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Contradições possíveis do mercado imobiliário - Aspectos econômicos, financeiros e jurídicos

No plano dos contratos, a serem assumidos pelas empresas, deverão ser identificados os que gerarem maior custo/benefício dentro de alternativas que poderão estar presentes.

26/10/2023

Tenho insistido em que os advogados empresariais devem estar sempre um passo à frente dos acontecimentos econômico/jurídicos, de forma a poderem atender os clientes não somente depois de crises, mas antes delas, lhes oferecendo caminhos mais seguros. E a “bola da vez” é o mercado imobiliário, em relação ao qual vemos presentemente sinais contraditórios, colocados nos planos negativo e positivo. Analisemos este assunto em breves considerações a partir de notícias recentes publicadas na melhor imprensa1.

Preliminarmente devemos observar – o que é bem sabido de forma geral – que esse mercado tem apresentado altíssimo nível de empregabilidade, criando vagas para profissionais qualificados em variados graus de especialidade como pedreiros, mestres de obras, carpinteiros, armadores, eletricistas e engenheiros. De acordo com as informações levantadas, a construção civil estaria em um período de alta, no qual tem havido falta daqueles profissionais, cuja reposição demanda certo tempo de aprendizado e de qualificação. Dentro desse quadro muitos trabalhadores que haviam sido demitidos durante a crise do setor de 15/16 estão sendo recontratados, mediante a devida requalificação.

O céu está azul no mercado imobiliário e a pergunta que se faz é se essa situação favorável é duradoura ou não e se não o for, por quanto tempo ela perdurará. Nos dias que correm um ambiente favorável agora presente pode ser transtornado do dia para a noite, como se tem observado nos cenários internacional e nacional, bastando olhar para os efeitos imediatos da guerra da Ucrânia e do famigerado ataque do Hamas em Israel. Ora, em uma análise empírica, observando o mercado paulistano, tomado como exemplo, e que parece representar uma situação nacional, ultimamente a sua força encontra-se em dois estremos, a construção de pequenas unidades com área de 20 m2; e de apartamentos de luxo, com áreas superiores a 300 m2, em quantidade muito menor, mas de valor individual extremamente expressivo, cujo preço pode passar facilmente de R$50 mil o metro quadrado.

As unidades de 20 m2 estão sendo oferecidas em São Paulo na faixa de R$300 mil (andares de baixo e nos fundos dos prédios), o que significa um preço muito elevado por metro quadrado, de R$15 mil, e tem se colocado como investimento por compradores situados fora do mercado de capitais, objetivando renda futura por meio do seu aluguel ou revenda. A quantidade do oferecimento desses imóveis tem se mostrado em nível altissimamente muito alto, havendo preocupação com a sustentabilidade desse mercado, que já se encontra em relativa queda. Duvida-se que haja investidores para tão grande quantidade desses imóveis por um período duradouro de tempo, fato do qual problemas serão gerados em cascata2.

No sentido acima, as vendas poderão cair de forma significativa e o estoque das unidades prontas – que já não é desprezível - aumentará sensivelmente no ativo das incorporadoras. Esse fator é agravado pela responsabilidade daquelas quanto aos valores de condomínio, IPTU e seguro incidentes sobre cada imóvel parado, cujo preço tende a cair progressivamente, em vista de novos lançamentos que se dão a cada dia. Enquanto isso acontece, por outro lado, a situação econômico-financeira daquelas empresas pode ficar negativamente afetada, dado que o seu passivo é representado em sua maior parte por dívidas bancárias com prazo certo de vencimento, vindo a ocorrer um possível e sério descasamento entre receita e despesa. Revela-se a possibilidade de um cenário futuro possivelmente muito perturbador.

Sabe-se que atravessamos uma crise de crédito – na baixa oferta e no custo muito alto para os tomadores, encarecendo o produto final inexoravelmente. Assim sendo, o financiamento das empresas de construção poderia ser feito alternativamente pela via do mercado de capitais, mediante o lançamento de novos valores mobiliários, mas para isso é necessário o atendimento de uma série de exigências extensas e complexas, cuja efetivação demanda um lapso de tempo que não atenderá as necessidades presentes reveladas urgentes.

Sobre a questão acima abordada tem-se notado, a propósito, a inversão da escolha dos investidores, que estava até pouco tempo se dirigindo para as operações de risco no mercado de capitais (por aplicações diretas na Bolsa ou por meio de fundos de investimento), em uma tendência que representava uma troca da renda fixa pela variável, segundo uma perspectiva de apetite por risco3. Esse era o caminho orientado em função da redução da Selic4 pelo Banco Central do Brasil, que teve início recentemente. Mas (tudo sempre tem um “mas”), estando presentes os fatores já acima mencionados, entre outros, como a guerra da Ucrânia que se prolonga por um longo tempo sem perspectiva de solução e, agora, a guerra em Israel que causaram um retorno ao cenário anterior em favor da renda fixa.

Paralelamente, está presente outro fator que leva à busca da renda fixa, localizado na resiliência da inflação nos Estados Unidos em países da Europa, cujos bancos centrais decidiram manter as taxas de juros em patamares elevados como forma, entre outros efeitos, da restrição ao consumo. Os títulos dos tesouros respectivos estão pagando bem, o que tira o incentivo de investidores institucionais de se arriscarem no mundo do mercado de capitais. E isso se reflete em aplicações de fundos de investimento do exterior no Brasil, com tendência de forte redução5.

Mas o mesmo mercado imobiliário apresenta uma alternativa favorável aos investimentos privados, como seja aquela relacionada aos gastos públicos inerentes ao fortalecimento da construção de moradias populares pelo engajamento em tal sentido dos governos federal, estadual e municipal, exercendo papel muito importante o programa  Minha Casa Minha Vida - MCMV. Afinal de contas, 2024 é ano eleitoral e cumpre agradar os eleitores. Tendo em conta, precisamente, o fato de que o crédito bancário está extremamente caro para as empresas e bastante restrito no montante disponível e de prazo curto, diversas empresas do ramo se voltaram para o mercado de capitais, preparando-se para o ingresso na Bolsa de Valores mediante a necessária e prévia autorização pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM.

Anote-se, segundo as fontes aqui citadas, que já existiam vinte e oito companhias no campo da construção listadas na Bolsa, as quais lançaram novos valores mobiliários em operações conhecidas como follow-on, de natureza secundária em relação ao lançamento inicial (IPO – Initial Public Offer). Mas companhias novas estão se estruturando para o ingresso no mercado de capitais, dando-se destaque a operações ligadas ao MCMV. Os ventos favoráveis em tal sentido partiram do Governo Central, a partir do aumento dos subsídios, da redução de juros, da ampliação do prazo dos financiamentos, entre outras medidas voltadas para aquele programa. E nesse cenário o programa “Desenrola Brasil” pode dar a sua contribuição importante para resgatar futuros adquirentes do moradias no âmbito do MDMV.

A propósito, não devemos nos esquecer de que a sofrida classe média está em grande parte fora dessa equação de financiamento imobiliário, espremida em dívidas e com a renda reduzida como o resultado de diversos fatores. Ela geralmente não tem uma poupança para usar como entrada nos financiamentos e nem condições de arcar com as prestações, ao lado das despesas regulares dos imóveis que pudessem ser adquiridos.

A sustentabilidade econômica e financeira das empresas construtoras no mercado de capitais depende de que os fundamentos econômicos e financeiros se mantenham ao longo do tempo, com a melhora da renda das famílias, o que lhes permitirá assumir os financiamentos imobiliários, garantidos pela manutenção dos seus empregos, a lhes proporcionar a capacidade de honrarem as suas obrigações.

Aspectos jurídicos – o papel do operador jurídico-empresarial

1. Cenário negativo

Nesse cenário os operadores do direito dessa área deverão orientar e apoiar os seus clientes tanto preventivamente, como diante de crises que se estabeleçam, a demandar o papel do contencioso.

No primeiro caso devem ser analisadas as opções de renegociação de contratos, de mediação e de recuperação extrajudicial, essa no caso de agravamento dos problemas enfrentados pelas empresas. No segundo caso devem ser buscadas as defesas judiciais pertinentes com o máximo de eficácia que se possa alcançar, especialmente a minimização de perdas, abrindo-se a porta para a recuperação judicial em favor de empresas que possam apresentar um plano dotado de viabilidade econômica e financeira.

Não pode ser olvidada a questão tributária, diante da pretendida reforma ora em curso, que pode se revelar uma “caixa de Pandora”, da qual saiam vorazes os impostos antigos mais fortalecidos e os novos, cujos efeitos no bolso do contribuinte não podem ser analisados no momento, mas que têm gerado a preocupação de que o resultado final será o de se enfiar mais a fundo a mão no bolso, a fim de atender a fúria derramada dos governantes na busca de recursos para o atendimento de seus interesses, nem sempre idênticos aos da sociedade. A luta a ser enfrentada é procurar influir na construção de uma reforma racional e eficiente, que poucos acreditam ser possível.

2. Cenário positivo

A orientação do corpo jurídico deverá estar voltada para ganhos de eficiência e para a busca de financiamento sustentável, dando-se preferência, se for possível, ao mercado de capitais, objetivando o lançamento de valores mobiliários que, exceto as debêntures – a serem emitidas de longo prazo – não apresentam uma conta certa a ser paga em vencimento determinado, os quais serão pagos quando da apuração de lucros no balanço e distribuídos na forma prevista em lei.

Novos projetos para o mercado de capitais, para alcançarem maior sucesso, devem encampar os pilares do ESG (economics, social e governance) que têm representado um forte apelo para os investidores, especialmente os institucionais. A moda no momento para as empresas é se apresentarem politicamente corretas nesse campo, principalmente no atendimento à onda verde que se espalha mundo afora.

No plano dos contratos, a serem assumidos pelas empresas, deverão ser identificados os que gerarem maior custo/benefício dentro de alternativas que poderão estar presentes.

Em conclusão, muito ainda haveria de se falar sobre as questões aqui discutidas e a solução estará em utilizar os bons ventos e procurar fugir dos maus.

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1 Vide, entre outras, “Construção Civil Vive ‘Apagão’ de Mão de Obra”, e “Alta na Venda de Imóveis Populares Leva Incorporadoras a Buscar IPO”, ambas encontradas no Jornal “O Estado de São Paulo, respectivamente dos dias 23 e 24 deste mês.

2 Sem considerar que a moda dos 20m2 pode ser revertida segundo uma possível mudança da base social.

3 Expressão do mercado que significa aceitar a troca do certo (juros) pelo duvidoso (dividendos).

4 A taxa básica oficial de juros.

5 Um elemento à parte (não aqui desenvolvido), que integra o problema é o chamado “ativismo do Judiciário” no campo empresarial, fonte redutora dos elementos de segurança e de certeza nas relações comerciais/jurídicas que são tão caras aos empresários.

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa
Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Coordenador Geral do GIDE - Grupo Interdisciplinar de Direito Empresarial.

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