Um dos requisitos para a concessão da recuperação judicial é a necessidade do devedor apresentar certidões negativas de débitos tributários nos termos dos arts. 151, 205, 206 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (art. 57 da Lei 11.101/05).
Como forma de garantir que o devedor obtenha tais certidões, a Lei de Recuperações e Falência (arts. 68 e 6°, § 7°) e o Código Tribunal Nacional (art. 155-A, § 3°) preveêm a possibilidade do ente público instituir lei específica estabelecendo as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.
Em que pese a previsão da possibilidade de instituição de lei específica para parcelamento dos créditos tributários da devedora, passaram-se anos sem que fosse editada a aludida lei.
Durante o período em que o legislativo se omitiu, o Superior Tribunal de Justiça definiu que o parcelamento tributário era um direito do devedor em crise e que, em razão da inexistência de lei específica, não se lhe poderia deixar de conceder a recuperação judicial.
DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LRF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é "viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".
2. O art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN.
3. O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação.
4. Recurso especial não provido.
STJ, REsp 1187404/MT
Em razão disso, os créditos tributários deixavam ser pagos pelas empresas recuperandas, seja em razão da inexigibilidade da apresentação da certidão negativa de débitos para a concessão da recuperação judicial seja em razão da impossibilidade da prática de atos expropriatórios no âmbito das execuções fiscais (STJ, CC 1.149.87/SP).
Como resposta à aludida decisão do STJ, foi promulgada a lei 13.043/14, a qual incluiu o artigo 10-A na lei 10.522/02 prevendo o parcelamento tributário para empresas em crise.
Em que pese a vigência da citada Lei, o STJ manteve seu entendimento sobre a desnecessidade de apresentação da certidão negativa de débitos tributários para a concessão da recuperação judicial (STJ, REsp 1.998.612 e AREsp 1.841.841).
A lei 14.112/20 promoveu profundas alterações na lei 11.101/15, em especial estabelecendo a possibilidade do juízo da execução fiscal promover atos constritivos contra o patrimônio da devedora, cabendo ao juízo falimentar a análise se o ato recairia sobre bem de capital essencial da recuperanda (art. 6°, § 7°-B).
Além disso, alterou as regras sobre o parcelamento tributário, deixando-as mais favoráveis às empresas recuperandas e prevendo a possibilidade de realização de transação tributária (arts. 10-A a 10-C da Lei 10.522/02).
Diante da alteração legislativa, o STJ passou a admitir que o juízo da execução fiscal realize atos de constrição contra o patrimônio da devedora (STJ, CC 181.190), em cumprimento ao texto literal da Lei.
E, mais recentemente, a 3ª Turma do STJ alterou seu entendimento e estabeleceu a necessidade de apresentação da certidão negativa de débitos tributários, adequando-o ao previsto na lei 11.101/05, com as alterações introduzidas pela Lei 14.112/20.
Assim, no Resp 2.053.240 a 3ª Turma entendeu que:
“5.4 A exigência da regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, longe de encerrar um método coercitivo espúrio de cumprimento das obrigações, constituiu a forma encontrada pela lei para, em atenção aos parâmetros de razoabilidade, equilibrar os relevantes fins do processo recuperacional, em toda a sua dimensão econômica e social, de um lado, e o interesse público titularizado pela Fazenda Pública, de outro. Justamente porque a concessão da recuperação judicial sinaliza o almejado saneamento, como um todo, de seus débitos, a exigência de regularidade fiscal da empresa constitui pressuposto da decisão judicial que assim a declare. 5.5 Sem prejuízo de possíveis críticas pontuais, absolutamente salutares ao aprimoramento do ordenamento jurídico posto e das decisões judiciais que se destinam a interpretá-lo, a equalização do débito fiscal de empresa em recuperação judicial, por meio dos instrumentos de negociação de débitos inscritos em dívida ativa da União estabelecidos em lei, cujo cumprimento deve se dar no prazo de 10 (dez) anos (se não ideal, não destoa dos parâmetros da razoabilidade), apresenta-se – além de necessária – passível de ser implementada. 5.6 Em coerência com o novo sistema concebido pelo legislador no tratamento do crédito fiscal no processo de recuperação judicial, a corroborar a imprescindibilidade da comprovação da regularidade fiscal como condição à concessão da recuperação judicial, o art. 73, V, da LRF estabeleceu o descumprimento do parcelamento fiscal como causa de convolação da recuperação judicial em falência. 6. Não se afigura mais possível, a pretexto da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa vinculados no art. 47 da LRF, dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas, com efeito de negativas), expressamente exigidas pelo art. 57 do mesmo veículo normativo, sobretudo após a implementação, por lei especial, de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável a sua efetividade e ao atendimento a tais princípios. 7. Em relação aos débitos fiscais de titularidade da Fazenda Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a exigência de regularidade fiscal, como condição à concessão da recuperação judicial, somente poderá ser implementada a partir da edição de lei específica dos referidos entes políticos (ainda que restrita em aderir aos termos da lei federal).
Apesar de ser um julgado isolado proferido pela 3ª Turma, a expectativa é que a 4ª Turma também siga o entendimento e passe a exigir a apresentação da certidão negativa de débito tributário, em cumprimento ao texto da lei.