De alguns tempos para cá o Excelso Pretório Nacional, além de exercer a função precípua de Corte Constitucional, passou a avançar na área do Legislativo e, também, imiscuir-se nas ações típicas de governo.
Uma rápida amostragem das ações atípicas do STF dará uma ideia do tema objeto de exame.
a) Em passado não muito remoto a Corte Suprema ordenou que o Executivo realizasse o censo demográfico em 2022. A decisão liminar do Ministro Marco Aurélio, não referendada pelo Plenário, determinava a realização do citado censo no ano de 2021 “com ou sem recursos financeiros disponíveis”.
b) Recentemente o STF decidiu que a guarda civil metropolitana destinada a proteção de bens, serviços e instalações municipais integra a segurança pública definida no art. 144 da CF. A decisão equivale a um acréscimo do inciso VI no elenco do art. 144 caput.
c) O caso Daniel Silveira. O STF condenou o parlamentar à pena de 8 anos e nove meses de prisão, perda de mandato e multa de R$ 200 mil por atos antidemocráticos e ofensa a Ministros da Corte. A anistia decretada pelo Presidente da República no exercício regular de suas atribuições foi anulada pelo STF.
d) A pretexto de interpretar o art. 231 da CF o STF decidiu que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas não estão sujeitas ao marco temporal em 5/10/1988, devendo a União proceder a demarcação de suas terras, procedendo-se a indenização aos proprietários ou ocupantes atingidos pela demarcação.
e) Devido a violação massiva dos direitos fundamentais dos presos o STF determinou que o Executivo elabore plano para melhorar a situação prisional com a participação do Conselho Nacional de Justiça.
f) Ainda recentemente o STF determinou que o governo elabore, no prazo de 120 dias, um plano para população em situação de rua.
g) O STF está julgando a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, sabendo que o Código Civil em seu art. 2º reconhece direitos do nascituro desde a sua concepção.
h) A Corte está julgando a descriminalização do porte de drogas.
i) O STF em recente julgamento restabeleceu a contribuição sindical obrigatória para os não sindicalizados sob o fundamento de que todos os empregados, filiados ou não ao sindicato, se beneficiam do acordo coletivo, como se essa circunstância já não tivesse sido levada em conta pelo legislador, quando tornou facultativa a auli8dade contribuição social.
As determinações constantes das letras a, c (parte final), e e, f representam ações típicas do Poder Executivo.
As decisões acerca das letras, b, d, g, h e i, por sua vez, implicam atividade legislativa.
Logo, o STF está legislando e atuando na seara privativa do Executivo.
Os atos de execução pretendidos pelo STF implicam despesas públicas que são direcionadas pelo Executivo e Legislativo, de conformidade com as Políticas Públicas, eleitas dentro das reais possibilidades do Tesouro.
Os problemas sociais a serem solucionados são infindáveis, mas os recursos são limitados, pelo que se exige ação de um estadista para a execução de políticas públicas: executar o máximo com o mínimo de recursos financeiros.
Por fim, o Judiciário é um poder que só age quando provocado.
Logo, alguém legitimado para requerer ações de controle concentrado (ADIn, ADC e ADPF) está provocando a ação do STF, pelo que parcela de culpa cabe a essas pessoas que levam ao STF questões legislativas ou de gestão administrativa.
Outrossim, muitas vezes, o STF age por conta da omissão do Congresso Nacional que deixou e continua deixando imensos vazios não elaborando leis complementares e leis ordinárias previstas na Constituição. Só para citar, até hoje, o Parlamento não disciplinou a licença-paternidade. Por isso, o STF vem aplicando para esse benefício o mesmo previsto para a licença-maternidade, isto é, 180 dias.
Diante desse quadro de anomalia, o Congresso Nacional iniciou um tímido movimento de reafirmação de sua independência.
O Senado Federal aprovou, em sessão relâmpago, na CCJ a PEC 8/21 que veda a concessão de decisão monocrática que suspenda a eficácia de lei ou ato normativo com efeito geral, ou que suspenda atos dos Presidentes da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional. Essa mesma PEC estabelece, ainda, que o pedido de vista do processo deve ser concedido coletivamente e por prazo máximo de 6 meses, ressalvada a sua prorrogação por mais 3 meses. Findos os prazos o processo deverá ser incluído na pauta para julgamento. No sistema atual alguns Ministros pedem vista e retêm o processo, às vezes, por mais de cinco anos.
Outrossim, o PL 2903, originário da Câmara dos Deputados, convola a tese do marco temporal em lei, isto é, a lei reconhece as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas em 5 de outubro de 1988. Como essa questão envolve a interpretação do art. 231 da CF, a lei que vier a ser sancionada poderá abrir nova frente de confronto com o STF.
Por derradeiro, a Comissão de Assuntos Econômicos – CAE – do Senado Federal aprovou o PL 2.099/23 que proíbe a cobrança obrigatória da contribuição sindical em resposta à decisão do STF que recriou a contribuição sindical obrigatória tornada facultativa por lei aprovada pelo Congresso Nacional.