Migalhas de Peso

Jornalismo e big techs: o confronto ganha debate no campo tributário

O Conselho de Comunicação Social do Senado Federal discutiu a sustentabilidade da comunicação no Brasil, considerando a possibilidade de criar um ecossistema público de financiamento do jornalismo profissional através da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico paga pelas plataformas digitais, conforme sugerido pela FIJ e Fenaj, com foco na taxação das big techs para financiar produtores de conteúdo jornalístico.

16/11/2023

Há a possibilidade de criação da Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico - CIDE para o Jornalismo?

Na última segunda-feira (06/11), o Conselho de Comunicação Social – CCS do Senado Federal realizou uma audiência pública com o intuito de discutir a sustentabilidade da comunicação social no Brasil. O debate da reunião concentrou-se na análise da necessidade de criar um ecossistema público de financiamento do jornalismo profissional, custeado pelo CIDE, a ser paga pelas plataformas digitais.

Na oportunidade, uma das sugestões suscitadas pela Federação Internacional de Jornalistas - FIJ e pela Federação Nacional dos Jornalistas - Fenaj, seria a taxação das big techs com a destinação dos recursos recolhidos para os produtores de conteúdo jornalístico. Nesse cenário, seria criada uma CIDE.

O referido tributo foi criado com o objetivo de financiar atividades relacionadas a setores específicos da economia e promover o desenvolvimento econômico do país. Possui natureza predominantemente extrafiscal, de arrecadação vinculada, do tipo contribuição especial e de competência exclusiva da União, conforme preceitua o art. 149 da Constituição Federal1, o qual autoriza sua instituição como instrumento de atuação da União em suas respectivas áreas.

Os requisitos necessários para a instituição, incidência e validade da CIDE são frequentemente estudados pela doutrina e jurisprudência2. Dentre eles, destacam-se os seguintes3: (a) necessidade de intervenção estatal em um setor econômico com o objetivo de corrigir algum desequilíbrio; (b) referibilidade ou relação entre o contribuinte e o propósito de intervenção; e (c) a destinação dos recursos para a finalidade constitucionalmente prevista4.

Nesse contexto, a mencionada contribuição é baseada na identificação do contribuinte, que deve possuir uma conexão direta ou indireta com a causa que motivou a intervenção estatal, e na determinação da destinação dos tributos coletados, que deve estar relacionada à proteção do bem constitucional preservado. A despeito disto, o Professor Luís Eduardo Schoueri esclarece que a “atuação intervencionista dá-se no domínio econômico. Assim ‘domínio econômico’ é uma área alheia à esfera pública, já que se o Estado agisse na esfera pública, não ocorreria o fenômeno da intervenção. Domínio econômico não se confunde com ordem econômica5.

Dentro dessa perspectiva, nesse primeiro momento de diálogo institucional, dentre outras questões, é notória a existência de uma considerável dificuldade em se reconhecer a efetiva necessidade de uma intervenção estatal, em razão de desequilíbrio, no âmbito jornalístico. Explicamos.

A comunicação social tem chamado muita atenção nos últimos anos em razão dos impactos das redes sociais nesse mercado, o que inclui tanto as consequências econômicas, pela queda na demanda por produtos e serviços jornalísticos profissionais, quanto sociais, pela ascensão da disseminação e da desinformação no país.      

Com isso, nota-se que o presente debate não se restringe ao Brasil, oportunidade em que se percebe um debate mundial, a exemplo da Austrália, Canadá, EUA e UE, sobre a necessidade de intervenção estatal pela regulamentação de uma remuneração obrigatória das mídias digitais ao jornalismo profissional.

Segundo os defensores da instituição da contribuição, dentre eles o grupo de acadêmicos redatores do "Big Tech e Jornalismo: Princípios para uma Remuneração Justa", cujo objetivo do texto é fornecer diretrizes para tal regulação remuneratória, pondera-se que o jornalismo profissional se enquadra como uma questão de ordem pública, tida como indissociável do direito à informação das pessoas.

Assim, justifica-se que, com o advento do mercado digital, não apenas o setor econômico do jornalismo profissional sofre um considerável déficit financeiro e de investimentos, mas também há um impacto social causado pelo aumento na disseminação de Fake News devido à entrada das big techs no mercado de informações.

Logo, do ponto de vista jurídico, além da análise acerca da necessidade de intervenção estatal no âmbito jornalístico a fim de corrigir uma distorção, a constitucionalidade da instituição de tal medida pauta-se, ainda, no reconhecimento do jornalismo profissional como um interesse constitucionalmente tutelado, diretamente atrelado ao direito de acesso à informação e na construção da referibilidade, ainda que indireta, mas não frágil, entre as plataformas digitais e as mídias jornalísticas.

Destaca-se que pelo presente texto não se colocam dúvidas sobre o impacto das novas tecnologias no acesso à informação, em que, com o uso das plataformas digitais, houve uma mudança considerável no mercado de comunicação, pelo qual os usuários abandonaram os métodos tradicionais de jornalismos e passaram a ter como fonte principal de informação redes sociais e outras plataformas digitais.

Nesse sentido, nota-se que a questão tangencia um debate profundo sobre o vínculo, a importância e as balizas básicas do que é considerado jornalismo profissional dentro de uma democracia. Se há um preceito constitucional a ser defendido, vez que a Constituição prima pelo direito à livre manifestação do pensamento, sem restringi-lo a determinados indivíduos.

Oportunidade, onde se recorda que, no julgamento do STF sobre a desnecessidade do diploma para exercício da função jornalismo (RE n. 511.961/SP), o Relator, Min. Gilmar Mendes, delineou que não é o diploma que obsta o problema ético de notícias inverídicas. Por isso, como atrelar a desinformação como uma questão exclusiva das mídias digitais, quando o desvio de conduta é suscetível a ambos os campos, o que os diferencia é maior alcance e a facilidade na disseminação de fake news dentro de um ambiente digital.

E, relativamente à citada dificuldade em se implementar uma nova contribuição no contexto atual, é de se rememorar que diversos contribuintes esperam que o desfecho da repercussão geral do RE n. 928.942/SP (Tema 914), em julgamento no STF, ponha fim à inconstitucionalidade da cobrança da CIDE sobre remessas ao exterior, a qual, a pretexto de estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico, teve seu âmbito material de incidência ampliado para alcançar as remessas ao exterior por qualquer contrato que envolva conhecimentos técnicos, ainda que não compreendam a transferência de tecnologia.

Tal incidência ocasionou o agravamento de muitas operações pela tributação da contribuição, sem que isso tenha trazido qualquer vantagem relevante para a inovação ou a produção de tecnologia nacional, diferentemente do que fora estabelecido quando da sua instituição.

Desse modo, reitera-se a necessidade de maior delineamento na caracterização de uma distorção econômica que seja tutelada por um interesse constitucional, sendo essa solução resolvida por uma solução regulatória do campo tributário. Posto isto, não se denota que há um liame subjetivo direto e necessário entre a providência tributária e o combate à desinformação, que pode ser realizado por outros métodos regulatórios até mais eficientes.

Assim, o que se percebe é que a medida se volta à valorização de uma classe profissional que possui um papel importante na construção de um Estado Democrático de Direito, em que outros países já assentaram a necessidade de estabelecer um vínculo remuneratório entre as big techs e o campo jornalístico. Contudo, nota-se que as normas comparadas não adentram o campo tributário, o qual, pela legislação, doutrina e jurisprudência, encontra determinados obstáculos a serem enfrentados.

Uma intervenção de caráter público em um setor privado, ainda em fase de adaptação diante de um novo paradigma de mercado, é delicada e não pode ser justificada exclusivamente em um discurso genérico. Nesse sentido, por exemplo, a própria destinação do tributo torna-se uma tarefa complexa, o que remete à definição do que é o jornalismo que se busca proteger no Brasil, o que não pode voltar-se a promover ou manter os grandes conglomerados midiáticos.

Por tudo o exposto, denota-se que é válida a preocupação legislativa com a valorização do jornalismo e a busca por mecanismos que promovam este alicerce para a manutenção da democracia e para o exercício da cidadania. Entretanto, coloca-se como delicada a pauta sobre a regulamentação e a remuneração do conteúdo jornalístico pelas plataformas digitais por meio da instituição de um CIDE, em razão da natureza jurídica da citada espécie tributária.

--------------------------------

1 “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”.

2 Cita-se, exemplificativamente:

“Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Contribuição ao INCRA incidente sobre a folha de salários. Recepção pela CF/88. Natureza jurídica. Contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Referibilidade. Relação indireta. Possibilidade. (...) 5. É constitucional, assim, a CIDE destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive, após o advento da EC nº 33/01. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. 7. Tese fixada para o Tema nº 495: “É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao INCRA devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001”. (RE 630898, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08-04-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-089  DIVULG 10-05-2021  PUBLIC 11-05-2021)

3 LARA, Daniela Silveira. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE): Pressupostos Aplicados à CIDE dos Serviços de Telecomunicações. Grupo Almedina, 2020.

4 Inclusive, por esse motivo, no julgamento da ADI n. 2.925/DF o C. Plenário do STF definiu inconstitucional todo uso das CIDE que não reflitam anseios constitucionais, mesmo por conta orçamentária de mero contingenciamento (BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Relatora Ministra Ellen Gracie, Redator do Acórdão Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 19/12/2003, DJe 04/03/2005).

5 SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas considerações sobre a contribuição de intervenção no domínio econômico no sistema constitucional brasileiro. A contribuição ao Programa Universidade-Empresa. Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins, 2001.

Walter Maia
Sócio do escritório Malta Advogados; Mestrando em Direito pela UFMG; Pós-Graduado em Direito Público pelo UniCEUB; Graduado em Direito pelo UniCEUB; e Graduado em Administração pela UnB.

Rebeca Azevedo
Mestranda em Direito Constitucional Acadêmico no IDP. Possui graduação em Direito (2018) e Pós-Graduação em Prática Processual (2022), ambos pelo UniCEUB.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024