As leis são insuficientes, hoje; todos sabemos. Cada vez mais; muitos sentem. Frequentemente, inconstitucionais; alguns percebem.
A velocidade dos avanços econômicos é alta. Das evoluções sociais, quase tão alta. Do atingimento de consenso nos parlamentos, muito menor.
A ilusão de completude dos códigos desapareceu. A crença na harmonia entre os diversos micros sistemas legais é incipiente. A expectativa de justa solução dos conflitos, caso a caso, é imensa.
O Poder Judiciário, talvez, tenha cumprido a função social esperada do mesmo, até aqui. A partir de agora, muitos esperam muito mais. Ou, na verdade, desde mais tempo.
Araken de Assis tratando dos antigos assentos de Portugal e de nossa legislação processual, afirma que se o precedente formula regra geral e abstrata ...(é)... inconstitucional o art 927, III e IV, referindo-se ao nosso Código de Processo Civil.1
Victor Marcelo Pinheiro afirma que as teses jamais podem ser consideradas regras legislativas (...) as teses não inovam o sistema jurídico e não apresentam uma eficácia própria separada das rationes decidendi dos casos em que adotadas.2
O Judiciário, diante de leis imprecisas e diante de vazios legislativos, não recebe a atribuição de elaborar normas gerais. Recebe, sim, o aviso, implícito, de que os casos individuais possuem diversidade significativa e devem ser melhor examinados, em suas peculiaridades e evolução.
Nesta situação, mais do que antes já era, é desejável um direito processual participativo. Não se trata de transferir o dever de julgar, e, sim, de confirmar a legitimidade do Judiciário e do próprio Estado. Os aprendizados anteriores, de direito processual e de organização do Judiciário, devem ser superados e não simplesmente abandonados.
Audiências públicas e atuação dos amicus curiae contribuem para maior legitimidade e aceitação social, especialmente das decisões que pretendam uniformizar os julgamentos.3 Sessões não secretas, transparência de todos os atos e, inclusive, seminários são instrumentos necessários para as uniformizações, mais do que em julgamentos singulares.4
Julgar sozinho é cada vez mais inviável, sendo oportuno falar-se em cooperação.5 Até mesmo, conhecer os fatos, sozinho, é impossível, sendo inadiável ultrapassar, igualmente, os limites do direito probatório de outros tempos.
Perfecto Andrés Ibáñez assinala que la jurisdicional es así una actividad , ciertamente de poder, pero de naturaleza esencialmente cognoscitiva.6
Alfonso de Julius-Campuzano assinala os limites do legicentrismo, a limitação do poder pelo Direito e as possibilidades de um constitucionalismo fuerte.7
A democracia interna do Judiciário deve ser alcançada, através de meios a serem descobertos. O estabelecimento de boas regras processuais e procedimentais é relevante. A escolha das administrações, com maior e mais amplo debate, certamente, é, quase que antes, o primeiro.8
A democracia externa do Judiciário pode ser alcançada, através de inúmeros meios já conhecidos. A exata compreensão do tema da uniformização dos julgamentos, provavelmente, pode vir a ser outro meio eficaz para este objetivo. Aperfeiçoamentos do direito probatório são inadiáveis.
Os avanços da tecnologia da informação permitiram o conhecimento do conceito de interoperabilidade.9 No Direito do Trabalho, para enfrentamento do quarto lugar do Brasil, em acidentes e doenças do trabalho, é preciso valer-se da estatística, com o conceito de Nexo Técnico Epidemiológico - Ntep .10
A grandiosidade dos números da força de trabalho, acidentes e doenças merece estudo. Já se percebeu que, além dos casos e causas individuais, há de se examinar os adoecimentos e riscos coletivos.11
Cristian Starck aponta que a questão que se esconde no tema Jurisdição Constitucional e Tribunais Ordinários (...) tem pouco a ver com a clássica divisão de Poderes. Trata-se da delimitação de competências dentro do Poder Judiciário.12
Bianca Richter, dentre tantos novos debates, aponta que o juiz natural é essencial ao exercício da função jurisdicional (...) diversos institutos processuais utilizados atualmente que atacam estes parâmetros teóricos gerais do juiz natural (...) também em outros ordenamentos jurídicos.13
As alterações processuais têm sido inúmeras, também em nosso País. No direito processual do trabalho, existiu a repercussão das alterações de 1994 no CPC de 1973, a lei 13.015 com rica experiência de quase dois anos, o NCPC e a reforma trabalhista, lei 13.467, limitando a edição e revisão de súmulas, com constitucionalidade questionável e já questionada.14
Ao início destas linhas, não se disse que é bom que os parlamentos não consigam elaborar leis claras; apenas, se fez esta constatação de que não conseguem. Não se disse que o Poder Judiciário não precisa de regras processuais claras; apenas, se expos que não é fácil alcançá-las.15
Ao se aproximar de uma década, ainda, é necessário denominar o CPC com o adjetivo novo. Os artigos 938 e 1.013, por exemplo, ainda não foram bem compreendidos.
Note-se que os dois artigos antes mencionados não são novidades. Apenas, ampliam o poder do Relator, cuja tendência já existia, e, por outro lado, preservam o princípio da celeridade.16 Tais artigos são mero desdobramento do que havia no artigo 515, do CPC anterior.17
Pierre Dardot e Christian Laval indicam que existe, entre nós, uma concepção que vê a sociedade como uma empresa constituída de empresas.18
Cristhian Starck, agora citado por segunda vez, indica que os direitos fundamentais crescem como recifes de coral (...) para impedir retrocessos nos direitos fundamentais.19
Os aprendizados para o desenvolvimento das empresas servem muito pouco para a organização do Poder Judiciário. Aqui, a celeridade processual depende da legitimidade social e vice e versa.
Os números dos recursos de revista são conhecidos e divulgados, no Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, com grande transparência, detalhamento e opções de consulta por Turma, por tema, por ano, por desembargador, por advogado, etc.20 Pessoalmente, participo da Turma com segundo menor número de recursos de revista, sabendo, de qualquer modo, que todas Turmas possuem números muito semelhantes.21
A uniformização de julgamentos que trava o avanço social não contribui, habitualmente. Toda uniformização que não concretize o aperfeiçoamento civilizatório, provavelmente, ficaria melhor com o esclarecimento de que é provisória, enquanto as condições econômicas e sociais não o permitem.
O Poder Judiciário quando aceita o retrocesso social, igualmente, se enfraquece. Mais do que isolamento social, é verdadeiro auto enfraquecimento. É auto esfacelamento e incentivo à busca de outros meios de, supostamente, solucionar os conflitos.
Peter Berger tem a percepção de que a modernização leva a uma enorme transformação na condição humana, passando do destino para a escolha (...) o fundamentalismo é um esforço para restaurar a certeza ameaçada.22
A desejada segurança jurídica, bem como a certeza, nas esferas social e individual, não virão da simples, simplória e anti-histórica concentração de poderes.23
Não é razoável imaginar que um juiz, outros poucos profissionais e dois advogados, um para cada parte, sejam suficientes para bem solucionar setenta milhões de processos.24
É viável ter-se um Judiciário, não apenas para julgar e, sim, antes disto, igualmente, para melhor conhecer a realidade.25
A poesia do Uruguai lembra um menino, que não conhecia o mar e, ali, chegando, diante da imensidão, pediu ao pai que lhe ajudasse a olhar.26
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1 Araken de Assis, Dos assentos aos precedentes e sua inconstitucionalidade, no livro Súmulas, Teses e Precedentes – estudos em homenagem a Roberto Rosas, Coordenação de Gilmar Ferreira Mendes e Victor Marcel Pinheiro, Rio de Janeiro: GZ, 2023, pg 106.
2 Victor Marcelo Pinheiro, A Fixação de Teses pelo STF e a sumulização dos precedentes constitucionais, no mesmo livro antes mencionado, Súmulas, Teses e Precedentes – estudos em homenagem a Roberto Rosas, Coordenação de Gilmar Ferreira Mendes e Victor Marcel Pinheiro, Rio de Janeiro: GZ, 2023, pg 249.
3 Alexandre Freitas Câmara, Levando os padrões decisórios a sério – formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula, São Paulo: Atlas, 2022, pgs 196 e 199, entre outras.
4 O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem realizado Seminários para tratar das uniformizações de jurisprudência, conforme se percebe em vídeo de 8 de agosto de 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wKgcDhXxC3U
5 O princípio da cooperação está expresso no NCPC, Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.
6 Perfecto Andrés Ibáñez, El Juez, la Ley y la Jurisprudencia, no livro Derecho Judicial – el derecho da creación judicial a la luz del siglo XXI, Barcelona: Bosch Editor, 2022, pg 36.
7 Alfonso de Julius-Campuzano, El Estado Constitucional – normativas de las constituciones contemporâneas e interpretación de la constitución, no mesmo livro Derecho Judicial – el derecho da creación judicial a la luz del siglo XXI, Barcelona: Bosch Editor, 2022, pgs 497, 506 e 516.
8 Neste sentido, a forma de escolha da Administração no Tribunal Regional do Trabalho, do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/575317
9 José Eduardo de Resende Chaves Junior trata do direito processual eletrônico e do conceito de interoperacionalidade. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/conexao-e-processo
10 O Supremo Tribunal Federal, em abril de 2020, declarou a constitucionalidade do art 18-A inserido na Lei 8.213, através da Adin 3.931, Relatora Ministra Carmen Lucia Antunes Rocha. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2541930
11 Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira está atento aos números da previdência. Diz que o benefício previdenciário é individual, todavia, o olhar é coletivo, especialmente momento 24min. Disponível em: https://www.youtube.com/live/AYhBIEfDpd0?si=8a6d5_UCtk2CPk4F
12 Christian Starck, Ensaios Constitucionais, São Paulo: Saraiva, 2020, pg 288.
13 Bianca Richter, Precedentes, Vinculantes e Assunção de Competência, São Paulo: Almedina, 2.023, pgs 227 e 230.
14 O Supremo Tribunal Federal examinou a inconstitucionalidade da Lei 13.467, ao dificultar a edição e revisão de súmulas. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5731024
15 A resposta não pode ocorrer antes da pergunta, no dizer de Lênio Streck, momento 43min50seg. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pMWIHKLOIUI
16 Foram vários os textos de Juízes do Trabalho no Rio Grande do Sul, individuais e coletivos, e um de Minas Gerais, entre eles:
a)livro de Bem-hur Silveira Claus. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Fun%C3%A7%C3%A3o-Revisora-Tribunais-Racionalidade-Recursal/dp/8536188758
b)texto do Juiz em Minas Gerais, Luiz Ronan Neves Koury. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/3951
c)texto de Luiz Alberto de Vargas e o signatário, Fatos e Jurisprudência. Disponível em: https://ricardocarvalhofraga.wordpress.com/category/fatos-e-jurisprudencia/
17 A palavra desdobramento nos chegou ao conhecimento nas primeiras leituras do NCPC pelo advogado Juan Hatzfeld dos Santos.
18 Pierre Dardot e Christian Laval, A Nova Razão do Mundo, São Paulo: Boitempo, 2016, pg 321.
19 Christian Starck, obra antes citada, agora, página 296.
20 Site do TRT RS, opção recursos de revista, ao pé da página inicial ou, direto. Disponível em: https://dados.trt4.jus.br/extensions/RR/RR.html
21 No TRT RS, dentre onze Turmas, duas tem realidades diferentes porque seus integrantes participam, acima de tudo, de julgamentos em processos de execução e, menos em recursos ordinários.
22 Peter Berger, Os múltiplos altares da modernidade, Petrópolis, RJ: Vozes, 2017, pgs 26 e 34.
23 Reporto-me a outros textos recentes de que participei:
a) Comunidade de Interpretação - Uniformização da jurisprudência é diferente de concentração de poderes,
https://www.migalhas.com.br/depeso/387424/comunidade-de-interpretacao--uniformizacao-da-jurisprudencia
b) Uniformizações da jurisprudência,
https://www.migalhas.com.br/depeso/374865/uniformizacoes-da-jurisprudencia
c) Certeza de maior civilidade, com os colegas Gilberto Souza dos Santos, Marcos Fagundes Salomão, Maria Madalena Telesca,
https://www.migalhas.com.br/depeso/352676/certeza-de-maior-civilidade
24 Setenta e sete milhões era o número de processos, no Judiciário, ao final de 2019, conforme divulgado no Seminário organizado pelo STF e STJ, em setembro de 2021, momento 10min10seg de https://www.youtube.com/watch?v=KWIPrP-bYes
25 Alice apontou que os julgamentos necessitam de certa cronologia, nos seus atos e, antes disto, até mesmo, lista de presenças, https://www.culturagenial.com/livro-alice-no-pais-das-maravilhas-lewis-carroll/
Isto foi lembrado pelo advogado Amarildo Maciel Martins, em debate organizado por Julian Lisboa, que participei, momento 1h9min58, https://www.youtube.com/watch?v=hCZpsgBDUuE&t=783s
26 Coletânea de Eduardo Galeano, in https://meajudaaolhar.wordpress.com/