Na última quarta-feira, 18, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, implementou um novo modelo de julgamentos a serem realizados no Plenário da Corte. Segundo Barroso, no modelo atual,
Nós chegamos aqui no julgamento já preparados para votar, já tendo estudado o processo e, frequentemente, com uma opinião já formada. Portanto, a experiência que estamos fazendo é ouvir as sustentações e manifestações dos advogados antes da formação da convicção, o que me parece ser uma experiência que vale a pena testarmos.1
Com a mudança, já iniciada no ARE 1.309.642, que analisa a constitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos, em um primeiro momento será marcada uma sessão para ouvir as sustentações orais e, em outra oportunidade, será realizada a votação pelos Ministros da Corte. Para Barroso,
essa organização do julgamento permite que os diferentes argumentos e pontos de vista, que serão apresentados oralmente na sessão, possam ser considerados de forma mais aprofundada pelos ministros em seus votos, e se possa ampliar o debate sobre o tema na sociedade antes da tomada de decisão pela Corte.2
O PAPEL DAS CORTES SUPREMAS
Em Julgamento nas Cortes Supremas, Luiz Guilherme Marinoni aponta que “[a]s Cortes Supremas brasileiras ressentem-se da falta de um método de julgamento que proporcione o diálogo entre os julgadores para a formação da decisão”.3 Para o autor paranaense, esse modelo de julgamento colegiado, próprio da nossa tradição, “não só conta com um Juiz (relator) que informa os demais julgadores, mas que também muitas vezes decide em nome de todos, sem que isso seja objeto de reflexão”4.
Além disso, para Marinoni, “[o] voto escrito constitui, na prática dos tribunais brasileiros, uma inusitada espécie de ‘decisão individual justificada antecipada”5. À medida em que se apresenta o voto como sendo uma decisão, “o voto convida à adesão, ao invés de convidar à deliberação”6.
Luiz Guilherme, na obra analisada, convida-nos a algumas reflexões. Uma delas, notadamente, refere-se à missão das nossas Cortes Supremas, STF e STJ, apontando que há muito deixaram de ter uma função voltada exclusivamente às partes e indiferente aos fatos para se tornarem, agora sim, “[c]ortes imbuídas de, a partir da realidade dos casos concretos, colaborarem com o desenvolvimento do direito mediante precedentes com eficácia geral e vinculante, o que exige a reorganização do seu modelo de julgamento”7.
O autor ressalta, ainda, a importância da participação de diversos grupos que possam vir a ser afetados pelos precedentes, devendo ser dado a eles voz e espaço perante a Corte.
O QUE MUDA A PARTIR DE AGORA?
Quem já trabalhou em assessoria judiciária em gabinetes de Desembargadores e Ministros sabe muito bem como funciona a dinâmica dos processos. O excesso de demandas acaba por tornar a rotina dos gabinetes por demais burocrática e tendente a uma padronização nas decisões. Prova disso são as inúmeras decisões praticamente iguais, mudando apenas os fatos e os dados das partes envolvidas. O problema em tudo isso é que não há mais discussão da matéria.
O desfecho no processo só será outro quando e se o advogado for despachar com os desembargadores ou ministros, entregando-lhes memoriais, demonstrando haver um claro distinguishing. Essa, geralmente, é a rotina nos Tribunais de Apelação. Contudo, se há problema nessa sistemática em que se apreciam casos concretos, quanto mais haverá dificuldade quando se estiver diante de Cortes de Precedentes.
Com a mudança, o que se pretende é fazer com que os Ministros ouçam as partes envolvidas, seus argumentos e somente depois, em outro momento, passar-se-á à deliberação e votação da demanda. A ideia é justamente que os votos não venham prontos para serem prolatados. No atual modelo, repisa-se, o relator, após informar os demais julgadores, muitas vezes é aquele quem “decide em nome de todos, sem que isso seja objeto de reflexão”8.
PROBLEMAS DA DELIBERAÇÃO EM SESSÃO9
O autor, com razão, aponta que, a depender da técnica decisória elegida, isso poderá “estimular ou limitar a discussão entre os julgadores”10. Além disso, “[n]os colegiados que decidem por maioria, no entanto, os Juízes são levados a apresentar votos escritos antes de conhecerem os argumentos dos seus pares, como se o colegiado não tivesse que deliberar ou cada Juiz devesse, sem precisar discutir, apenas decidir”11. Marinoni ressalta que o fato de uma Corte decidir por maioria de votos, como o é a nosso STF, “não elimina a necessidade de deliberação e, assim, a contraposição entre os argumentos dos membros do colegiado”12.
Mas, qual a relação de todos esses questionamentos – necessários - com o novo modelo proposto pelo STF, segundo o qual, primeiro as sustentações orais, e só depois, em outra sessão, a deliberação e votação?
Luiz Guilherme aduz que “[a] nova função das Cortes Supremas impõe uma lógica procedimental que abra oportunidade para maior participação das partes e dos amici e ampla e aprofundada deliberação entre os julgadores, o que exige novos espaços para a participação dos advogados e a ressignificação do papel do relator e dos votos dos julgadores”13. Com isso, segundo o autor, ter-se-á “uma decisão realmente colegiada, distinta da que se expressa a partir da contagem ou do acúmulo de decisões e justificativas individuais”14.
Com a mudança, ao que parece, os Ministros do STF deixarão de levar os votos individuais escritos para as sessões no Plenário, pelo menos no dia marcado para as sustentações orais. O momento será de escuta. A mudança pode parecer meramente procedimental, mas carrega consigo algo fundamental: o fato de ouvir as partes e só então ser deliberada a questão, não na mesma oportunidade, mas em sessões distintas, dará ao juiz a oportunidade de levar em consideração tais questionamentos levantados quando da apreciação da matéria. Esses questionamentos levarão a uma reflexão prolongada e, na sessão marcada para a deliberação, certamente esses pontos levantados na sessão anterior, farão parte do voto dos Ministros.
Ainda sobre os votos individuais escritos, aponta Marinoni, “embora compatível com as decisões das cortes de apelação e das cortes supremas de correção, não se mostra promissora quando se deseja formar precedentes, vistos como decisões capazes de expressar o entendimento das Cortes Supremas”15.
Para o autor, quando se está diante da “formação dos precedentes, além de exigir plena discussão entre as partes e os amici, requer ampla deliberação entre os julgadores em sessão. Ora, a técnica dos votos escritos não apenas desestimula a deliberação, mas a inviabiliza”16.
Aponta, ainda, que o ato de levar votos escritos à sessão plenária é uma contradição lógica. Segundo Marinoni, “[q]uem justifica por escrito o seu entendimento não convida à deliberação, mas sim à adesão”17. O voto escritor, portanto, “não representa a posição de quem está aberto ao diálogo ou tem vontade de deliberar com os demais membros do colegiado em busca de melhores razões”18.
O autor, é bom que se diga, não se coloca em posição contrária à apresentação do voto individual escrito. O que propõe é que “a própria necessidade de se realizar uma justificação individual escrita apenas pode surgir depois de todos os membros do colegiado terem deliberado”19.
Assim, o fato de apresentar voto escrito anterior à deliberação “não somente é desnecessário, mas também incompatível com a lógica que deve presidir uma Corte de Precedente”20. Isso porque, aponta Marinoni, “[a]lém de não haver motivos para várias explicações escritas para traduzir um mesmo e único entendimento, mais de uma justificação escrita, nessa hipótese, serve apenas para dificultar (e muito) a individualização da ratio decidendi”21.
CONCLUSÕES
A medida, como apontamos, é bem-vinda e visa direcionar o STF ao seu verdadeiro destino e missão, qual seja, de Corte de Precedentes e não de Corte de Revisão. E como Corte de Precedente, todos os juízes do país estarão vinculados aos precedentes oriundos das Cortes Supremas. Com isso, há previsibilidade, respeito à lei e desestímulo àqueles que se valem, de maneira leviana, do exercício do direito fundamental de ação22.
1 EM NOVA dinâmica, STF vai ouvir sustentações antes de redigir votos: A nova metodologia foi iniciada no julgamento da ARE 1.309.642, que analisa a constitucionalidade de regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos. Migalhas, [S. l.], p. S/N, 18 out. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/395551/em-nova-dinamica-stf-vai-ouvir-sustentacoes-antes-de-redigir-votos. Acesso em: 21 out. 2023.
2 EM NOVA dinâmica, STF vai ouvir sustentações antes de redigir votos: A nova metodologia foi iniciada no julgamento da ARE 1.309.642, que analisa a constitucionalidade de regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos. Migalhas, [S. l.], p. S/N, 18 out. 2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/395551/em-nova-dinamica-stf-vai-ouvir-sustentacoes-antes-de-redigir-votos. Acesso em: 21 out. 2023.
3 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 15.
4 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 15.
5 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 15.
6 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 15.
7 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 16.
8 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 15.
9 O título é homologo ao capítulo VI do Livro Julgamento nas Cortes Supremas, de Luiz Guilherme Marinoni.
10 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 93.
11 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 93.
12 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 93.
13 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 94.
14 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 94.
15 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 99.
16 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 99.
17 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 99.
18 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 99.
19 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 99-100.
20 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 101.
21 MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 101.
22 MARINONI, Luiz Guilherme. Processo Constitucional e Democracia. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022, p. 950.