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Planejamento tributário e suas implicações criminais

Um programa de compliance criminal eficaz pode ajudar a identificar e corrigir riscos antes que se transformem em problemas criminais significativos e altamente onerosos.

23/10/2023

O planejamento tributário é uma ferramenta amplamente utilizada por empresas e indivíduos para gerir sua carga tributária de forma eficiente e legal. Uma das estratégias desse planejamento envolve a adoção de medidas que possam evitar a ocorrência do fato gerador de tributos, o que, em princípio, poderia levantar questionamentos sobre a legalidade da prática. No entanto, é importante ressaltar que, desde que o planejamento seja realizado de acordo com a legislação em vigor, ele não configura crime tributário.

O planejamento, portanto, nada mais é do que a gestão estratégica das obrigações fiscais de um contribuinte, visando à redução legal da carga tributária. Isso é alcançado por meio da análise de alternativas previstas na legislação, que permitem a escolha da forma mais vantajosa de recolher tributos. O objetivo principal do planejamento tributário é utilizar mecanismos legais para reduzir a carga tributária, sem a prática de evasão fiscal

Uma das estratégias do planejamento tributário é a evitação do fato gerador, evento que desencadeia a obrigação de pagamento do tributo. Evitando esse evento, o contribuinte pode legalmente não ser submetido à obrigação tributária, ou pode adiá-la para um momento mais conveniente. Exemplos disso incluem a antecipação ou adiamento de receitas, alteração do regime de tributação, ou a escolha de estruturas empresariais que minimizem a incidência de tributos.

Como se vê, o planejamento tributário, por si só, não é ilegal. A legalidade reside no respeito às leis tributárias vigentes. Caso um contribuinte adote práticas fraudulentas, como a simulação de negócios ou a utilização de empresas de fachada, a fim de evitar o fato gerador, isso poderá, sim, constituir crime tributário.

Não é demasiado apontar que a distinção entre o planejamento tributário legal e ilegal é sutil, e a falta de assistência jurídica especializada pode resultar em erros críticos.

Por isso, sem a orientação de um advogado criminalista, contribuintes podem inadvertidamente adotar estratégias que configuram sonegação fiscal, expondo-se a riscos consideráveis.

Esse profissional tem o conhecimento necessário para avaliar a legalidade das estratégias propostas e as possíveis implicações criminais. Ele pode ajudar a orientar o contribuinte a evitar práticas ilegais, garantindo a conformidade com a lei e a minimização de riscos.

Em alguns casos, planejamentos tributários agressivos podem envolver a criação de estruturas empresariais complexas ou transações financeiras que levantam suspeitas não só de fraude fiscal e sonegação, mas também lavagem de dinheiro, o que leva a conduta eventualmente criminosa a um outro patamar.

Empresas que buscam realizar planejamentos tributários agressivos devem considerar a implementação de um programa de compliance criminal. Isso envolve uma análise minuciosa das operações adotadas pela empresa a fim de identificar pontos “chaves” que podem ser interpretados como evasão/sonegação/fraude, sugerindo alterações e até mesmo redesenhando processos com o fim de minimizar os riscos eventualmente gerados pelas estruturas de planejamento implementadas.

Além disso, a implementação das tão comuns ferramentas de compliance, mormente a criação de políticas e procedimentos internos para garantir que todas as atividades da empresa estejam em conformidade com as leis e regulamentos, incluindo as fiscais e aquelas relacionadas à prevenção da lavagem de dinheiro, complementam a conformação das providências.

Um programa de compliance criminal eficaz pode ajudar a identificar e corrigir riscos antes que se transformem em problemas criminais significativos e altamente onerosos.

É preciso ter em mente que a diferença entre a economia de imposto e a evasão se resolve com a pesquisa para determinar se os atos ou negócios praticados evitaram a ocorrência do fato gerador (e aí teríamos a legítima economia do tributo) ou se eles ocultaram o fato gerador ocorrido (hipótese na qual estaria figurada a evasão).

CANTO destacava que o único critério cientificamente aceitável para se diferençar a elisão e a evasão é o temporal. Se a conduta (ação ou omissão do agente) se verifica antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária de que se trate, a hipótese será de elisão, pois, sempre tendo-se como pressuposto que o contribuinte não viole nenhuma norma legal, ele também não terá infringido direito algum do fisco ao tributo, uma vez que ainda não se corporificou o fato gerador.

Há empresas que optam por contratar a maior parte dos serviços de que necessitam sempre com pessoas jurídicas, escapando, com isso, do ônus decorrente da contribuição previdenciária que incide sobre o pagamento de remuneração as pessoas físicas (profissionais autônomos e mesmo empregados) e que não incide sobre o pagamento de serviços a pessoas jurídicas.

Alguns contribuintes pessoas físicas constituem pessoas jurídicas com o único e exclusivo intuito de submeterem suas atividades profissionais a carga tributária inferior à suportada pelas pessoas físicas. Muitas vezes, isso é facultado e até induzido pela legislação, que criou, inclusive, a figura da empresa individual de responsabilidade limitada (lei 12.441/11).

Noutras, há a formação de sociedade para efetiva atuação conjunta de profissionais, de modo que se une a utilidade da sociedade com a conveniência da menor carga tributária

Em outros casos, todavia, há sociedades meramente de fachada, sem nenhum intuito associativo, em que um dos sócios presta pessoal e diretamente serviços personalíssimos, restando os demais meramente figurativos e sem nenhuma participação, com o que se revela uma sociedade aparente ou fictícia, o que é questionado pelo Fisco.

Algumas empresas ainda, buscando reduzir sua carga tributária, fragmentam suas atividades, distribuindo-as entre diversas empresas com faturamento menor, passíveis de se enquadrarem no Simples, por exemplo. Quando tal ocorra de modo simulado, sem que haja efetiva autonomia de cada empresa, teremos um abuso da forma jurídica, ensejando sua desconsideração, com a cobrança dos tributos efetivamente devidos acrescidos de juros e de multas pesadas, além do que estarão os diretores sujeitos à responsabilização criminal por sonegação e até mesmo, conforme as circunstâncias, por crime de falso em razão do potencial lesivo que extrapole a sonegação, espraiando-se por outras esferas, como as comerciais e trabalhistas.

As discussões sobre os limites do planejamento tributário são muitas. Não são raros os casos de autuações fundadas em supostos planejamentos sem propósito negocial ou no abuso de formas que acabam anuladas pelo Judiciário. A questão é intrincada e precisa ser resolvida, a nosso ver, pelos juízos tributários, não pelo penal.

Aliás, há um precedente do TRF4 muito relevante abordando a questão do planejamento tributário em face da livre-iniciativa (Relatoria do Desembargador Rômulo Pizzolatti) assim ementado:

"AÇÃO ANULATÓRIA. LANÇAMENTO DE OFÍCIO. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. DESCONSIDERAÇÃO DE OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS. AUSÊNCIA DE SIMULAÇÃO. PROTEÇÃO À LIVRE-INICIATIVA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA.

  1. No Direito brasileiro, ao lado de disposições legais específicas que neutralizam, por si sós, os efeitos tributários benéficos que adviriam de determinadas operações societárias casuisticamente escolhidas pelo legislador, há regra geral – no sentido ser aplicável à generalidade dos tributos – prevista nos artigos 116, parágrafo único, e 149, VII, do CTN, que autoriza o Fisco a desconsiderar atos, negócios e operações realizados pelo sujeito passivo mediante o emprego de dolo, fraude ou simulação.
  2. Assim, a desconsideração de “planejamentos tributários” pela administração pública somente se legitima quando as operações empregadas forem ilícitas (dolosas, fraudulentas ou simuladas), cabendo ao legislador a edição de normas específicas que impeçam ou neutralizem eventual economia tributária quando o planejamento envolver atos lícitos.
  3. Apesar de estar o legislador tributário autorizado, pela interpretação a contrario sensu do artigo 110 do CTN, a delinear a definição, conteúdo e alcance do conceito de simulação, o fato é que não houve atividade legislativa nesse sentido, de tal maneira que o instituto deve ser empregado conforme os contornos dados pelo direito privado, nos termos do artigo 109 do mesmo código.
  4. Havendo perfeita correspondência da substância das operações com as formas que foram adotadas para a sua realização, não é possível afirmar-se que os atos praticados tenham sido simulados, sendo indevida a ingerência da administração tributária na liberdade de iniciativa de que dispõe o contribuinte, garantida no artigo 170 da Constituição Federal, de reestruturar a exploração do seu capital da forma mais eficiente, inclusive sob a perspectiva fiscal.
  5. Diante de operações lícitas que venham sendo utilizadas pelos contribuintes como substitutas não tributadas, ou ainda menos onerosas, ou bem o legislador edita norma casuística proibindo o emprego desse expediente específico (ou ainda impedindo a economia pretendida), ou bem o Estado se conforma com o montante pago, não sendo aceitável que o Fisco, a pretexto de reparar o que parece uma injustiça fiscal aos seus olhos, desconsidere tal “planejamento”, porque é do Poder Legislativo, e não da administração pública (por mais elevados que sejam os seus propósitos), a competência para regular e interferir no exercício das liberdades econômicas e no patrimônio dos indivíduos.
  6. Assim, a reorganização patrimonial realizada pelo contribuinte, quando levada a efeito por meio de negócios jurídicos e operações verdadeiros, ainda que tenha por resultado a economia de tributos, não autoriza o Fisco a desconsiderá-los, pois não existe – e nem poderia existir, porque ofenderia o artigo 170 da Constituição Federal – uma norma geral que obrigue o administrado a, frente a possibilidade de submeter-se a dois regimes fiscais, optar pelo mais gravoso.
  7. A despeito de ser possível, por força da proporcionalidade e da razoabilidade, o arbitramento equitativo dos honorários também nos casos em que da aplicação da regra prevista no artigo 85, § 3º, do CPC, resulte valor exorbitante (e não apenas ínfimo, conforme literalmente previsto no § 8º do mesmo dispositivo), essa exorbitância há de ser aferida em relação ao trabalho realizado pelo beneficiário da verba, e não somente segundo um critério numérico, de tal maneira que naqueles casos em que, apesar de elevado o montante dos honorários, exista correspondência com o serviço prestado, é devida a sua fixação em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou da causa. (Proc. 5009900-93.2017.4.04.7107, TRF 4ª Reg, 2ª T, Rel. Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 11/12/19)

Tainah Lasmar Leon
Advogada especialista em Direito Penal Empresarial. Foi Assessora Jurídica do Ministério Público do Estado de Mato Grosso por mais de uma década. Atuou no GAECO e em outros núcleos sensíveis.

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