Nos últimos dias, tivemos muitas notícias envolvendo o retorno do voto de qualidade no CARF, especialmente a fala do ministro da fazenda, que trouxe uma opinião controversa sobre o assunto. Mas será que existe algum ponto bom na nova legislação?
O voto de qualidade no CARF é a sistemática de desempate em favor do fisco quando, em um processo administrativo fiscal, não existe unanimidade entre o entendimento da Receita Federal e do contribuinte. Neste caso, se aplicado o voto de qualidade, caberia ao governo a prerrogativa de decidir o julgamento.
O voto de qualidade passou por diversas mudanças nos últimos tempos. Em 2020, houve a revogação da legislação que estabelecia essa metodologia de desempate. No entanto, o atual governo propôs o retorno dessa sistemática, o que resultou na lei 14.689/23.
Todavia, a mesma legislação trouxe algumas novidades, especialmente no que tange às multas de ofício, que são aplicadas quando a Receita Federal realiza as devidas fiscalizações e verifica que o contribuinte deixou de pagar algum tributo ou deixou de entregar alguma obrigação acessória, bem como se o contribuinte não colaborou com a fiscalização, nos termos da lei.
Quanto ao primeiro ponto, o retorno do voto de qualidade é, sem sombra de dúvidas, prejudicial aos contribuintes. Durante o período em que ele não estava em vigor, tivemos excelentes decisões a favor das empresas e até de pessoas físicas que discutiam alguma questão tributária. Podemos citar como exemplo a dedutibilidade do ágio da base de cálculo da CSLL.
A partir de janeiro de 2023, quando o voto de qualidade retornou através de uma medida provisória, tivemos diversas teses que foram revertidas. Ou seja, tínhamos um posicionamento mais favorável ao contribuinte, mas, pela aplicação do voto de qualidade, passamos a ter um entendimento mais favorável ao fisco.
Dessa forma, através da experiência desses últimos meses, é possível constatar que o voto de qualidade normalmente é favorável ao fisco, o que prejudica e muito as discussões administrativas, pois o contribuinte já sabe que, em caso de empate, a decisão, possivelmente, será contra ele.
Entretanto, isso não significa que não vale a pena discutir uma demanda na esfera administrativa. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário por toda a discussão administrativa ocorre sem a necessidade de garantia do contribuinte, o que não ocorre na esfera judicial. Além disso, a lei 14.689/23 trouxe mais algumas vantagens para os contribuintes para tentar compensar o retorno do voto de qualidade.
Uma mudança que pode beneficiar o contribuinte prejudicado pela aplicação da sistemática do voto de qualidade é a possibilidade de discussão judicial dos débitos tributários questionados na esfera administrativa, sem a necessidade de garantia do juízo.
Isso implica que, por exemplo, se uma empresa está discutindo um determinado débito com a Receita Federal e recebe uma decisão favorável à fazenda através do desempate, ela poderá contestar esse débito no judiciário sem a necessidade de garantia do juízo. No entanto, essa possibilidade só se aplica se o contribuinte atender aos critérios de capacidade de pagamento definidos pela legislação1.
Apesar de os critérios para determinar a capacidade de pagamento de uma empresa serem complexos em alguns casos, essa dispensa pode beneficiar os contribuintes que receberem decisões desfavoráveis devido à aplicação do voto de qualidade.
Outro ponto importante introduzido pela lei 14.689/23 diz respeito às mudanças nas multas de ofício. É importante explicar que a multa de ofício é aplicada pela Receita Federal em situações em que o contribuinte não colabora com a fiscalização (multa agravada) ou quando não recolhe os tributos devidos ou não declara corretamente. A segunda multa pode ser qualificada com base na existência de sonegação, conluio ou fraude. É relevante ressaltar que a aplicação da multa qualificada não exclui a aplicação da multa agravada, o que pode resultar na cobrança de ambas as penalidades em conjunto.
Convém pontuar que o STF vai julgar a questão da limitação das multas tributárias não qualificadas, levando em consideração a aplicação do princípio do não-confisco (tema 1195), o que poderá modificar os percentuais de multas aplicáveis, dependendo do entendimento do tribunal.
Mas, falando especificamente das mudanças trazidas pela nova legislação, a multa qualificada, aplicável aos casos de sonegação, fraude ou conluio, foi reduzida de 150% para 100%, desde que o contribuinte não seja reincidente. Em caso de reincidência, o percentual de 150% permanece ativo. Assim, houve um pequeno benefício para o contribuinte autuado com a aplicação de uma multa de ofício qualificada, desde que ele não seja reincidente.
Entretanto, o melhor benefício trazido pela legislação, a meu ver, foi a possibilidade de autorregularização e a transação para os pagamentos dos débitos oriundos dos processos administrativos, cuja decisão se deu por meio do voto de qualidade.
Além disso, quando aplicável o desempate em favor do fisco, o contribuinte poderá realizar o pagamento do débito tributário após a decisão que determinou aquele valor devido com alguns benefícios. Isso significa que uma empresa que perde determinada demanda na esfera administrativa devido à aplicação do voto de qualidade poderá recolher o valor do débito sem os juros de mora, e este valor poderá ser parcelado em até 12 meses.
Outro ponto importante trazido pela lei 14.689/23 é a exclusão das multas e o cancelamento das representações fiscais para fins penais. Ou seja, na hipótese de o julgamento administrativo ser favorável ao fisco devido à aplicação do voto de qualidade, as representações fiscais para fins penais (quando um contribuinte comete um crime junto com uma infração tributária, como sonegação, por exemplo) serão canceladas.
Este último ponto é muito relevante para os contribuintes, pois se no julgamento do processo administrativo o resultado for decidido pelo voto de qualidade a favor do fisco (ou seja, por um representante da Receita Federal), o contribuinte não será responsabilizado penalmente por esse ilícito. Isso ocorre porque não houve um julgamento baseado na equidade propriamente dita, uma vez que os julgadores não chegaram a um consenso para a definição da matéria. Em vez disso, utilizou-se uma técnica de desempate, que normalmente é mais favorável ao fisco.
Não seria justo, em minha opinião, apresentar uma representação fiscal para fins penais quando não houver certeza sobre a ocorrência de um ilícito penal. O contribuinte poderia passar por um processo judicial desnecessário e oneroso. Nesse sentido, a legislação trouxe uma normativa justa para o contribuinte.
Por fim, uma importante oportunidade também trazida pela lei 14.689/23 é a transação para débitos inscritos em dívida ativa em discussão judicial, que surgiram com a aplicação do voto de qualidade na resolução do processo administrativo. A transação é uma das melhores formas de quitar débitos tributários, permitindo o pagamento desses saldos devedores com desconto e parcelamento, além da utilização de precatórios para adimplir parte da dívida.
A modalidade de transação trazida pela legislação que alterou a sistemática de desempate no CARF será regulamentada pela PGFN. No entanto, a lei já trouxe a possibilidade de redução e concessão de descontos de até 65% do crédito, com prazo máximo de quitação em 120 meses. Para as empresas que estão no Simples Nacional, o desconto pode chegar a até 70%, com parcelamento em até 145 meses.
É importante ressaltar que já existem outras modalidades de transação disponíveis para outros tipos de débitos junto ao fisco federal. Essa é uma oportunidade significativa para as empresas iniciarem 2024 com saúde financeira e regularidade fiscal.
Diante das questões apresentadas, é possível concluir que o retorno do voto de qualidade é prejudicial aos contribuintes. Muitas demandas que poderiam ser resolvidas no CARF acabam indo para o judiciário, uma vez que o entendimento da Fazenda tende a ter mais peso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Isso é prejudicial para a sociedade como um todo, pois aumenta o litígio, torna o sistema judiciário mais custoso e causa demora na resolução das questões, prejudicando tanto as empresas quanto o fisco.
No entanto, é crucial que os contribuintes, especialmente as empresas, não deixem de discutir as demandas tributárias na esfera administrativa. Essa abordagem pode ser muito menos dispendiosa do que recorrer ao judiciário, é mais ágil e oferece benefícios, como a suspensão da exigência do crédito tributário durante o período de discussão. Além disso, a lei 14.689/23 trouxe excelentes benefícios em relação ao parcelamento de débitos que tiveram sua constituição confirmada pelo voto de qualidade no CARF, o que pode auxiliar o contribuinte a liquidar esses débitos.
Portanto, embora tenhamos que lidar com a nova sistemática de desempate nos processos administrativos federais, é importante que as empresas estejam atentas às oportunidades trazidas com o retorno dessa sistemática, especialmente no que diz respeito à redução das multas tributárias de ofício e às possibilidades de parcelamento.
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1 Art. 4º Aos contribuintes com capacidade de pagamento, fica dispensada a apresentação de garantia para a discussão judicial dos créditos resolvidos favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.
§ 1º O disposto no caput deste artigo não se aplica aos contribuintes que, nos 12 (doze) meses que antecederam o ajuizamento da medida judicial que tenha por objeto o crédito, não tiveram certidão de regularidade fiscal válida por mais de 3 (três) meses, consecutivos ou não, expedida conjuntamente pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
§ 2º Para os fins do disposto no caput deste artigo, a capacidade de pagamento será aferida considerando-se o patrimônio líquido do sujeito passivo, desde que o contribuinte:
I – apresente relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, caso seja pessoa jurídica;
II – apresente relação de bens livres e desimpedidos para futura garantia do crédito tributário, em caso de decisão desfavorável em primeira instância;
III – comunique à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a alienação ou a oneração dos bens de que trata o inciso II deste parágrafo e apresente outros bens livres e desimpedidos para fins de substituição daqueles, sob pena de propositura de medida cautelar fiscal; e
IV – não possua outros créditos para com a Fazenda Pública, presentes e futuros, em situação de exigibilidade.