Quatro médicos saíram do Estado de SP para atender a um congresso médico de ortopedia, sediado em um hotel na badalada praia da Barra da Tijuca no RJ, um dos locais mais atraentes da cidade símbolo das belezas naturais do Brasil.
No começo da madrugada de 5 de outubro, os profissionais decidiram confraternizar em um quiosque, dentre os tantos existentes na orla marítima do Rio, quando foram surpreendidos por um carro que estacionou próximo. Do veículo saltou um grupo de matadores armados que fuzilaram o grupo de amigos, sem qualquer chance de reação ou defesa.
Tal cena lembra o filme "O Poderoso Chefão", considerando a brutalidade e o local privilegiado onde ocorreu a tragédia. O evento causou uma comoção generalizada em todo o país, especialmente porque expôs a ferida da segurança pública (ou ainda da falta dela) que atinge indivíduos sem qualquer vinculação com crimes e locais onde a presença do Estado jamais deveria permitir algo semelhante.
Infelizmente, apesar das endemias localizadas em algumas cidades, como RJ e mais recentemente em Salvador, pessoas acabaram virando números em todo o país. Todos os dias a sociedade é arrebatada por notícias de mortes por balas perdidas, assassinatos, feminicídios e assim por diante. Trata-se de uma verdadeira banalização da violência.
Voltando ao caso exposto acima e as diferentes linhas de investigação, foram localizados os corpos de quatro indivíduos que supostamente faziam parte de uma organização criminosa e que teriam pago com a própria vida por terem confundido uma das vítimas com um líder miliciano do Rio de Janeiro e, assim, decidido fuzilar todo o grupo. Convém salientar que apenas um dos médicos sobreviveu, mesmo sendo alvejado por seis tiros. Além disso, os confrontos e até mesmo as alianças entre organizações criminosas e as próprias milícias no Rio de Janeiro são de conhecimento comum.
Independentemente da motivação, já que houve um suposto erro quanto à identificação da vítima conforme previsto no Art. 20, § 3º Código Penal Brasileiro, o propósito aqui é discutir se o ocorrido se trata de um ato de homicídio qualificado com concurso material de crimes ou de um verdadeiro ato de terrorismo. É bem verdade que a tese do erro de tipo quanto à pessoa terá que ser investigada pelas autoridades policiais envolvidas no caso.
Enquadrando a presente questão como homicídio qualificado, seja por meio que possa resultar perigo comum, ou seja com a utilização de recurso que impossibilitou a defesa das vítimas, conforme Art. 121, § 2º, III e IV do Código Penal, houve também o concurso material de crimes previsto no Art. 69 do Código Penal, já que os exterminadores atiraram e contribuíram para o homicídio das três vítimas e a tentativa de homicídio da quarta. Em razão do concurso material de crimes, as penas privativas de liberdade de cada um dos homicídios são aplicadas cumulativamente, ou seja, são somadas. Se, com efeito, os corpos encontrados foram dos reais autores do delito, não haveria o que fazer sob a ótica penal, pois a responsabilidade penal dos exterminadores é individualizada e não atribuível a terceiros, sendo extinta com a sua morte.
Porém, um detalhe para suscitar um importante debate é o delito tipificado de terrorismo; inclusive, praticamente inutilizado no Brasil. De forma diametralmente oposta, comparando aos Estados Unidos, esse delito é uma prerrogativa da segurança pública, especialmente considerando a lei de segurança nacional.
Terrorismo é citado no Art. 5º, XLIII da Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, considerado inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. Porém, poucos sabem que o Brasil regulamentou o delito de terrorismo em 2016 ao sancionar a lei 13.260/16, inclusive reformulando o conceito de organização terrorista.
Esta lei, portanto, definiu terrorismo em seu Art. 2º como a prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. Além disso, dentre os atos considerados terroristas elencados no artigo citado, encontra-se o ato de “atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa”.
Considerando a existência de organizações criminosas em praticamente todos os Estados brasileiros e o terror social que resulta das suas ações, não há razão para não se considerar a tipificação do terrorismo para atos como esse que vitimaram os quatro médicos. Por outro lado, impende considerar uma questão importante e que acaba contaminando como um verdadeiro câncer as leis brasileiras, ou seja, a aplicação das leis e a impunidade.
Enquanto o homicídio qualificado é apenado com uma reclusão de doze a trinta anos, o terrorismo é também apenado com reclusão de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
Ambos os delitos são apenados com no máximo trinta anos. Isso pois, até 2019, o Art. 75 do Código Penal previa uma pena privativa de liberdade máxima de trinta anos. Entretanto, naquele ano, foi sancionada a lei 13.964/19, que a elevou para quarenta anos.
É importante considerar que a própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XLVII, proíbe a criação de penas de morte ou de caráter perpétuo. O artigo quinto, que trata dos direitos fundamentais do cidadão, é considerado como uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada para prejudicar direitos já garantidos pelo texto constitucional.
Na opinião do autor desse texto, há um claro descompasso entre as penalidades atribuíveis a um homicídio e a um ato terrorista, visto que as consequências desse último vão muito além dos homicídios propriamente ditos, atingindo toda a sociedade com terror social. Isso foi exatamente o que aconteceu nesse infeliz episódio envolvendo que resultou em quatro vítimas e que, se confirmada a tese do erro de tipo quanto à pessoa, foram brutalmente confundidos e pagaram com o seu bem maior, as suas vidas.
Com a palavra, o nosso Congresso Nacional...