1. Na hora “h” o sucessor simplesmente disse não
Sim, você e os demais sócios discutiram muito o futuro do escritório e concluíram que José Carlos é a pessoa certa para assumir o comando da firma. Ele está na faixa de seus 40 anos, atua no escritório há dez, possui um mestrado em direito civil, bom trânsito com os clientes, é antenado em tecnologia e já demonstrou compartilhar os mesmos valores da banca.
Os sócios então marcam uma reunião com José Carlos para formalizar o convite e discutir o processo de transição de sócio de área para o comando principal do escritório. Aguardam um sorriso largo e um “muito obrigado” pelo reconhecimento. Só que não. José agradece, esboça um sorriso meio sem graça e, constrangido, diz que gostaria de poder se dedicar menos a questões administrativas e mais ao direito em si. Uma carreira mais técnica, talvez como parecerista ou até mesmo uma carreira pública.
Essa cena não é rara e traz à tona dois problemas. Primeiro, claro, que os sócios terão que pensar em nova alternativa de sucessão no escritório. Segundo, que a recusa de José estampou sua insatisfação com o trabalho, aspecto que os sócios principais terão que equacionar.
Um dos erros comuns nos processos de sucessão é fazê-lo é ficar na expectativa de uma única alternativa. O ideal para evitar problemas como esses do José é envolver os possíveis sucessores no planejamento estratégico ano a ano e, nesse trabalho, começar um processo de sondagem sobre os interesses de cada profissional.
Ainda nesse sentido, vale à pena transformar o grupo de formulação do planejamento estratégico em um comitê gestor do escritório. Assim, a futura transição de poder poderá ser realizada não para um potencial sucessor, mas para um colegiado, como dissemos em nosso artigo anterior. Os riscos de insucesso diminuem muito.
2. O fundador achou ótimo o plano de sucessão, só não larga o osso
Essa situação também é frequente. O fundador do escritório fez um discurso longo sobre a necessidade de outras pessoas assumirem a banca, construiu junto com os demais sócios um plano de sucessão e anunciou para todos na firma quem era o novo dirigente. No dia a dia, no entanto, poucas coisas mudaram.
O fundador continuou a tomar decisões sobre contratos com os clientes sem consultar seu sucessor, a dar ordens a coordenadores e advogados a despensas do novo gestor e, pior, a realizar movimentações financeiras substanciais na conta do escritório como se lidasse com sua conta particular.
O fato é que não é simples para alguém que dirigiu o escritório como sua propriedade particular por longos anos, mudar os hábitos de uma hora para outra e agir de modo corporativo. Cabe aos demais sócios da firma e, em especial, ao sucessor, criar acordos claros para essa transição e estabelecer regras que ajudem a mudança de comportamentos. É preciso cruzar o rio e quebrar a ponte.
Nesse sentido, é particularmente importante redefinir no acordo de sócios da firma quem tem poderes para tomar determinadas decisões, registrar juridicamente esse documento e impedir que decisões monocráticas sejam tomadas. Por exemplo, em um escritório cliente nosso, a partir do plano de sucessão, mudou se a regra de movimentação bancária, que passou a ser permitida apenas com a anuência de dois sócios, a depender do valor da transação.
3. O fundador tem agora uma posição menor no escritório, mas quer manter seus ganhos iguais ou até maiores que os antigos
Essa situação está conectada à anterior. Deixo-a mais explícita pela importância que possui. Todos nós nos acostumamos ao longo da vida a manter um padrão de vida pessoal em consonância com os ganhos que possuímos, e sabemos quão doloroso é adequar esse padrão a valores menores de remuneração. Para um sócio fundador não é diferente.
O essencial nesse caso é que os novos papéis de cada profissional (e, por consequência, seus novos ganhos) sejam discutidos exaustivamente na fase anterior à sucessão e modificados no acordo de sócios do escritório. Se isso não foi realizado anteriormente, deverá ser feito agora.
4. Meu pai me elegeu como sucessor. Mas é muito difícil lidar com ele
O conflito entre gerações tem sido uma das pautas principais na gestão de pessoas. Quando os confrontos são entre profissionais pertencentes à mesma família, eles ficam ainda mais difíceis. Essas desavenças podem comprometer o processo sucessório. Seja pela desistência do sucessor em assumir seu posto, pela manifestação declarada do fundador em não seguir com o processo ou, o que pode ser pior, pelo boicote velado: o fundador finge que passou o bastão, o sucessor acha que o recebeu, mas na prática todos sabem quem manda por ali.
As divergências podem acontecer por inúmeros motivos. Em um cliente nosso, quase todos os dias o fundador e seu filho brigavam pela gravata. O primeiro julgava que advogado tem que usar gravata do minuto que sai de casa até o momento que volta para ela. O segundo, por sua, vez...bem, esse julgava que o advogado nem sequer deveria sair de casa: idealmente trabalharia em home office e de camiseta.
Lidar com essas situações implica maturidade do sucessor e do sucedido, que deverá ser desenvolvida nos períodos anteriores à sucessão. Pai e filho selarão um contrato psicológico no qual o primeiro reconhece que seu filho não é mais criança e que passará tomar suas próprias decisões nos negócios. Esse, por sua vez, demonstrará ao pai estar ciente que cada decisão terá consequências. Logo, deverá tomá-las com responsabilidade.
Na prática, para costurar esse acordo pode ser muito importante a mediação de profissionais especializados e de confiança dos envolvidos. A transição pode ser feita com mais tranquilidade.
5. Quando anunciamos o plano de sucessão, os conflitos começaram
A escolha de um sucessor muitas vezes gera uma legião de pessoas insatisfeitas na firma. Isso pode acontecer porque, de fato, mais de uma profissional poderia ter sido escolhido ou porque o profissional selecionado não é, exatamente, alguém que agrade a maioria do colegiado da banca.
Algumas vezes essa situação é previsível e pode ter seus efeitos minimizados antes do anúncio da sucessão. Em outras, no entanto, o escritório é pego de surpresa, com resistências de profissionais que de algum modo acreditam que perderão o poder na estrutura ou que simplesmente não gostam do sucessor eleito.
Essa situação é particularmente crítica nos casos em que a transição de poder teve que ser feita de modo repentino, sem uma negociação mais tranquila com os envolvidos. Em ambos os casos o recomendável é se prever um processo de mediação entre o recém-empossado e as demais pessoas, aspecto que pode ser feito pela atual gestão.
6. A sucessão era para ser feita em 1 ano. Já dura 2...
Isso realmente aconteceu. Em um escritório que atuamos um sócio reclamava que havia sido designado como sucessor há mais de 8 anos, mas que o processo de transição de poder nunca se consolidara por completo. O ideal, claro, é que no plano de sucessão conste datas claras em que suas etapas serão realizadas e, em especial, a data que será concluída.
Normalmente, recomendamos que as etapas tenham um marco de finalização simbólico, de modo todos reconheçam que uma fase foi concluída e que o processo está caminhando como previsto. Por exemplo, a firma poderá fazer um evento com todas as pessoas no escritório para anunciar o processo sucessório, depois de 6 meses, poderá anunciar que o sucessor abandonou de fato sua área e promoveu seu antigo coordenador como gestor da área, e assim sucessivamente.
7. Tudo corria muito bem com o plano, mas fundador faleceu
Sim, nenhum de nós gosta de falar, mas as pessoas morrem. Isso pode implicar que, de uma hora para outra, alguém deverá assumir o leme do escritório e mantê-lo funcionando. Se a firma possui um bom plano de sucessão, é mais fácil fazer isso com o mínimo de turbulência, sem perda de clientes e mantendo a estabilidade para a equipe interna.
Especialmente nos casos em que os sócios possuem uma idade mais avançada, é importante discutir previamente essa situação. É uma previsão para gestão de crises, que poderia incluir aspectos como:
- quem assume a banca interinamente, ou de modo definitivo?
- como o fato deverá ser anunciado aos clientes e ao mercado em geral?
- como fica a distribuição de resultados, cotas e demais haveres da sociedade?
- Outros.
Em alguns escritórios, esses itens são previstos no acordo de sócios. Em muitos outros, no entanto, percebemos que esse tema é apenas colocado apenas como proforma, sem uma reflexão mais profunda do comitê gestor. Esse é um erro que sua firma deve evitar no processo de sucessão.
Recomendação final
Realizar o processo sucessório em seu escritório inclui sensibilizar as pessoas para o processo, preparar a firma para essa nova fase, ter um plano bem elaborado para sucessão e colocá-lo em prática com método e determinação. Não é uma tarefa simples, tanto pelo conhecimento técnico que esse trabalho exige, como pela necessidade de lidar com as relações interpessoais sempre afloradas entre os envolvidos.