1. Definição de empreendedor
O “Programa Casa Verde e Amarela”, instituído pela lei 14.118/21, incluiu o artigo 2º-A, na lei 6.766/79, para considerar como “empreendedor”, para fins de parcelamento do solo urbano, o responsável pela implantação do parcelamento. Há uma aparente intenção do legislador em substituir o termo “loteador” pelo termo “empreendedor”, que talvez possa ser considerado mais amplo.
Diante do disposto no artigo 2º-A, da lei 6.766/79, pode ser “empreendedor” o proprietário do imóvel a ser parcelado, que é a circunstância mais natural. Lógico, que também é comum o proprietário do imóvel ser representado por pessoa física ou jurídica especializada em projetos de loteamentos. Para essa finalidade haverá um contrato celebrado entre o proprietário e aquele que ficará encarregado de adotar as medidas administrativas para aprovação e registro do parcelamento. Dispõe a alínea “d”, do artigo 2º-A, que isso deve ser realizado na “forma de parceria, sob regime de obrigação solidária, devendo o contrato ser averbado na matrícula do imóvel no competente registro de imóveis”.
Mediante manifestação de vontade do proprietário, “o compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou o foreiro” também podem requerer a aprovação de parcelamento do solo urbano.
O Poder Público estadual ou municipal também pode ser “empreendedor”, responsável pela implantação de loteamentos, desmembramentos e condomínios de interesse social, em imóveis de sua propriedade ou até mesmo desapropriados para o fim específico de política habitacional. E o legislador prevê a possibilidade de o Poder Público contratar pessoa física ou jurídica para executar o empreendimento.
Por fim, tem legitimidade para ingressar com pedido de aprovação de parcelamento do solo urbano, figurando como “empreendedor”, a cooperativa habitacional ou associação de moradores, quando autorizada pelo titular do domínio, ou associação de proprietários ou compradores que assuma a responsabilidade pela implantação do parcelamento.
1.1. Proprietário
O proprietário é aquele que possui o registro do imóvel em seu nome. Poder ser pessoa física ou jurídica. Os Poderes Públicos municipal ou estadual também podem atuar como empreendedor, apresentando projeto de loteamento ou desmembramento. É possível que sobre o mesmo imóvel exista uma pluralidade de proprietários.
1.2 Compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, foreiro
O compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou o foreiro, podem atuar como empreendedor, desde que o proprietário expresse sua anuência em relação ao empreendimento. Além disso, o proprietário será responsável pelas obrigações assumidas pelo compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou do foreiro, em caso de extinção do contrato.
1.2.1 Compromissário comprador
A promessa de compra e venda é espécie de contrato através do qual uma pessoa, física ou jurídica, denominada promitente ou compromitente vendedor, se obriga a vender a outra, denominada promitente ou compromissário comprador, bem imóvel por preço, condições e modos pactuados.
É o compromisso de venda pelo qual as partes envolvidas se obrigam em igualdade a realizarem com eficácia, contrato futuro de compra e venda de bem imóvel, mediante consentimento de título hábil, gerando publicidade ao futuro negócio e criando segurança jurídica, pois uma vez registrado, o proprietário tem seu poder de disposição do bem limitado, ficando impedido de alienar o bem.
Analisa Maria Helena Diniz que consiste a promessa irretratável de compra e venda no contrato pelo qual o promitente vendedor obriga-se a vender ao compromissário comprador determinado imóvel, pelo preço, condições e modos convencionados, outorgando-lhe a escritura definitiva quando houver o adimplemento da obrigação. O compromissário comprador, por sua vez, obriga-se a pagar o preço e cumprir todas as condições estipuladas na avença, adquirindo, em consequência, direito real sobre o imóvel, com faculdade de reclamar a outorga da escritura definitiva, ou sua adjudicação compulsória havendo recusa por parte do promitente vendedor.
Semelhante a um contrato usual de venda, pois seu resultado prático é adiar a transferência do domínio do bem que foi compromissado até que o bem seja totalmente pago, dando lugar à adjudicação compulsória, visando o registro do imóvel, para o qual não se tem a documentação correta exigida pela lei. O proprietário pode obter a Carta de Adjudicação, pela qual um juiz determina que se proceda ao Registro de Imóveis.
Estabelece o artigo 1.417 do Código Civil que mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.
E segundo o artigo 1.418 do Código Civil, o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
1.2.2 Cessionário ou promitente cessionário
A cessão de direitos é um instrumento de Direito Civil através do qual é realizada a transmissão de direitos sobre determinado bem. O vendedor, conhecido como cedente, transfere ao comprador, conhecido como cessionário, os direitos sobre o bem objeto da cessão. A cessão de direitos deve ser formalizada por escritura pública caso o imóvel tenha valor superior a 30 salários-mínimos, conforme o artigo 108, do Código Civil.
Esse negócio jurídico é celebrado para garantir a compra e venda do imóvel entre eles. Pode ser que o cessionário já esteja pagando pelo imóvel e já tenha a posse dele, mas somente terá o registro da propriedade após o vendedor regularizar os documentos do imóvel.
É um modo de transferência provisória do bem, para garantir direitos para todas as partes.
O artigo 1.245 do Código Civil estabelece que transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no registro de imóveis. O proprietário do imóvel é aquele que consta do registro imobiliário. É o nome que consta da certidão de matrícula do imóvel.
Em alguns casos, os negociantes deixam de formalizar o registro da transferência do imóvel, ou deixam de fazer o inventário, sem o qual não conseguem o formal de partilha, ou naqueles casos de imóveis financiados.
Não sendo o proprietário do imóvel, caberá à pessoa que pretende negociá-lo, possuindo muito provavelmente somente a posse sobre ele, apenas ceder seus direitos possessórios a terceiro. Seria, basicamente, uma cessão de direitos sobre imóvel irregular, haja vista que o cedente não é, de fato, o proprietário do imóvel.
1.2.3 Foreiro
O imóvel foreiro é um bem cujos direitos são cedidos a uma pessoa que não é a proprietária do terreno mediante pagamento de taxas. O imóvel foreiro é um tipo de propriedade que tem um dono, de fato, mas os direitos de uso e obrigações são de outra pessoa ou instituição. Nada mais é do que o proprietário de um imóvel transferir o domínio útil do espaço para outra pessoa. É como um aluguel, mas com duração perpétua.
Aforamento, também denominado enfiteuse, é o direito real e perpétuo de possuir, usar e gozar de coisa alheia e de empregá-la na sua destinação natural sem lhe destruir a substância, mediante o pagamento de um foro anual invariável. Em outras palavras, o aforamento é um contrato de negociação entre partes, no qual, o proprietário (senhorio) transfere ao adquirente em caráter perpétuo, o domínio útil, a posse direta, o uso, o gozo e o direito de disposição sobre bem imóvel, mediante o pagamento de renda anual.
Um terreno pode ser foreiro à União (geralmente terreno de Marinha), foreiro ao Estado ou Município, foreiro a entidades particulares e religiosas (Santa Casa de Misericórdia, Mosteiro de São Bento, Companhia Têxtil Petropolitana), ou foreiro a algumas famílias (Schimidt Vasconcelos, Valois Souto, Orleans e Bragança). O imóvel foreiro é o mesmo que ser enfitêutico, por ser gravado como uma enfiteuse. Portanto, nos casos de compra de um imóvel temos o seguinte: a pessoa que adquire um imóvel está recebendo a posse, o domínio, o direito e ação sobre aquele bem, exceto no caso de imóvel foreiro, pois neste caso o domínio é de alguma daquelas entidades mencionadas anteriormente. Ou seja: quem compra imóvel foreiro recebe posse, direito e ação, mas o domínio continua nas mãos de terceiros.
É importante ressaltar que o artigo 2.038 do Código Civil atual proibiu a constituição de novas enfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições do Código Civil de 1916.
O foreiro, por força do artigo 2º-A, da Lei nº 6.766/79, também pode atuar como empreendedor, desde que exista a anuência expressa do proprietário (senhorio).
1.3 Poder público expropriante
O Poder Público poderá desapropriar bem imóvel para a finalidade de interesse social, objetivando a execução de um projeto de parcelamento do solo urbano ou de regularização fundiária. Declarada a desapropriação, ela deverá ser concretizada administrativamente ou judicialmente, mas a execução de projeto urbanístico somente será admitida após a imissão na posse do imóvel, que poderá ocorrer após o acordo firmado entre expropriante e expropriado ou após a decisão judicial que concede a imissão na posse.
Estabelece o artigo 18, §4º, da lei 6.766/79 que o título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação. O pedido de registro do parcelamento será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos (art. 18, §5º, lei 6.766/79).
1.4 Terceiro contratado
Pessoa física ou jurídica especializada no trabalho poderá ser contratada pelo proprietário do imóvel para promover a execução de um parcelamento ou de uma regularização fundiária. É uma parceria com obrigação solidária entre o terceiro contratado e o proprietário do imóvel. Esse contrato de “parceria” deverá ser averbado no Cartório de Registro de Imóveis na matrícula do imóvel objeto do parcelamento ou regularização.
O Poder Público que atuar como empreendedor, também poderá terceirizar a implantação do empreendimento, desde que observe a Lei de Licitações e Contratos Administrativos na contratação do profissional ou empresa especializada, fazendo a licitação ou optando pela contratação direta dentro dos limites legais.
1.5 Cooperativa habitacional, associação de moradores ou associação de proprietários
Cooperativa habitacional é a união de pessoas com o objetivo de construção de um empreendimento imobiliário, desde que exista a autorização do proprietário do imóvel. Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Para que aconteça a construção, os cooperados contribuem mensalmente, de uma forma sem intermediário e sem visar lucros. A cooperativa habitacional é regulamentada pela lei 5.764/71.
Associação de moradores é pessoa jurídica de direito privado livremente e voluntariamente formada por moradores de um determinado bairro ou cidade, com o objetivo comum de conquistar melhorias para a comunidade local. Os moradores podem ser proprietários, locatários ou simplesmente residentes. A associação de moradores de um determinado bairro poderá atuar como empreendedora para regularização do parcelamento em terreno situado na área de incidência da associação, desde que autorizado pelo proprietário do terreno. Não nos parece que seja juridicamente possível que uma associação de moradores atue no mercado imobiliário na implantação de novos parcelamentos do solo, mas pode regularizar a situação de fato consolidada, atendendo aos interesses da comunidade por ela representada.
Associação de compradores é pessoa jurídica de direito privado livremente e voluntariamente formada por pessoas interessadas em promover um parcelamento do solo, pelo qual a associação compra o terreno a ser parcelado e executa o projeto para que depois os associados recebam as unidades imobiliárias resultantes da divisão dos lotes. A figura da associação de compradores, da mesma forma que a associação de moradores, somente poderá atuar na regularização de parcelamento do solo no qual possuem a qualidade de adquirentes (compradores) dos lotes, que por não ter sido executado o empreendimento, ainda não foi ocupado. Apenas possuem o direito a unidade imobiliária adquirida, mas ainda não conseguiram fazer a ocupação com a construção e o uso do lote, porque a infraestrutura básica não foi executada. Não são moradores, são apenas compradores. A implantação de parcelamento do solo novo por associação de compradores também é juridicamente questionável. Negócio futuro e incerto, com características de simulado. São vendidas as participações na associação com a promessa de que será aprovado e implantado um parcelamento do solo, e que posteriormente serão vendidas ou doadas aos associados os lotes por eles adquirido no ato do ingresso na associação. Há forte preocupação que a comercialização de lotes de um projeto urbanístico futuro resulte na implantação de um empreendimento clandestino, isto é, sem a devida licença da Prefeitura. Além disso, os lotes somente podem ser comercializados após o registro do parcelamento, sob pena de configurar o crime contra a Administração Pública, previsto no artigo 50, parágrafo único, inciso I, da lei 6.766/79, segundo o qual é crime a “venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado”. A associação de compradores vende a expectativa futura e incerta de aquisição de lotes. Os compradores ingressam na associação pagando valores correspondentes aos lotes. Por mais que o pagamento integral somente ocorra após a efetiva implantação do empreendimento, mesmo assim haveria a ilegal “promessa de venda”.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem um acórdão que aborda esse assunto, indicando se tratar de negócio jurídico simulado:
Ação Civil Pública – Município de Presidente Epitácio – Constituição de associação de compradores para aquisição de gleba loteável – Simulação – Inexistência de intenção associativa dos componentes da entidade civil, que contribuem exclusivamente com pagamentos em dinheiro, sob a administração de corpo de gestores pré-determinado e remunerado, articuladores efetivos do projeto imobiliário – Negócio jurídico que, em verdade, pretende a compra e venda de terreno edificável futuro, sem garantia presente de loteamento de acordo com a Lei nº 6.766/1979 – Incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois configurada a relação de fornecimento – Subsistência do negócio jurídico real sob o simulado (art. 167, caput, do CC) – Necessidade de atuação do Poder Público para garantia dos interesses dos adquirentes individuais, sob a lógica consumerista, e de toda a coletividade afetada pelo processo de loteamento e edificação, sob a perspectiva urbanística – Obrigações fixadas em sentença de Primeiro Grau que se revestem de proporcionalidade e adequação, considerados os papéis assumidos pelos Réus durante a apresentação da proposta – Sentença mantida – Recursos não providos. (TJSP; Apelação Cível 1000070-17.2020.8.26.0481; Relator (a): Marrey Uint; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Presidente Epitácio - 2ª Vara; Data do Julgamento: 26/03/2021; Data de Registro: 26/03/2021)