O termo holding, que na tradução mais adequada do inglês significa deter a propriedade ou controlar, é usada para identificar uma forma de estrutura patrimonial.
Na estrutura de propriedade convencional, a pessoa física detém diretamente a propriedade bens móveis, imóveis e participações em empresas. Na estrutura de holding ocorre uma mudança. Esta pessoa, ou grupo de pessoas, constituirão uma nova empresa com o objeto social de deter a participação e controle de outras empresas, chamada de holding pura. Adicionalmente, podem ser acrescentados outros objetos como a locação de imóveis e aplicações financeiras, notadamente para a geração de renda passiva, chamada de holding mista.
Após, transfere-se a propriedade de bens escolhidos para a empresa holding por meio da integralização do seu capital social. Estas pessoas passam a deter a propriedade direta apenas das cotas ou ações da empresa holding, e a propriedade indireta dos bens integralizados. As rendas passivas são a receita da holding, que as reverterá aos proprietários na forma de distribuição de lucros, sem incidência de impostos adicionais.
Nesta estrutura, todo negócio que tiver como objeto as cotas ou ações da empresa holding alienará conjuntamente os bens de sua propriedade, seja compra e venda, doação com ou sem reserva de usufruto, transmissão sucessória (partilha) etc.
Estes processos de constituição, integralização e transmissão da empresa holding se popularizaram muito nos últimos anos devido a suas vantagens, especialmente a simplificação do processo sucessório e a redução de impostos.
As possibilidades desta estrutura patrimonial abriram um imenso campo de atuação profissional para advogados e contadores no que tange a planejamento patrimonial de famílias, que tende a se tornar cada vez mais empregada.
O que ainda poucos sabem é que os recursos disponíveis pela legislação brasileira são alguns dos que estão disponíveis em legislações mais sofisticadas quando o assunto é holding. Talvez porque até agora poucos advogados brasileiros dedicados ao tema tenham estabelecido residência em um país deste tipo, compreendido a fundo ambas as legislações, e as divulgado no Brasil.
E é exatamente este o nosso caso. Residentes e com escritório em Punta del Leste no Uruguai, oferecemos o elo entre a legislação do Uruguai e patrimônios brasileiros por meio de estruturas de holding e trust.
O Uruguai é um país de recursos completos e sofisticados para holdings, em igualdade às legislações mais desenvolvidas do mundo. E não é por acaso.
No final do século passado, o Uruguai, que faz divisa com o Brasil ao sul, tinha uma população de apenas 3 milhões de habitantes. Com isso, não via outra forma de atrair investimentos estrangeiros que não fosse pela área financeira. Assim, aprimorou a sua legislação e instrumentos para concorrer com outros países que ofereciam tributação favorecida para capital estrangeiro, tornando-se também um, chamado, paraíso fiscal. Por décadas foi um porto seguro para grande volume de capital vindo de fora. Em 2011, sua economia e capacidade exportadora mais desenvolvidas tornaram vantajoso igualar as práticas tributárias e de transparência com o resto do mundo desenvolvido, deixando assim de ser um paraíso fiscal.
Porém, o legado do bom tratamento e garantias oferecidas a quem deseja abrir uma empresa no país continuam até hoje. O Uruguai se destaca pela estabilidade política e econômica, alto nível de educação, estando entre os 10 países do mundo com melhor percepção de ausência de corrupção (4º), direitos fundamentais (8º) e justiça civil (9º)1.
Da mesma forma que o Brasil, o Uruguai adota o direito civil romano e a maioria de seus institutos legais são equivalentes, com distinções pontuais, tornando mais fácil a sua compreensão. Fala-se o espanhol, que é muito próximo ao português, podendo ser atendido em português em muitos estabelecimentos.
Feita esta introdução, passamos a comparar os recursos de uma empresa holding com sede no Uruguai para proprietários e patrimônios localizados no Brasil, de forma sucinta e sem o objetivo de aprofundar o tema.
JURISDIÇÃO: considerando que a holding com sede no Uruguai terá todo seu patrimônio em solo brasileiro, apenas sua personalidade jurídica, representação, registros legais incluindo a contabilidade e a negociação de suas cotas/ações estarão sob a jurisdição da lei Uruguaia. Os seus bens, incluindo empresas controladas e recursos financeiros, estarão sob a jurisdição brasileira porque, afinal, estarão no Brasil.
ADMINISTRAÇÃO: será realizada pelo próprio proprietário da holding ou alguém por ele designado no estatuto ou ata de nomeação. Em países de economia aberta, com o Brasil e Uruguai, não há distinção entre empresa com sede no país ou no exterior quanto ao exercício de direitos. Uma vez que o administrador cadastre o estatuto social e documento de nomeação do administrador da holding na Receita Federal, Junta Comercial e Banco Central no Brasil, esta receberá um CNPJ próprio e poderá realizar todos os seus atos e negócios no Brasil. Estes atos incluem integralizar e desintegralizar bens, celebrar contratos, manter conta corrente, realizar movimentações financeiras e aplicações, representar em juízo etc, tudo no Brasil.
Para cumprir a burocracia necessária será constituído um representante legal residente no Uruguai, por ata ou procuração, que manterá em dia todos registros, termos, contabilidade e demais formalidades necessárias a manutenção da holding no Uruguai.
FORMATO LIMITADA - LTDA OU SOCIEDADE ANÔNIMA - SA: as holdings no Brasil normalmente são do tipo LTDA, em razão do custo e complexidade das S.A.. No Uruguai as holdings são do tipo S.A., possuindo uma legislação simplificada que torna seu custo próximo a de uma LTDA no Brasil. Além disso, protege o sigilo e privacidade dos sócios, que pode ser considerado uma forma adicional de proteção patrimonial dos sócios.
PROTEÇÃO PATRIMONIAL: as holdings no Brasil não oferecem efetiva proteção patrimonial contra a desconsideração da personalidade jurídica de suas empresas controladas, e em pouco ou nada acrescentam em comparação a não existir uma empresa holding. Os mesmos fundamentos que acarretam a desconsideração da empresa controlada vão acarretar a desconsideração da holding e o direcionamento da cobrança para os bens particulares dos sócios.
A tendência dos países desenvolvidos é garantir a proteção aos bens particulares dos sócios contra dívidas de suas empresas. Prova disso é que a ONU, por meio do seu Comitê de Desenvolvimento do Direito Mercantil, recomenda aos governos de todo o mundo que os sócios e seus bens particulares não devem responder por dívidas da empresa pelo simples fato de serem sócios dela2. Segundo a ONU, esta garantia é vital para conferir confiança ao empresário para a inovação e desenvolvimento econômico, que, em última instância, reduzirá a pobreza no mundo.
O Uruguai adota esta recomendação. As empresas do tipo S.A. uruguaias, como as holdings, somente terão a desconsideração da personalidade jurídica no caso de crime ou fraude. É garantido por lei que os demais tipos de dívidas que causam a desconsideração no Brasil, tais como trabalhistas, tributárias, do consumidor etc, não causarão a desconsideração no Uruguai. Por isso, mesmo que solicitada para a justiça uruguaia a homologação de sentença brasileira determinando a desconsideração da personalidade jurídica da holding, esta será mantida. Com isso se protegera a identidade dos sócios e impedira o direcionamento da execução para os seus bens particulares.
Esta é, sem dúvida, uma das maiores vantagens de uma holding com sede no Uruguai, que não está disponível na legislação brasileira.
DOAÇÃO: toda doação é tributada uma única vez a taxa de 2,4% no Uruguai, significantemente inferior ao ITCMD que pode chegar a 8% no Brasil. Conforme decisão do STF, não incide imposto de renda sobre doações e heranças recebida no exterior3.
HERANÇA E SUCESSÃO: tem alíquota zero as heranças de ações de empresas transmitidas no Uruguai, como no caso da holding. Da mesma forma que no Brasil, é necessário um procedimento judicial para a partilha, que pode ser substituído pelo contrato de Trust;
TRUST: o Uruguai possui um instituto equivalente ao ‘trust’ anglo-saxão, que é constituído por meio de um contrato registrado publicamente para fins de transparência e controle. Se opera da seguinte forma: um instituidor, proprietário dos bens ou participações em empresas, contrata um administrador e por meio do contrato lhe outorga a propriedade fiduciária de bens até a ocorrência de um fato previsto, como a sua morte, a maioridade dos filhos etc. Até lá, os bens continuam na posse e uso do instituidor. Quando ocorrer este evento, o administrador adquire a propriedade resolúvel dos bens e seguirá as instruções do contrato, transmitindo-a para os beneficiários nomeados e encerrando o contrato.
Pode ser irrevogável ou revogável, caso que a propriedade plena poderá voltar para o instituidor, ou serem por ele modificados os termos a qualquer tempo.
Importante destacar que os órgãos públicos de registro somente procederão as transferências patrimoniais se elas estiverem claramente determinadas pelo instituidor no contrato, como forma de controle da atuação do administrador. O contrato também pode nomear alguém que será responsável por esta fiscalização. Nestes casos, mesmo por sucessão, a transmissão pelo contrato de ‘Trust’ será considerada uma doação e tributará 2,4%.
Importante considerar que, tanto na doação como na herança, a base de cálculo é o valor nominal das ações, equivalente ao valor patrimonial ou de custo dos bens que compõe o patrimônio da holding, normalmente bastante inferiores aos seus valores de mercado que costumam ser a base, no Brasil, para o ITCMD.
ASPECTOS CONTÁBEIS: estando o ativo da holding localizado no Brasil, a lei uruguaia dispensa formalidades especiais de contabilização. Por isso a contabilidade e os demonstrativos podem ser feitos seguindo os princípios contábeis adotados pelo Brasil, o que facilita o seu entendimento e os deixa prontos para serem apresentados no Brasil quando necessário. Outro aspecto relevante é a liberdade de aumento redução de capital social, à medida que se integralize ou desintegralize bens, o que no Brasil costuma requerer formalidades especiais.
ASPECTOS FINANCEIROS: mesmo com sede no Uruguai, a holding pode ter toda a sua movimentação financeira no Brasil, e suas contas corrente e de investimentos em bancos brasileiros serão movimentadas pelo seu administrador ou quem este designar.
TRIBUTAÇÃO: o Uruguai não tributa renda de fontes estrangeiras, nem no recebimento, nem em sua distribuição. O Brasil tributa todas as rendas geradas no país, como as da locação dos imóveis da holding, enquanto isenta a distribuição de lucros, como é o caso do lucro das empresas controladas distribuídas para a Holding. Em razão da renda que a holding no Uruguai for distribuir para os proprietários residentes no Brasil já foi tributada ou isentada anteriormente, quando recebidas pela holding, não haverá nova tributação. Assim, não haverá nenhuma tributação adicional pelo fato da holding ter sede no Uruguai.
CUSTOS: O custo de constituição e manutenção de uma Sociedade Anônima de objeto de holding com sede no Uruguai costumam ser inferior a uma Sociedade Anônima no Brasil, aproximando-se mais ao de uma empresa LTDA, visto a simplificação proporcionada pela legislação do Uruguai. Ao mesmo tempo, quanto maiores os movimentos da holding e maiores as intervenções necessárias do representante legal no Uruguai maiores serão os custos. São exemplos destes movimentos a manutenção de um ‘Trust’, integralizações e desintegralizações de capital com as respectivas emissões ou resgate de ações, assembleias gerais, balancetes intermediários, registros públicos etc.
Além destes recursos, existem outros mais sofisticados que podem atender necessidades específicas de alguns proprietários de holding, entre eles:
DIFERENTES CLASSES E TIPOS DE AÇÕES: da mesma forma que no Brasil as ações podem ser do tipo ordinárias e preferenciais de diversas classes, com variação do poder de voto e da distribuição de dividendos, dispensando disposições do acordo de acionistas neste sentido, se for o caso. Isso não está disponível em uma holding do tipo LTDA no Brasil.
AÇÕES AO PORTADOR: o Uruguai é um dos poucos países em que as ações da holding podem ser do tipo ao portador. A maior vantagem é a agilidade na transferência das ações, que é feita pela simples transmissão física do certificado de ações, sem necessidade de registros. Quando o novo proprietário apresenta o certificado de ações para o responsável designado na empresa holding ele passa deter o status de acionista dela.
Como conclusão, os institutos relacionados à empresa holding com sede no Uruguai são mais desenvolvidos e de alcance mais amplos quando comparados aos do Brasil, a custos comparativamente acessíveis. Ênfase se dá a proteção patrimonial dos bens particulares dos sócios, aos custos reduzidos da transmissão sucessória e por doação, e a versatilidade oferecida pelo instituto equivalente ao ‘trust’, inclusive em substituição ao processo sucessório judicial ou extrajudicial. Fato positivo é que estes recursos estão disponíveis para brasileiros que estabelecem uma holding com sede no Uruguai para a finalidade deter bens e participações em empresas e a propriedade de bens no Brasil.
1 Fonte: Rule of Law – World Justice Project. Disponível em: https://worldjusticeproject.org/rule-of-law-index/
2 ONU. Guía legislativa de la CNUDMI sobre las empresas de responsabilidad limitada (2021). Recomendação 4. Disponível em: https://uncitral.un.org/es/lglle
3 STF. Notícia: STF invalida leis de Alagoas e São Paulo sobre doações e heranças no exterior. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=497350&ori=1