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A responsabilidade civil das concessionárias de serviço público em decorrência da falta de fornecimento de energia elétrica e a teoria do “faute du service”

As intensas chuvas em São Paulo deixaram milhares de residências sem energia elétrica por quase uma semana, afetando aproximadamente 3 milhões de domicílios. A queda de árvores danificou a fiação aérea e, em alguns casos, derrubou postes de iluminação.

11/11/2023

As fortes chuvas que assolaram a capital paulista fizeram com que milhares de residências, condominiais ou não, ficassem sem energia elétrica, em alguns casos, por quase uma semana.

Calcula-se que aproximadamente 3 milhões de domicílios teriam sido impactados de forma a permanecer sem luz em razão das fortes intempéries que, por seu turno, causaram a queda de centenas de árvores, atingindo a fiação aérea e, em alguns casos, derrubando até mesmo postes de iluminação. 

Sabe-se que a responsabilidade civil das empresas fornecedoras de energia elétrica é objetiva, o que vale dizer que, caso venha a ocorrer interrupção inopinada e extensiva do fornecimento de energia, estaremos diante daquilo que a doutrina francesa denomina de teoria do “faute du service”.

A teoria da "faute du service" foi criada na jurisprudência do Conselho de Estado Francês, e o seu principal consectário é o de que, quando ocorre ausência da prestação do serviço público, particularmente o classificado como “essencial”, não há se falar na responsabilidade do agente público, mas sim, na responsabilidade do Estado, na hipótese em comento, das concessionárias de energia elétrica.

Isso porque a falta prolongada de energia impacta a rotina de milhares de famílias, importando, não raro, no advento de danos de ordem material, como é o caso da perda medicamentos ou de alimentos que necessitam de refrigeração ou da queima de aparelhos eletrônicos.

Há que se partir da premissa de que a relação jurídica que se estabelece entre os usuários do serviço público e as concessionárias de energia elétrica classifica-se como de ordem “consumerista”, o que vale dizer que, neste caso, há de ser aplicado o conjunto de normas e regras próprias e peculiares ao Direito do Consumidor.

Em razão desta constatação, consumidores que possam ter se deparado com prejuízos, possuem o direito subjetivo de postular indenização em razão dos danos causados pela falta de fornecimento de energia elétrica.

Trata-se de um direito elevado à categoria de fundamental, uma vez que a tutela do consumidor está preceituada no âmbito das garantias essenciais da pessoa humana, assim preceituada no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal, cláusula pétrea inserta no arcabouço normativo constitucional.

Não há se olvidar que a Resolução 1.000/21 da Agência Nacional de Energia Elétrica Aneel - Aneel tutela de forma específica as prerrogativas dos consumidores nas hipóteses de cessação do fornecimento de energia elétrica, uma vez demonstrados os prejuízos decorrentes de tal omissão.

Essa norma administrativa afirma que os consumidores possuem direito a um desconto na fatura, o qual deve ser concedido de forma automática no prazo máximo de até dois meses após a interrupção.

Mas há se ser frisado que compete à pessoa lesada demonstrar, mediante a apresentação de elementos de comprovação, o advento dos danos causados e o nexo de causalidade entre o prejuízo e a falta do serviço público essencial.

Ademais, para além dos danos materiais, a depender do caso em concreto, admite-se a possibilidade de se perquirir até mesmo dano moral, bem ainda eventuais lucros cessantes, eis que muitas pessoas tiveram suas rotinas profissionais fortemente impactadas, reduzindo o seu potencial de ganho, dependendo da atividade laboral exercida.

O primeiro passo para os que intentam obter ressarcimento, é contatar a concessionária de energia elétrica, apresentando elementos aptos a comprovar os danos causados com o apagão, valendo para esse fim a apresentação de imagens ou vídeos (de alimentos ou medicamentos estragados) ou de notas fiscais ou orçamentos de bens de consumo atingidos ou danificados.

A concessionária tem o prazo de até 90 dias para resolver a demanda de forma consensual. Caso a empresa se recuse a responder, o usuário poderá abrir um chamado junto à Aneel, que por sua vez, tem o poder disciplinar de aplicar multas de valores expressivos à concessionária recalcitrante.

Exauridas as tentativas de resolução pelas formas amigáveis de solução de conflitos, restará ao consumidor dirigir-se ao Poder Judiciário, onde poderá requerer reparação por danos de ordem material e moral.

Vander Andrade
Advogado. Especialista, Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário e de Pós-Graduação. Presidente da Associação Nacional de Síndicos Profissionais.

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