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Cabimento de honorários de sucumbência em IDPJ: guinada na jurisprudência?

Decisão do STJ no REsp 1.925.959 abre caminho para rediscussão de matéria tida por pacificada.

21/10/2023

Em 12/9/23, por maioria, a 3ª Turma do STJ proferiu decisão em sentido oposto à jurisprudência até então consolidada não apenas na 3ª Turma, mas em toda a Corte, sobre o cabimento de honorários sucumbenciais em incidentes de desconsideração da personalidade jurídica (“IDPJ”).

De fato, até setembro de 2023, identificava-se no STJ jurisprudência no sentido de não caber condenação em honorários de sucumbência nesses incidentes. Segundo constou de acórdão da 4ª Turma do mês logo anterior, "[a] orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, em virtude da ausência de previsão legal específica, não é cabível condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo irrelevante a qual das partes se possa imputar a sucumbência ou a responsabilidade por dar causa à instauração do incidente" (STJ, AgInt no AREsp n. 2.326.010/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. em 21.8.23).

A compreensão de que não incidem honorários sucumbenciais em IDPJ – independentemente do seu resultado, quer seja julgado procedente ou improcedente – dominou o repositório de jurisprudência do STJ nos últimos anos. Entre os mais recentes, são exemplos de precedentes nesse sentido: (i) AgInt no AREsp 2.324.908/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.8.231; (ii) AgInt no AREsp 2.137.999/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, j. em 19.6.232; (iii) AgInt no AREsp 2.131.090/SP, 4ªTurma, Rel. Min. Marco Buzzi, j. em 27.3.20233; e (iv) AgInt no AgInt no AgInt nos EDcl no REsp 1.960.634/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 24.4.234.

Eis agora, no entanto, o acórdão exarado pela 3ª Turma no REsp 1.925.959, originalmente de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino:       

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAC¸A~O DA PERSONALIDADE JURI'DICA. NATUREZA JURI'DICA DE DEMANDA INCIDENTAL. LITIGIOSIDADE. EXISTE^NCIA. HONORA'RIOS ADVOCATI'CIOS DE SUCUMBE^NCIA. IMPROCEDE^NCIA DO PEDIDO. FIXAC¸A~O. CABIMENTO.

1. O fator determinante para a condenac¸a~o ao pagamento de honora'rios advocati'cios na~o pode ser estabelecido a partir de crite'rios meramente procedimentais, devendo ser observado o e^xito obtido pelo advogado mediante o trabalho desenvolvido.

2. O CPC de 2015 superou o dogma da unicidade de julgamento, prevendo expressamente as deciso~es de resoluc¸a~o parcial do me'rito, sendo conseque^ncia natural a fixac¸a~o de honora'rios de sucumbe^ncia.

3. Apesar da denominac¸a~o utilizada pelo legislador, o procedimento de desconsiderac¸a~o da personalidade juri'dico tem natureza juri'dica de demanda incidental, com partes, causa de pedir e pedido.

4. O indeferimento do pedido de desconsiderac¸a~o da personalidade juri'dica, tendo como resultado a na~o inclusa~o do so'cio (ou da empresa) no polo passivo da lide, da' ensejo a` fixac¸a~o de verba honora'ria em favor do advogado de quem foi indevidamente chamado a litigar em jui'zo. 5. Recurso especial conhecido e na~o provido.

(STJ, REsp n. 1.925.959/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 12.9.2023.)

O novo precedente não é vinculante. Não obstante, o interesse na nova decisão da Corte se justifica por representar fissura relevante em matéria que se tinha por sedimentada. Até então, incidentes de desconsideração eram vistos como tentativas “gratuitas”, sob a perspectiva dos ônus sucumbenciais, na medida em que o indeferimento do pedido não acarretava fixação de verba honorária. Agora, a porta se abre para a rediscussão.

Argumentos consistentes pesam em ambos os lados da balança. Nessa recente decisão, a maioria vencedora se apoiou, sobretudo, na premissa de que o IDPJ tem natureza de ação incidental, com partes, causa de pedir e pedido próprios, diferentemente de um mero incidente processual. O já saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator original, concluiu pela incidência analógica da mesma sistemática aplicável a outras demandas incidentais pelas quais se chamam terceiros à lide, como a denunciação, em que ha' condenac¸a~o em honora'rios advocatícios sucumbenciais.

Já a Ministra Nancy Andrighi divergiu. Em meio às razões de seu voto, a par dos fundamentos tradicionalmente adotados pela corrente que defende o descabimento da condenação em honorários em IDPJ, a Ministra reputou que “na~o ha', respeitosamente, raza~o suficiente para modificac¸a~o do entendimento desta 3ª Turma em ta~o pouco espac¸o de tempo e sem nenhuma nova ou relevante circunsta^ncia fa'tica ou juri'dica”. Sopesou que, apesar de não se tratar de um precedente vinculante, cuida-se, ainda assim, de uma decisão paradigmática de um tribunal superior, cuja mudança de entendimento merece sempre especiais consideração e fundamentação.

Proferido após o voto da Min. Nancy Andrighi, o voto-vista do Min. Moura Ribeiro, que acompanhou o relator, realça elemento importante da delimitação da controvérsia: o tema objeto dessa nova análise desempenhada pela 3ª Turma consiste, especificamente, no cabimento de honorários na hipótese de ser julgado improcedente o IDPJ. Em caso de procedência, manter-se-ia a orientação anterior, pelo descabimento de fixação da verba honorária. A distinção frisada pelo Min. Moura Ribeiro repousa na seguinte lógica: caso o incidente seja julgado procedente, a ação principal será retomada, com a inclusão dos sócios como responsáveis pela dívida. Tais sócios arcarão com a sucumbência fixada na ação principal, a qual deverá considerar o trabalho desempenhado pelo advogado também no incidente. Já se o incidente é julgado improcedente, extingue-se a relação processual entre autor e réu do incidente, por decisão que se aproxima da natureza de uma sentença. 

Conquanto se leve em conta a ressalva acima e se considere que o precedente se refere somente à hipótese de improcedência do IDPJ, trata-se, ainda assim, de sinalização de uma eventual alteração em jurisprudência de tribunal superior. Como bem salientou a Ministra Nancy Andrighi, tal fenômeno reclama ônus qualificado de fundamentação, em homenagem à segurança jurídica e em prestígio à colegialidade e unicidade da Corte, enquanto órgão único e homogêneo de pacificação de interpretações conflitantes da lei federal.

Em síntese, é certo que, ao tempo de publicação desta nota, o mais recente precedente colegiado do STJ sobre o cabimento de honorários sucumbenciais em IDPJ contrasta com decisões, sobre o mesmo tema, proferidas nos últimos anos. Esse novo cenário jurisprudencial, colorido pela incerteza, impacta a tomada de decisões por partes litigantes, que por ora não disporão de condições bastantes para medir, com segurança, os riscos a que se submeterão caso busquem a desconsideração da personalidade jurídica de sua contraparte. Oxalá, em um sentido ou em outro, a Corte uniformize a jurisprudência em futuro breve.

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1 “O entendimento desta Corte Superior firmou-se no sentido de que ‘não é cabível a condenação nos ônus sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica diante da ausência de previsão legal’”.

2 “É incabível a fixação de honorários advocatícios em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos de extinção ou alteração substancial do próprio processo principal, o que não ocorreu na hipótese dos autos”.

3 “A orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que, em virtude da ausência de previsão legal específica, não é cabível condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo irrelevante a qual das partes se possa imputar a sucumbência ou a responsabilidade por dar causa à instauração do incidente”.

4 “Não é cabível a condenação nos ônus sucumbenciais no incidente de desconsideração da personalidade jurídica diante da ausência de previsão legal (...) nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte Superior, somente seria cabível a fixação de honorários em incidentes que provocam a extinção ou a alteração substancial do processo principal".

5 “[O] CPC/15 poderia atribuir à desconsideração da personalidade jurídica a natureza de ação ou demanda, como, por exemplo, fez com a oposição (que, no CPC/73, era uma intervenção de terceiro e, no CPC/15, passou a ser uma ação de procedimento especial), mas preferiu qualificá-la como um incidente cuja característica marcante não é a existência de demanda ou pretensão, mas, sim, a ampliação subjetiva da responsabilização com a inclusão de um terceiro. (...) [A] base de cálculo dos honorários sucumbenciais está indissociavelmente vinculada ao objeto litigioso (...), de modo que a instituição de um regime de ampliação subjetiva da responsabilização pelo ato ou pelo débito entre pessoa jurídica e sócios, mas sem ampliar objetivamente o litígio, não é suficiente e não deve influenciar o exame sobre a necessidade, ou não, de serem fixados honorários advocatícios sucumbenciais” (Trecho do voto-vista da Exma. Min. Nancy Andrighi no REsp 1.925.959/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 12.9.23).

Bernardo Salgado
Sócio no Terra, Tavares, Ferrari, Schenk, Elias Rosa. Professor de Direito Civil do Instituto de Direito da PUC-Rio. Mestre em Direito Civil pela UERJ.

Amanda Chami
Advogada no Terra Tavares Elias Rosa. Mestranda em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

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