade à agenda de julgamento, com mais previsibilidade da pauta e formas de controle dos poderes individuais dos ministros11

Padrões de comportamento institucional e de etiqueta judiciária, mais do que depender de querer individual dos ministros, são fundamentais para o processo de legitimidade do STF. Pouco importa a personalidade do magistrado, se contido por característica pessoal ou não: dele deve ser exigido comprometimento para que assuma regras deontológicas mínimas, em ordem a obedecer uma etiqueta judiciária que transmita confiabilidade sobre as atividades do Tribunal e respeitabilidade da função à sociedade. Uma etiqueta solene mesmo, acauteladora de maus exemplos para toda a cadeia da magistratura para a qual o STF é a referência12

Ademais, como o STF não tem Corregedoria nem os ministros possuem poderes de correição uns com rela-ção aos outros (e o Plenário nunca assumiu esse poder implícito, cabível em tese), e tampouco se submete às regras de controle do CNJ dirigidas a todos os demais Tribunais nacionais (por entendimento do próprio STF), há um déficit de accountibility muito evidente sobre as atividades de Corte. Isso precisa ser corrigido. Tais deficiências fragilizam a imagem pública da instituição e servem de cortina de fumaça para os parasitas alimentarem os questionamentos autoritários sobre a Corte. O futuro indicado deve estar atento a esse estado de coisas.

É possível atender a um padrão de etiqueta judiciária adequado à confiabilidade que se impõe ao Tribunal. Voltando os olhos para a cadeira vaga, a Ministra Rosa Weber, nos 12 anos que esteve no STF, personificou um agir institucional e uma imagem pública modelar que valorizaram a legitimidade e confiabilidade do Supremo. Um exemplo que não deveria ser descontinuado entre as características desejáveis ao futuro ocupante da cadeira nº 11 do STF.

(ii) Sensibilidade política   

Situando o STF entre o direito e a política, Diego Werneck Argueles explicita que o problema “[n]ão (...) é que a autuação de juízes constitucionais tenha intersecção com a dos políticos eleitos. O problema, sim, é que juízes ajam e sejam vistos como se fossem iguais aos políticos, com idêntica lógica de atuação, variando apenas os meios (e as indumentárias). Que atuem e sejam percebidos como políticos de toga” Para concretizar sua preocupação, o autor invoca pesquisa de Índice de Confiança na Justiça, elaborada pela FGV no ano de 2021, na qual 48% dos en-trevistados concordaram com a afirmação de que “os ministros do Supremo são iguais a quaisquer outros políticos13. O diagnóstico é bastante grave. 

O Juiz Constitucional deve proteger o Tribunal da política partidária e da politização da Justiça. A sensibilidade política que dele se espera é para incutir a confiança pública de que não pretende ocupar os espaços dos eleitos, sabendo respeitar as balizas entre a intersecção política legítima e a defesa. Em especial, o Juiz Constitucional deve fixar padrões claros sobre o conteúdo da separação dos poderes e da não sindicância dos atos interna corporis do Parlamento; para esse feeling, convém que o novo Juiz Constitucional vivencie o Brasil, conhecendo do funcionamento da máquina executiva e parlamentar, dos seus rincões e da diversidade das características regionais. 

A sensibilidade política deve ser ferramenta para que as decisões constitucionais sejam passíveis de efetivo cumprimento e um termômetro para um atuar estratégico voltado a descomprimir a tensão social, ao invés de fomentá-la. A ampliação dos espaços de deliberação e a construção de decisões customizadas às características dos conflitos de alta voltagem política dependem da sensibilidade em estabelecer pontes entre outros órgãos, instituições e sociedade civil, e para isso dele se exige capacidade de transitar em diferentes cenários institucionais. 

É precisamente a sensibilidade política do Juiz Constitucional que deve proteger a Corte das críticas de politização, as quais, conquanto majoritariamente infundadas, vem muitas vezes colando no STF a percepção pública de que o Tribunal não atua conforme as regras do Direito, mas sim guiado por percepções ideológicas da agenda indi-vidual de cada ministro.

(iii) Experiência e capacidade dialógica 

O STF é um Tribunal efervescente. A nova administração dos ministros Roberto Barroso e Edson Fachin tem o desafio de conduzi-lo em quadra histórica bastante difícil. Não há tempo para pausa. O regime de julgamento ordinário é de grande escala e convive com questões urgentes que demandam atuações excepcionais da Presidência e dos demais ministros, tudo sob cerrado escrutínio. Grandes temas econômicos e pautas de costumes; questões de direito ambiental, de direito criminal e de grupos minoritários; políticas públicas; relações entre os Poderes, democracia, processo eleitoral, saúde, educação, direitos humanos, meio ambiente, direito sanitário, indígenas, quilombolas, segurança pública, sistema penitenciário, entre outras, são tensões permanente no STF que aportam sob uma infinidade de veículos processuais (recursos, ações originárias, reclamações, conflitos federativos, extradições, habeas corpus, ADIs, ADCs, ADPFs, ADOs, ações penais, inquéritos, petições, mandados de segurança, conflitos de competência, ações rescisórias, mandados de injunção, revisões criminais e etc.). 

Nenhuma Corte Constitucional do mundo julga tanto quanto a brasileira14. Cada Gabinete possui estrutura de uma empresa de médio porte, com cargos, funções e colaboradores com diversas expertises e formações, voltados a auxiliar os ministros nos julgamentos e na administração judiciária (Juízes, servidores concursados, ocupantes de cargos comissionados, terceirizados e estagiários). O trabalho dos ministros é exaustivo: ao lado das atribuições administrativas típicas de um Poder (sessões administrativas, comissões, representações, cerimônias) há sessões de julgamento presenciais regulares pelo menos três dias por semana (Turmas e Plenário) e em regime ininterrupto, no ambiente virtual (Turmas e Plenários Virtuais). Os ministros acumulam funções jurisdicionais e administrativas no TSE (três integrantes, dos quais necessariamente dois deles ocupam as funções de Presidente e o Vice-Presidente da Corte Eleitoral) e todos os ministros, se não solapados pela aposentadoria, terão a oportunidade de ser Presidente do STF pela tradição da antiguidade (por rodízio, será Presidente o integrante mais antigo que ainda não assumiu a Presi-dência), ou seja, poderão ser Chefe do Poder Judiciário brasileiro, o que impõe planejamento e grandes responsabilidades.

Toda essa gama de atribuições exige capacidade de gestão, muita energia (física e mental), afinidade com novas tecnologias (é a única Suprema Corte do planeta 100% digital) e liderança. Definitivamente, estar ministro do STF não é tarefa para improvisos. Por isso, não há espaço para experimentalismos na sua composição: o ministro eficiente se aperfeiçoa na trajetória, mas desde o ingresso na Corte já deve estar pronto para os desafios do minuto seguinte, com clareza dos como e porquês de suas tarefas.

Nesse diapasão, convém que o ocupante da cadeira nº 11 tenha sido testado em ambientes de complexidade jurídica. Gente do ramo, que conheça a dinâmica do Tribunal, as suas circunstâncias e idiossincrasias, as regras decisórias; alguém com intimidade nas tarefas do STF e com Cortes Constitucionais em geral, que tenha clareza sobre as deficiências institucionais do Supremo e que possa contribuir em aumentar a eficiência da Corte. 

No plano operacional, o indicado deve estar alinhado com os métodos dialógicos do processo constitucional moderno, voltados a extrair decisões construídas, negociadas, colaborativas, não meramente adjudicatórias. Sem dúvida que os intrincados conflitos sobre direitos fundamentais e sociais reclamam intervenções jurídicas diferenciadas e abertura ao diálogo, bem como soluções dinâmicas, flexíveis e técnicas especiais de efetivação jurisdicional, tais como flexibilidade de procedimento, consensualidade, negociações processuais, atipicidade dos meios de pro-vas, das medidas executivas e das formas de cooperação judiciária15

Sem dúvida que um Juiz Constitucional com perfil dialógico terá um melhor aproveitamento do potencial decisório estrutural e complexo dos conflitos constitucionais da Suprema Corte de hoje.

“União e Reconstrução”?

A indicação de ministro do STF é ato político do Presidente de República revestido do mais alto significado no sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira. Como tal, a indicação deve estar alinhada com a relevância do cargo e com os valores da Constituição. Havendo contradição entre o dito e o realizado, abrem-se brechas para questionar a legitimidade do indicado e a confiabilidade de quem o indicou. 

“União e Reconstrução” foi elevado a slogan do Governo. Levando a sério a simbologia, a confiança na mensagem depende de atos políticos concretos que transmitam fidelidade ao conceito. Nessa perspectiva, a indicação do novo ministro (a) do STF deve convergir para alguém que possa somar aos esforços de união e reconstrução idealizados. Para tanto, o indicado deve ser legitimado entre o conjunto das forças políticas e atores sociais, alguém que, no tempo presente, tenha capacidade para fechar cicatrizes e levar adiante uma agenda de pacificação e diálogo. Por consequência, deve ser calculada com cuidado a conveniência de indicar perfis incapazes de distencionar o ambiente conflagrado ou que dificultem a interlocução com outros Poderes: em ambiente político e socialmente conflitado como o de hoje, o perfil indicado deve também servir para aparar arestas, não como mais um elemento desagregador do cenário institucional. 

É tempo de levar os símbolos a sério no sentido de reforçar o elã entre o povo, a política e Justiça. Unir e reconstruir também são tarefas do STF enquanto instituição nuclear na democracia brasileira, para qual necessita de jogadores disciplinados, torcedores civilizados e técnicos que despertem confiança. Confiança real e simbólica. 

_________________

1Felipe Recondo e Luiz Weber, Os onze: O STF, seus bastidores e suas crises. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

2https://portal.stf.jus.br/ostf/ministros/ministro.asp?periodo=STF&consulta=QUADRO_INDICS. Acesso: nov. 2023.

3Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

4A expressão Dia da Infâmia foi cunhada pela então Ministra Presidente Rosa Weber https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=514839&ori=1#:~:text=A%20presidente%20tamb%C3%A9m%20se%20lembrou,mem%C3%B3ria%20institucional%2C%20jamais%20se%20repita

5A batalha dos poderes: Da transição democrática ao mal-estar constitucional (1ª edição). Companhia das Letras: São Paulo, 2018, pp. 162 e 163.

6Matthew Taylor e Luciano da Ross, Os partidos dentro e fora do poder: a judicialização como resultado contingente da estratégia política, Dados, vol.51,nº 4, 2008.

7Catimba Constitucional: Do antijogo à crise democrática (1ª edição). Belo Horizonte: Arraes Editores.

8Diego Werneck Arguelhes. O supremo: entre o Direito e a política (1ª edição). Rio de Janeiro: História Real, 2023, p. 236.

9Art. 13, II, do RIST: São atribuições do Presidente: ii – representá-lo perante os demais poderes e autoridades.

10Importante avanço foi instituído no Regimento Interno do STF pela Emenda Regimental 58/2022, na Presidência da Ministra Rosa Weber, que em especial (i) determinou a submissão imediata ao colegiado (Turma ou Plenário) das medidas cautelares de qualquer natu-reza, deferidas monocraticamente pelo Relator (art. 21, IV e V, e §§ 5º, 6º, 7º e 8º); e (ii) fixou o prazo de 90 dias para a devolução dos pedidos de vista; não o devolvendo o vistor naquele prazo, os autos ficam imediatamente liberados para a continuidade do julgamento (art. 134, §5º).

11Sobre a distribuição desigual do acesso ao STF, ver Juliana Cesário Alvim Gomes (2020), Cancelas Invisíveis: “embargos auriculares”, legitimidade ativa e permeabilidade social seletiva do Supremo Tribunal Federal.   REI- Revista de Estudos Institucionais, v.6, n.1, pp.55-82, 2020. Disponível em: https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/460. Acesso em: nov. 2023.

12Miguel Gualano de Godoy, STF e processo constitucional: Caminhos possíveis entre a ministocracia e o Plenário mudo. Belo Horizonte: Arraes, 2021.

13Ética da magistratura [livro eletrônico]: comentários ao Código de Ética da Magistratura Nacional.  São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, RB-6.1 e RB 12.1.

14O acervo atual é de 24.234 processos e foram proferidas, no ano de 2023, 91.052 decisões pelos ministros do STF: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/corte_aberta/corte_aberta.html. Acesso em: nov. 2023.

15O STF conta com um Centro de Coordenação e Apoio às Demandas Estruturais e Litígios Complexos (CADEC), vinculado à Presidên-cia, voltado a auxiliar a resolução das demandas estruturais e dos litígios complexos da sua competência (Resolução nº 790/20202). 

Mateus de Freitas Cavalcanti Costa
Juiz Federal. Mestre em Direito. Foi Juiz Instrutor na Vice-Presidência do STJ (2018 a 2020), Juiz Auxiliar, Juiz Instrutor no STF (2014 a 2018; 2020 a 2022) e Juiz Auxiliar na Presidência do STF (2022 a 2023).

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