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STJ decide sobre questões controvertidas em matéria de prescrição em ações reparatórias por danos concorrenciais

Diante do exposto, o julgamento proferido no REsp 2.095.107/SP pelo STJ trouxe diversos esclarecimentos relevantíssimos sobre a prescrição em ações reparatórias por danos à ordem econômica, importando, a depender do contexto fático, na viabilidade da pretensão ressarcitória das vítimas.

26/10/2023

Em 3/10/23, a Terceira Turma do STJ, em sede do julgamento do REsp 2.095.107/SP, analisou novamente a matéria da prescrição em ações indenizatórias por danos concorrenciais, esclarecendo diversos pontos ainda obscuros e mal interpretados acerca do prazo prescricional que incide nessas demandas, bem como acerca do termo inicial.

Tal recurso tem origem em ação na qual os autores postulam a reparação pelos danos decorrentes da formação de cartel no mercado nacional de fornecimento de gases industriais e medicinais, em razão da divisão do setor e a imposição de sobrepreço. A ação ressarcitória foi ajuizada após a publicação da decisão do CADE, que condenou as rés pela participação nos ilícitos concorrenciais, e determinou o pagamento de multas recordes às empresas, somando um total de R$ 3 bilhões.

Um dos primeiros argumentos que o Relator no STJ, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pontua em seu voto condutor é que as ações de responsabilidade por dano concorrencial, conhecidas como ARDCs, se enquadram dentre aquelas de responsabilidade extracontratual (aquiliana), uma vez que a pretensão decorre da prática de conduta anticompetitiva prevista em lei, escapando às obrigações contratuais diretas.

Essa classificação é importante vez que impacta diretamente na definição do termo inicial do prazo prescricional da pretensão indenizatória. Isso porque o próprio STJ já entendeu, inclusive em caso semelhante, que em situações complexas, tais como danos decorrentes de cartéis, deve-se haver uma “interpretação e análise adequada para o seu deslinde”. Sendo assim, ao contrário de pretensões decorrentes de obrigação contratual, que o termo inicial é o momento da violação do direito subjetivo, as ARDCs derivam de obrigações de natureza extracontratual e, portanto, deve-se considerar o momento em que o prejudicado teve ciência da conduta e seu caráter ilícito, , da sua extensão e da ocorrência e autoria da lesão.1

Antes de adentrar no mérito da prescrição, acertadamente, o Ministro-Relator também reconheceu a categorização das ARDCs entre as ações do tipo follow-on e stand alone, cuja distinção decorre da atuação do CADE.2 Nos termos do voto do Relator, as primeiras são as ações propostas em razão da decisão final do CADE que reconhece a antijuridicidade da conduta, e aquelas ajuizadas após decisão homologatória de Termo de Compromisso de Cessação ou de leniência, nos quais os beneficiários reconhecem a prática ilícita; ao passo que, as segundas são aquelas a conduta ilícita não foi investigada na via administrativa pelo CADE, ou foram objeto de análise em processo administrativo ou procedimento de investigação preliminar que tenha sido arquivado, ou, ainda, as que decorrem de decisão homologatória de TCC sem o reconhecimento da conduta ilícita.

Essa classificação, por sua vez, também é fundamental, pois, conforme ver-se-á adiante, a intervenção ou não do CADE na investigação da conduta ilícita influencia o marco inicial da fluência da prescrição.

Ao adentrar na questão do prazo prescricional aplicável às ARDCs, o Relator decidiu também acerca da intertemporalidade da lei 14.470/22, que alterou a lei de Defesa da Concorrência Brasileira - LDC (lei Federal 12.529/11) para prever novas disposições com o intuito de aprimorar o cenário da reparação privada de infrações à ordem econômica no Brasil, que passou a produzir efeito em 16/11/22. Isso porque a nova lei não trouxe uma norma de direito intertemporal que regulasse sua aplicação, em especial nas ações já em curso. Inclusive, reflexões sobre aspectos processuais decorrentes da nova lei já começaram a ser apresentados.3

Com relação à lei aplicável às ARDCs, o magistrado afirmou que, antes da entrada em vigor da nova lei, aplicava-se a regra geral para fins de reparação civil extracontratual prevista no art. 206, §3º, inciso V, do CC/02, i.e., 3 anos. Após, com a inserção do art. 46-A na lei de Defesa da Concorrência (lei Federal 12.529/11), o prazo prescricional passou a ser de 5 anos. Sendo assim, a regra é da aplicação imediata da lei nova, pois, é entendimento pacífico da jurisprudência da corte especial que inexiste direito adquirido a prazo prescricional em curso. Ponderou, contudo, que existem duas exceções a essa regra: (i) se o prazo de prescrição aplicável anteriormente já tiver se consumado; ou (ii) se a ação já tiver sido ajuizada antes da entrada em vigor da lei nova. In casu, pois, a Terceira Turma concluiu que incidiria a regra prevista no art. 206, §3º, V, do CC/02, na medida em que “quando da entrada em vigor do prazo estabelecido pela nova legislação, a presente ação já se encontrava em andamento”.

Especificamente sobre o marco inicial da fluência da prescrição, o ministro analisa que a lei nova dispõe, nos §§1º e 2º do art. 46-A, que o prazo de ações follow-on inicia-se com a ciência inequívoca do ilícito, e que a própria lei esclarece que se trata da publicação da decisão definitiva do CADE que o reconhece. As ações stand alone, por sua vez, não possuiriam regulamentação específica na lei especial, devendo o marco inicial ser analisado à luz das especificidades de cada caso. Mais importante do que isso é a constatação feita a respeito do termo a quo antes da inovação legislativa, de que a doutrina especializada e a jurisprudência dos tribunais locais já vinham aplicando esse mesmo entendimento, em concordância com a aplicação do princípio da actio nata em seu viés subjetivo.

Por fim, quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição, restou esclarecido que, existindo inquérito ou processo administrativo no CADE, vinculado aos mesmos fatos, aplica-se a suspensão prevista no art. 46-A, da lei 12.529/11. Essa nova regra ressonaria com a norma do art. 200, do CC/02, que institui obstáculo ao decurso do prazo prescricional quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal.

Sendo assim, a Terceira Turma entendeu que a pretensão das autoras, consubstanciada em ação follow-on, não estava prescrita uma vez que a ciência inequívoca da conduta danosa pelas autoras só poderia ter ocorrido com a publicação da decisão definitiva do CADE, que reconheceu o ilícito. Ademais, a prática foi objeto de ação penal que suspendeu a fluência do prazo prescricional até seu trânsito em julgado, tendo, por fim, as autoras ajuizado protestos interruptivos de prescrição.

Diante do exposto, o julgamento proferido no REsp 2.095.107/SP pelo STJ trouxe diversos esclarecimentos relevantíssimos sobre a prescrição em ações reparatórias por danos à ordem econômica, importando, a depender do contexto fático, na viabilidade da pretensão ressarcitória das vítimas.

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1 STJ, REsp 1971316/SP, Quarta Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, DJ 25/10/22.

2 “No âmbito da discussão sobre o ato ilícito de cartel, é importante fazer referência à distinção, feita pela doutrina estrangeira, entre as chamadas “stand-alone suits” e as chamadas “follow-on suits”. As “stand-alone suits” são as demandas indenizatórias ajuizadas sem que haja qualquer investigação ou decisão prévia por parte das autoridades de defesa da concorrência com relação à infração concorrencial em questão. As “follow-on suits”, por sua vez, são as demandas indenizatórias na esteira da investigação ou decisão por parte das autoridades concorrenciais.” (CASELTA, Daniel Costa. Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes da Prática de Cartel. Tese (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 97.

3 V. ATHAYDE, Amanda, et al. Há embate entre a Lei 14.470/22 e a decisão do STJ no REsp 1.971.316/SP? Revista Consultor Jurídico, 11/1/23. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-11/opiniao-prazo-prescricional-acoes-danos-concorrenciais. Acesso em: 06 set. 2023.

Bruno Lanna Peixoto
Mestre em Direito (LL.M.) pela University of Chicago (2005), com foco em Direito Antitruste e Regulação; Mestre em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2005); Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG (2001).

Carolina Pagotto Trevizo
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo - USP.

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