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Honorários das Ações Coletivas - Aproximação da jurisprudência do STJ e STF

É um importante passo na direção de alinhar a jurisprudência do STJ ao entendimento já consagrado pelo STF, que prestigia amplamente a atuação dos sindicatos e reconhece a autonomia da vontade coletiva, por meio deles manifestada.

16/10/2023

Dois julgamentos recentes do STF e do STJ apontam para um maior alinhamento da jurisprudência das Cortes Supremas em matéria de honorários das ações coletivas.

Em 13/9/23, o STJ julgou o Tema 1175 dos recursos repetitivos, sobre a “necessidade ou não de apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados para que o sindicato possa reter os honorários contratuais sobre o montante da condenação”.

A 1ª seção do Tribunal acolheu a proposta do relator, Ministro Gurgel de Faria, fixando a Tese de que “a) antes da vigência do § 7º do art. 22 do Estatuto da OAB (5/10/18), é necessária a apresentação dos contratos celebrados com cada um dos filiados ou beneficiários para que o sindicato possa reter os honorários contratuais sobre o montante da condenação; e b) após a vigência do supracitado dispositivo, para que o sindicato possa reter os honorários contratuais sobre o montante da condenação, embora seja dispensada a formalidade de apresentação dos contratos individuais e específicos para cada substituído, mantém-se necessária a autorização expressa dos filiados ou beneficiários que optarem por aderir às obrigações do contrato originário”.1

Em complementação, o voto do relator, exemplifica alguns instrumentos de que disporiam as entidades sindicais para, dispensada “a formalidade de apresentação dos contratos individuais específicos”, suprir a exigência de “autorização expressa dos filiados ou beneficiários que optarem por aderir às obrigações do contrato originário”, entre eles a adesão por meio de listas físicas ou virtuais, e-mail e, no que mais importa, em “assembleia convocada coma finalidade específica de dispor sobre a execução de determinado título judicial”.

Nesse último aspecto, admitindo a vinculação da categoria profissional aos termos do contrato de honorários firmado pelo sindicato com os advogados, para propositura de ação sindical, a decisão do STJ representa um importante avanço e estímulo ao emprego das ações coletivas como instrumento de economia, celeridade e efetividade processuais.

Ao assim decidir, o STJ sinaliza também maior alinhamento com a jurisprudência do STF acerca do papel constitucional dos sindicatos e, de modo particular, com a sistemática de manifestação da vontade coletiva, particularmente com o poder da assembleia geral sindical, inclusive quanto à contratação de advogados.

De fato, a jurisprudência do STF tem prestigiado amplamente a vontade coletiva autônoma representada pelas entidades sindicais, atribuindo-lhe efetivo caráter de representação e defesa das categorias profissionais.

Nesse campo desponta a orientação do Supremo acerca da amplitude da substituição processual pelos sindicatos, com jurisprudência reafirmada no julgamento do Tema 823/STF.2 Na ocasião, foi reafirmada a jurisprudência da Corte, consolidada desde o julgamento do RE 210.029. Sepultou-se a tese de que a legitimação sindical seria apenas processual e que, por consequência, estaria restrita à fase de conhecimento. O Tribunal entendeu que estava diante de oportunidade de adotar política judiciária voltada à implementação dos direitos sociais previstos na Constituição, mediante a tutela coletiva. 

Considerou que os direitos e interesses dos sindicatos estão conectados com os dos trabalhadores, e sua defesa é tarefa de ambos. O substituído pode assumir o protagonismo da causa, mas enquanto permitir que o protagonismo siga com o sindicato, o faz porque está sendo beneficiado. A substituição processual, assim, abrange tanto o aspecto processual quanto o próprio direito material dos membros da categoria. Por isso, a substituição processual sindical permite que os sindicatos não só promovam as ações de conhecimento coletivas, mas também que as liquidem e executem em nome próprio.3

Outras decisões do STF em sede de repercussão geral, como os Temas 145 e 1046, confirmam que a legitimação dos sindicatos ultrapassa a esfera processual e incide sobre os direitos materiais individuais dos integrantes da categoria profissional. Este último, por exemplo, consagra a possibilidade da “prevalência do negociado sobre o legislado”, fixando a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações e afastamento de direitos trabalhistas”.4

Realmente, se o Sindicato pode, em uma assembleia geral, aprovar a retirada de certo direito trabalhista, que valerá para todos os integrantes da categoria, logicamente também poderá, numa assembleia igual, comprometer moderado percentual da vantagem que venha a ser obtida em uma ação coletiva, para remunerar o trabalho profissional do advogado.

Foi nessa mesma linha que, há poucos dias, o Plenário do STF reconheceu que a aprovação de um contrato de prestação de serviços advocatícios para o patrocínio de uma ação coletiva, em assembleia geral convocada pelo sindicato, tem o poder de vincular a todos os beneficiários da ação coletiva. No julgamento da ação originária 2.417, entendeu que “em que pese o dever legal de assistência judiciária gratuita e integral dos sindicatos aos seus substituídos, entendo que os contratos de honorários firmados são válidos e eficazes, devendo, pois, ser respeitados. A própria anuência dos substituídos com a contratação de advogado para atuar em causa de relevância da categoria, ainda que a anuência tenha sido manifestada em assembleia realizada pelo Sindicato, revela a existência de negócio jurídico sobre direito disponível, qual seja, contrato advocatício em que pactuada a quitação mediante desconto sobre valores auferidos individualmente pelos trabalhadores” (voto do ministro Nunes Marques). Pontou-se, igualmente, que “as avenças pactuadas são válidas, os serviços foram efetivamente prestados, o que acarreta aos contratantes o dever de saldar o a contrapartida remuneratória. Assim, entendo legítima a possibilidade de desconto/retenção do percentual dos honorários contratuais quando do levantamento dos valores a serem recebidos por cada beneficiário”. (voto do Ministro Dias Toffoli)5

Alguns aspectos da decisão do STJ no Tema 1175 ainda podem ser melhor elucidados, quando do julgamento dos embargos declaratórios já interpostos pela parte e pelos “amici curiae”, inclusive o Conselho Federal da OAB. Dentre eles, certamente, está a possibilidade de assembleias gerais posteriores à “vigência do § 7º do art. 22 do Estatuto da OAB” virem a ratificar as contratações efetuadas antes dessa data.

Em qualquer caso, merece destaque a decisão do STJ, proclamada no Tema 1175, na parte em que reconhece a faculdade das assembleias sindicais autorizarem a contratação de advogados para patrocínio de ações coletivas e a definição dos respectivos honorários, atribuindo a esse ato a força de vincular todos os integrantes da categoria profissional e de permitir a retenção ou desconto dos honorários sobre os créditos dos substituídos. É um importante passo na direção de alinhar a jurisprudência do STJ ao entendimento já consagrado pelo STF, que prestigia amplamente a atuação dos sindicatos e reconhece a autonomia da vontade coletiva, por meio deles manifestada.

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1 STJ, Primeira Seção, REsp 1965394/DF, REsp 1965849/DF e REsp 1979911/DF, Rel. Min. GURGEL DE FARIA, DJe de 20/09/2023.

2 STF, Tema 823: “Os sindicatos possuem ampla legitimidade extraordinária para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos” (Tribunal Pleno, RE 883642-AL, Rel. Min. Presidente, julgado em 19/06/2015, DJe 26/06/2015).

3 STF, Tribunal Pleno, RE 210029, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Rel. p/ ac. Min. JOAQUIM BARBOSA, j. 12/06/2006, DJe 17-08-2007

4 STF, Tribunal Pleno, AgR no RE 1121633 – GO, Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 02/06/2022, DJe 28/04/2023.

5 STF, Tribunal Pleno, AO 2417/RO, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Rel. p/ Acórdão Min. NUNES MARQUES, Sessão Virtual de 29/09 a 06/10/2023, votos disponibilizados no sistema de acompanhamento da Sessão de Julgamento Virtual, acórdão não publicado.

Pedro Pita Machado
Advogado especializado em Direito dos Servidores Públicos. Sócio da Pita Machado Advogados, com sedes em Porto Alegre/RS e Florianópolis/SC.

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