O desenvolvimento de máquinas com a capacidade de agir e pensar por si e comportando-se com autonomia de desígnios e que pudessem substituir ao homem em suas atividades, sempre esteve presente no imaginário da civilização na forma de filmes e livros. Nos últimos anos, todavia, a ficção tem se tornado realidade em diversos segmentos da atividade econômica, e como não poderia ser diferente, na advocacia.
Embora a concepção dos robôs cristalizada nos filmes, antropomorfizada, ainda seja mais presente na ficção, sua concretude na forma de programas e sistemas de computador está cada vez mais presente em nosso dia a dia, com repercussões diretas no mundo do direito. Sua capacidade de agir de forma cada vez mais autônoma com o passar dos anos faz com que eles deixem de serem encarados como meras ferramentas, passando a desempenhar ações independentes de qualquer orientação humana mediante uso de Inteligência Artificial.
Além da automatização de processos e rotinas de forma inteligente, os robôs já desempenham diversas atividades em substituição a ação humana, como no desarmamento de bombas, na inspeção de cabos submarinos e na vigilância aérea de florestas, por exemplo. E quando autômatos precisam tomar decisões com base que dados que eles próprios irão analisar sem qualquer interação com seus criadores humanos, as polêmicas são inevitáveis.
Não é demais recordarmos, que a Responsabilidade Civil Extracontratual, ou aquiliana, na teoria clássica é caracterizada pela presença de quatro elementos, em resumo: ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo de casualidade e o dano. Levando-se em conta que robôs que agem por meio da tecnologia disponibilizada por inteligência artificial e algoritmos podem vir a causar danos, independente da intercessão de qualquer ser humano, algumas perplexidades se impõem na prática.
Uma primeira delas é a possibilidade de as próprias entidades dotadas de inteligência artificial serem responsabilizadas por seus atos, algo que está longe de pertencer a ficção. Neste sentido, temos a Resoluc¸a~o de 16 de fevereiro de 2017, emanada do Parlamento Europeu, recomendando a Comissa~o de Direito Civil sobre Robo'tica (2015/2103-INL), que analisasse os impactos futuros que a Inteligência Artificial pode vir a gerar na sociedade como um todo. Tal recomendação, inclusive, se volta a investigar a possibilidade de instituição de uma situação juri'dica especi'fica para alguns os robo^s auto^nomos mais sofisticados, compreendendo inclusive, o dever de reparar danos.
Outra dúvida ligada a responsabilidade civil extracontratual nestes casos, pode levar em conta que os robôs dotados de inteligência artificial possuem a habilidade de acumular experiências próprias e agir de acordo com processos decisórios próprios em alguns casos. Por exemplo, a autonomia criada pela Inteligência Artificial rompe a cadeia de responsabilização que os liga a fabricantes e programadores? E o dever de indenizar patrimonialmente os danos eventualmente causados, como imputá-los a uma máquina?
Os próprios escritórios de advocacia precisam usar de muita parcimônia na adoção de robôs e sistemas autônomos em suas atividades diárias, sob pena de causar sérios danos aos seus clientes. Recentemente, conforme reportagem do New York Times largamente reproduzida no Brasil em diversos portais, o advogado norte americano Steven A. Schwartz utilizou o Chat GPT para redigir uma petição em um processo movido em face de uma companhia área, e a inteligência artificial simplesmente inventou julgados e acórdãos utilizados pelo jurista.
O magistrado do processo afirmou que o documento elaborado pelo advogado se encontrava repleto de citações e decisões judiciais falsas, o que prejudicou o trâmite processual, o cliente e sua própria carreira, uma vez que a situação ganhou grande repercussão na imprensa. Culpa da Inteligência Artificial ou culpa do advogado?
Temos a percepção clara de que o ordenamento jurídico se encontra, neste momento, em um processo de assimilação dos impactos de tais tecnologias altamente disruptivas a seus dogmas e conceitos, com vista realizar as devidas adaptações se for o caso, a esta nova realidade.
Com efeito, atualmente o meio jurídico, ao analisar as complexas relações entre consumidores, vítimas, empresários, fabricantes, programadores e os próprios robôs, ainda se debruça sobre mais perguntas do que respostas, o que é absolutamente natural. René Descartes, um dos fundadores da filosofia moderna e figura central na Revolução Científica no Século XVI, afirmou: “daria tudo que sei pela metade do que ignoro.” E é justamente essa ânsia pelo conhecimento e pelo progresso que nos torna tão humanos.