Migalhas de Peso

Assopra e morde

Os EUA valorizam o empreendedorismo, mas também são conhecidos por sancionar prontamente os erros corporativos, destacando-se pela adesão rigorosa às regras regulatórias, como evidenciado pela nova política "Safe Harbor" do Departamento de Justiça para fusões e aquisições, que busca fornecer segurança jurídica às empresas revelando irregularidades nas transações.

21/11/2023

Se por um lado os EUA são mundialmente conhecidos como país que estimula os negócios, respeitando a liberdade de iniciativa e, assim, valorizando o empreendedorismo de suas companhias e concidadãos, por outro é, igualmente, o país que mais aguerridamente sanciona os malfeitos corporativos.

De viés desenvolvimentista, sua iniciativa privada tem exata noção das “regras do jogo”, primando os EUA, como nenhum outro, pelo respeito e observância aos marcos regulatórios setoriais.

Nesse viés de morde e assopra - ou assopra (estimula) e morde (sanciona), a depender da perspectiva -, o seu rigoroso Departamento de Justiça (que, no organograma yankee, é análogo, no âmbito federal, ao nosso Ministério de Justiça) editou dias atrás uma nova política de segurança para fusões e aquisições (M&A’s), de codinome “Safe Harbor”, que confere mais segurança jurídica às companhias adquirentes ao divulgarem irregularidades detectadas nas respectivas aquisições societárias.

O foco do novo pacote de medidas é uma melhor delimitação da responsabilidade sucessória por irregularidades perpetradas em momento antecedente à solenização da aquisição societária. É que, nos termos da novel regulamentação, as companhias que reportarem quaisquer irregularidades no interregno de - até - seis meses da conclusão da compra acionária poderão ser beneficiados com o “declination”, que, em termos práticos, equivale a serem eximidas do sancionamento legal/regulatório.

Para obter o tal “declination”, entretanto, as companhias têm que atender a alguns pressupostos, a exemplo de empreender “due diligence” prévia ou imediatamente após a aquisição; realizar a autodenúncia no prazo de seis meses desta última; cooperar efetivamente com os órgãos regulatórios/sancionadores; restituir os lucros obtidos do ilícito e sanar completamente as irregularidades em até um ano do fechamento do negócio.

É, pois, um grande incentivo a companhias que, detendo programa de compliance efetivo, almejem adquirir outras com histórico de desconformidades.

E o que dita previsão tem a ver com as companhias de berço nacional? Nesse mister, é importante ter em foco a transnacionalidade dos efeitos da lei de Prevenção à Prática de Corrupção no Exterior, conhecida mundo afora pela sua sigla “FCPA” (“Foreign Corrupt Practices Act”), diploma norte-americano que colhe pessoas jurídicas - ou naturais, independente da respectiva cidadania - envolvidas em ilícitos praticados para além do território dos EUA em si (à semelhança daqueles que tenham sido objeto de reuniões e/ou tratativas lá, ainda que consumados no exterior, ou cujo produto tenha sido aplicado ou transitado em instituições financeiras norte-americanas - figurões de berço brasileiro do football mundial já se viram enquadrados na mesma, para ficar apenas num exemplo). E, nessa perspectiva, qualquer folheada no The Wall Street Journal - ou Harvard Law Review - mostrará que os americanos não são tímidos na aplicação e subsunção ao “FCPA”.

No ordenamento brasileiro - ainda - não consta previsão de “declination”, eximindo a corporação do respectivo sancionamento, em que pese exista do acordo de leniência, à luz do art. 16 da lei Anticorrupção (lei Federal 12.846, de 1.8.13), que dispõe acerca da responsabilidade objetiva, civil e administrativa, de pessoas jurídicas - nacionais ou estrangeiras - com sede, filial ou representação no Brasil, pela prática de atos em desfavor da administração estatal, seja brasileira ou não.

O art. 4º do diploma verde-amarelo, a seu turno, estatui que a responsabilidade decorrente dele se mantém hígida mesmo em casos de alteração contratual, ou ainda de transformação, incorporação, fusão ou cisão societárias, a recomendar a realização acurada de “due diligences” contemporâneas à “virada de chave” do negócio e, assim, viabilizar que, em sendo detectadas internamente desconformidades sancionáveis legalmente, possam as empresas que emerjam de tais operações societárias se valer da previsão do parágrafo 1º, inciso I, do mencionado art. 16 (que exige que a empresa seja a primeira a noticiar o fato junto à administração estatal, em espírito cooperativo), assegurando a respectiva elegibilidade ao acordo de leniência.

Para além disso, como consequência de um mundo cada vez mais interconectado, quando essas operações - por empresas brasileiras - envolvam ativos de companhias norte-americanas, independente desses figurarem como adquirentes ou adquiridos, a qualquer título, as empresas nacionais atentem para os ditames e timing igualmente do “Safe Harbor”, colhendo-os no que têm de favorável à validação das operações de boa-fé. Pois, dita a experiência, a globalização funciona em “via de mão dupla”

E bons negócios!!

Erik Limongi Sial
Advogado, sócio fundador do Limongi Advocacia.

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