A forma de Estado federalista adotada pela Constituição de 1988 consubstancia-se por um arranjo institucional que envolve a partilha do poder entre diversas unidades políticas autônomas, que coexistem no interior de um único Estado soberano. Trata-se de um modelo de organização política que busca conciliar a unidade com a diversidade.
Embora existam diferentes modelos de federalismo, há alguns elementos mínimos sem os quais uma federação se descaracterizaria. Entre esses elementos, destaca-se, nos moldes do art. 18 da CF/88, a efetiva autonomia política dos entes federativos, que se traduz nas prerrogativas do autogoverno, autoorganização e autoadministração (ADIn 5.646/SE).
Não se pode perder de vista, no entanto, que certos preceitos existentes na Carta Magna consubstanciam, segundo classificação do STF, normas constitucionais de reprodução obrigatória, também chamadas de normas centrais.
Assim se qualificam as disposições da Carta da República que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados membros, do Distrito Federal e/ou dos municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local.
Significa dizer, parafraseando o saudoso ministro Carlos Velloso, quando ainda ocupava assento no Excelso Pretório, que as normas centrais da Constituição Federal são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro e, dessa forma, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local (ADIn 2.076/AC).
Ora, a Federação brasileira, nas palavras do professor Paulo Modesto, não é apenas um pacto político. É, também, um complexo normativo coordenado, que reúne ordens jurídicas distintas, delimitadas segundo o âmbito territorial de validade. Essa é a base para classificar, no sistema jurídico brasileiro, as normas em nacionais, federais, estaduais, municipais ou distritais.
Nesse contexto, ainda de acordo com o citado professor:
"A transposição, repetição ou remissão de normas entre ordens jurídicas distintas é fenômeno usual no federalismo brasileiro, diante da primazia da Constituição Federal sobre as demais ordens jurídicas e o mimetismo normativo decorrente da fragilidade dos entes subnacionais, sendo frequente que as leis fundamentais das ordens estaduais, distritais e municipais reproduzam literalmente enunciados normativos presentes na Constituição Federal ou incorporem, por remissão, conteúdos constantes de enunciados constitucionais nacionais. Essa transposição normativa pode ser implícita ou expressa e, neste último caso, obrigatória ou voluntária."
Tal constatação tem autorizado a doutrina a classificar as normas da Constituição Estadual conexas à Constituição Federal em três grupos distintos, valendo destacar, para o caso, as normas de reprodução obrigatória (ou “normas centrais”) que, como o próprio nome diz, são dispositivos da lei maior que devem, obrigatoriamente, em atenção ao que dispõe o art. 25 da CF/88 ser repetidos nas Constituições Estaduais.
Daí porque, se uma norma é de reprodução obrigatória, considera-se que ela está presente na Constituição Estadual mesmo que a Carta Local seja silente. Isso significa que mesmo se a Constituição Estadual não disser expressamente considera-se que a regra está presente no texto normativo regional.
A propósito, por sua clareza e didática, vale reproduzir o escólio do ministro Luis Roberto Barroso, exarado no julgamento da Rcl 17.954 AgR/PR, para quem normas de reprodução obrigatória são "as disposições da Carta da República que ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos”. E continua:
"Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local."
Nesse caso, parafraseando o ministro Luiz Fux, a Constituição da República assume o papel de texto normativo central para toda a federação, limitando, em algumas matérias, o poder constituinte decorrente atribuído aos Estados-membros à transposição de normas da Constituição da República, que passam a ser também normas constitucionais estaduais, formal ou materialmente idênticas àquelas (ADIn 5.646/SE).
A validade e a normatividade dessas disposições para o Estado-membro, relembre-se, independem até mesmo da expressa transposição das normas previstas na Constituição da República para o texto da Constituição estadual, mercê de se tratar de normas diretamente aplicáveis a todos os entes federativos, ainda que não expressamente absorvidas pelo ordenamento constitucional local.
Estabelecidas tais premissas, ressoa natural a conclusão de que mesmo não existindo na Constituição Estadual previsão expressa sobre determinada norma considerada de reprodução obrigatória, nada impede que seja impetrado mandado de injunção no âmbito do respectivo Tribunal de Justiça visando a consecução do correspondente direito, uma vez que, diga-se novamente (mesmo correndo-se o risco de se tornar repetitivo), já implicitamente previsto na Carta Política Local.
Esse entendimento, embora, a princípio, ainda não tenha sido analisado expressamente pela Corte, parece ser o que mais se coaduna à jurisprudência do STF.
Com efeito, ao analisar a questão das normas de repetição obrigatória e o controle de constitucionalidade no âmbitos dos Tribunais de Justiça Estaduais, o Excelso Pretório, ao julgar o RE 598.016 AgR/MA, firmou compreensão no sentido de que “a omissão da Constituição Estadual não constitui óbice a que o Tribunal de Justiça local julgue a ação direta de inconstitucionalidade tendo como parâmetro norma de reprodução obrigatória”.
Ora, se ausência de previsão expressa na Constituição Estadual sobre norma de reprodução obrigatória não impede o controle de constitucionalidade pelos Tribunais Estaduais, não há que se falar, da mesma forma, em proibição de julgamento de mandado de injunção visando suprir a omissão do legislador local que esteja interditando a fruição de direito assegurado.