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Reforma tributária: a criação do IVA brasileiro

A reforma tributária é uma reivindicação antiga que se debate há pelo menos vinte anos. Com a aprovação da PEC 45/19 pela Câmara dos Deputados, parece que a reforma está próxima de ser implementada.

20/10/2023

O debate quanto à reforma tributária no Brasil não é novidade, trata-se de temática que vem sendo discutida há pelo menos duas décadas. O que se verifica é que o Brasil nunca foi um bom exemplo quando o assunto é tributo. Com exceção da modernização dos impostos indiretos na reforma de 1966 (quando impostos de incidência cumulativa foram substituídos por impostos sobre o valor agregado), o país quase sempre andou na contramão dos princípios fundamentais das finanças públicas.

Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, baseada nos princípios da democracia e da justiça social, havia a esperança de que o sistema tributário seria reformado para contribuir com a retomada do crescimento econômico e inclusão social. Apesar das inúmeras mudanças e melhora no sistema, verificou-se que as mudanças mais necessárias acabaram por ficar a cargo da legislação infraconstitucional.  

De toda forma, fato é que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios comprometidos com a igualdade, universalidade e isonomia na cobrança dos impostos. Ademais, a Carta Magna simplificou o sistema e organizou as bases da tributação ao fundir impostos especiais e impostos únicos com o ICM, transformado, posteriormente, em ICMS, espécie de imposto sobre o valor agregado, de base ampla e de competência dos estados.

A Constituição Federal de 1988, contudo, reduziu a receita percebida pela União, haja vista as mudanças ocorridas no campo das competências e da repartição de receitas, além disso, verificou-se que os constituintes ampliaram os direitos dos cidadãos, mediante a criação do Sistema de Seguridade Social, abrangendo a previdência, a saúde e a assistência social.

A seguridade social, por sua vez, conta com financiamento exclusivo, poderá a União, apesar das contribuições sociais já existentes, criar outras contribuições sobre o lucro, o faturamento, a receita bruta e a folha de salários das empresas, cuja receita seria exclusiva da União.

Assim, verificou-se nos anos seguintes uma maior exploração das contribuições sociais por parte da União, a fim de reverter a perda dos recursos que lhe foi imposta pela promulgação da Constituição Federal de 1988, bem como para atender as necessidades advindas da consecução dos direitos sociais.

Em 1994, com o plano real, a fim de obstar o crescimento da hiperinflação no Brasil, foi realizado um ajuste fiscal de cunho temporário para que o governo tivesse condições financeiras para cobrir os desequilíbrios e para que o Brasil não tivesse que recorrer ao endividamento externo. Assim, além da majoração das alíquotas do imposto de renda das pessoas físicas e das alíquotas das contribuições sociais, foi instituído o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira que, em 1996, foi transformado na CPMF - Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira.

No final de 1998, no entanto, ficou clara a deterioração do plano, o que levou o Brasil a negociar um acordo de 41,5 bilhões de dólares com o FMI para o período de 1990 a 2001, tendo se comprometido a zelar pelo equilíbrio fiscal e manter-se confiável para os investidores sobre sua capacidade de solvência. Esse compromisso de zelar pela responsabilidade fiscal a fim de agradar o mercado (e, portanto, atrair mais investimento) foi renovado pelos governos que sucederam ao de Fernando Henrique Cardoso.

Em que pese tal compromisso fiscal firmado com o mercado externo, fato é que o Sistema Tributário Brasileiro permaneceu visto como confuso, dispendioso e regressivo. Além de não contribuir para reduzir as desigualdades sociais, ainda atribui inúmeras responsabilidades acessórias aos contribuintes, o que acaba por afastar os investimentos estrangeiros.

O que se infere, portanto, é que a reforma tributária é uma demanda antiga, não é novidade a necessidade de tal reforma. Contudo, em 2019, esteve-se perto da almejada reforma: duas Propostas de Emenda à Constituição passaram a girar no centro das discussões político-financeiras.

A PEC 110/200, apresentada formalmente pelo senador Davi Alcolumbre, visava alterar o sistema tributário nacional para simplificar o processo de arrecadação sobre a produção e a comercialização de bens e a prestação de serviços. Para tanto, propunha a extinção de 9 impostos (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins; CIDE-Combustível, Salário-Educação; ICMS e ISS) e a criação de dois novos tributos, o IBS - Imposto sobre Bens e Serviços  e o Imposto Seletivo. O IBS seguia o modelo do IVA - Imposto sobre Valor Agregado e teria caráter não-cumulativo.

Por outro lado, tramitava na Câmara dos Deputados a PEC 45/19, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (e idealizada pelo CCif - Centro de Cidadania Fiscal). Essa foi a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados em dois turnos em julho deste ano.

De acordo com o texto aprovado, uma LC deverá ser editada para a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS – que se assemelha ao modelo do IVA) que irá englobar o ICMS e o ISS, e a CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços para substituir o PIS, PIS-Importação, Cofins e a Cofins-Importação.

Aqui, importante trazer à baila as principais características do tão famoso IVA - Imposto sobre Valor Agregado, utilizado por mais de 170 países no mundo. Trata-se de espécie de imposto não cumulativo, ou seja, que incide somente sobre o que foi agregado em cada etapa da produção, excluindo-se os valores que já foram pagos nas etapas anteriores.

Com o IVA, pretende-se evitar a incidência em cascata do imposto, eis que a sistemática do imposto permite que o valor pago em cada etapa da produção seja descontado das operações posteriores. Em que pese ter características muito semelhantes ao ICMS, o IVA tem o objetivo de simplificar o atual Sistema Tributário Brasileiro.

Isso porque, atualmente, cada ente federativo pode para instituir e regulamentar (desde que respeitados os parâmetros gerais previstos em lei federal) os impostos de sua competência. No entanto, percebeu-se que essa divisão da competência de tributar acabou por criar um sistema extremamente complexo.

O que se verifica é que a pretensão do Governo com a criação do IVA é reorganizar as normas, para unificá-las, deixando-as mais claras aos contribuintes e, de forma, também a diminuir as obrigações acessórias, o que, por consequência lógica, irá facilitar a fiscalização.

E, como dito, a PEC 45/19, prevê a criação de duas espécies de IVA: i) o IVA Federal (CBS - Contribuição sobre Bens e Serviços), o qual substituirá o IPI, o PIS e a Cofins; e ii) o IVA dos estados e municípios (IBS) que irá reunir em uma única exação o ICMS e o ISS. Destaca-se, ainda, que texto da PEC prevê que o IVA será cobrado no destino dos bens e serviços, o que teria, em tese, o condão de colocar fim à guerra fiscal travada entre os estados.

O texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê também a criação de dois fundos: um destinado ao pagamento, até 2032, das isenções fiscais do ICMS concedidas no âmbito da “guerra fiscal”; e outro destinado à redução das desigualdades regionais. Os fundos deverão receber recursos federais o longo de oito anos.

A proposta foi encaminhada ao Senado Federal, tendo como relator o Senador Eduardo Braga que afirmou já ter recebido aproximadamente 250 emendas. Vale dizer que, caso o Senado Federal aprove a proposta com as emendas, a proposta deverá voltar à Câmara para que esta Casa avalie as emendas.

Geovanne Soares Amorim de Sousa
Advogado. Pós graduado em Direito Tributário. Mestre em Direito Constitucional.

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