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Sistema de proteção infantil: o que falta para efetivar o combate à violência?

Objetiva-se com este artigo mostrar, além da prática de violências específicas, seja física ou psicológica, a ineficiência de atuação dos Estados em geral e de outros setores envolvidos, a exemplo de comunidades locais e de familiares, em garantir um desenvolvimento social, emocional e físico saudável a diversas crianças.

5/10/2023

Introdução

Em novembro de 1989, as Nações Unidas adotaram o maior instrumento do direito internacional no que tange à proteção dos direitos das crianças, um acordo formal entre os Estados denominado “Convenção sobre os Direitos das Crianças” (HARVARDX, 2021) que, em menos de um ano, se tornaria lei. Todavia, o maior desafio se encontra justamente em concretizar essa internacionalização dos direitos previstos pela Convenção, ou seja, ainda estamos distantes da idéia de universalidade e isso apresenta como uma das causas a permanência de hábitos culturais que não necessariamente representam os melhores interesses da criança, muitas vezes sendo até prejudiciais para o desenvolvimento desta, a exemplo da mutilação genital feminina que é algo muito comum ainda no continente africano. Deixando claro, não estamos tratando da imposição de uma cultura sobre a outra, mas sim da busca do diálogo, de meios alternativos para alcançar os melhores interesses das crianças, grupo vulnerável que necessita ser escutado e ter uma rede de proteção.

Outrossim, além da mutilação genital feminina, forma de violência específica cometida contra muitas crianças, também será trabalhado neste presente artigo os impactos da detenção juvenil nas crianças e adolescentes que sofrem frequentemente com a aplicação inadequada desse sistema, onde, infelizmente, ainda é muito comum o uso da solitária como punição, a exemplo de países como os EUA, o que ocasiona terríveis impactos no desenvolvimento infantil, sendo, pois, uma forma de violência psicológica.

Além da questão da pluralidade cultural, outro fator que representa um empecilho para o fenômeno da universalidade dos direitos humanos das crianças é o fato de que, infelizmente, diversos países que aderem à Convenção implementam no seu ordenamento jurídico interno de forma incompleta, ou o deixam de fazer, as prerrogativas previstas neste acordo e isso se dá por intermédio da falta de criação de políticas públicas efetivas voltadas para a redução da desigualdade e de leis que dificultem o acesso a armas. Todos esses fatores estão diretamente concatenados com a formação de gangues e de crimes organizados que ameaçam crianças e matam famílias em diferentes comunidades e é justamente esse fenômeno da criminalidade que conduz diversos jovens a sair de suas casas e a buscar abrigo em outros países por terem a sua família assassinada ou por estarem sendo ameaçados, uma vez que não querem se tornar membro de uma organização criminosa, o que é muito comum em países como México, Honduras, El Salvador e Guatemala. Ai entra o sistema de imigração que, na forma como ocorre, acaba sendo outra forma de violência contra o jovem, o que inclui desde o processo de saída do país de origem até o acolhimento em outro país. Tal problemática é indispensável para o desenvolvimento deste artigo.

Levando todos esses fatores em consideração, o filósofo Zigmunt Baumann, em sua obra Amor Líquido (BAUMAN, 2004), expõe a falta de solidez nas relações sociais, políticas e econômicas vividas no século XXI. Diante disso, há diversos aspectos que necessitam da atenção dos governos e da pactuação social e política a fim de promover o bem-estar da sociedade. Assim, o presente artigo objetiva expor a realidade de muitas crianças em relação à prática de diferentes formas de violência e propor medidas que deveriam ser adotadas por todos os Estados em geral para efetivar o combate à violência e criar uma rede de proteção infantil consolidada, envolvendo não só as autoridades, mas também as comunidades locais.

Os impactos da detenção juvenil

O Comitê sobre os Diretos das Crianças” (HARVARDX, 2021), corpo das Nações Unidas formado por 18 especialistas independentes responsáveis por monitorar a implementação da Convenção sobre os Direitos das Crianças pelos seus Estados-membros, frequentemente recomenda que os países busquem sempre aumentar a idade mínima da responsabilidade criminal, estabelecendo 12 anos como a idade mínima absoluta. Todavia, o que se percebe é uma grande variação entre os países, desde aqueles que adotam 18 anos, a exemplo do Brasil, até os países cujas crianças podem ser responsabilizadas criminalmente a partir dos oito anos, como Antígua e Barbuda. Isso prova como ainda estamos distante do fenômeno da universalidade.

Antes de tudo, é fundamental que se compreenda os elementos que compõem a política da Justiça Juvenil (CRIN, 2018) de acordo com os padrões internacionais: prevenção, desvio e reintegração. O primeiro busca prevenir a justiça juvenil com programas em geral que incluam todas as crianças por intermédio das escolas e das famílias, sendo uma forma de assegurar a transmissão de valores e de orientações. No que tange ao segundo elemento, este traz a idéia de que, ao invés de se focar em levar os menores infratores para as cortes, o ideal seria direcioná-las para as soluções da comunidade. Por fim, a reintegração é o fim primordial de todo sistema juvenil, em outras palavras, reinserir o jovem na sociedade, permitindo que nela possa contribuir, desempenhar um papel.

De acordo com o art. 37 da Convenção sobre os Direitos das Crianças (UNHR, 2018), “Os Estados-membros devem assegurar que:

(a) Nenhuma criança será submetida a tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Nem a pena de morte nem a prisão perpétua sem possibilidade de libertação serão impostas para os crimes cometidos por pessoas com menos de dezoito anos de idade;

(b) Nenhuma criança será privada de sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária. A prisão, detenção ou prisão de uma criança deve estar em conformidade com a lei e deve ser usada apenas como medida de último recurso e pelo menor período de tempo apropriado;

(c) Toda criança privada de liberdade deve ser tratada com humanidade e respeito pela dignidade inerente à pessoa humana, e de uma maneira que leve em consideração as necessidades de pessoas de sua idade. Em particular, toda criança privada de liberdade deve ser separada dos adultos, a menos que seja considerado no melhor interesse da criança não fazê-lo e terá o direito de manter contato com sua família por meio de correspondência e visitas, salvo em circunstâncias excepcionais;”

Infelizmente, o que se percebe em boa parte do mundo é a existência de um sistema inadequado de detenção juvenil e isso se dá por intermédio do uso abusivo, desproporcional e prolongado da solitária como forma de punição. Tal problemática se torna aspecto preocupante na medida em que, além de representar uma grave violação da dignidade humana, estamos tratando de crianças, grupo vulnerável ainda em desenvolvimento cujos melhores interesses precisam ser zelados e o uso da solitária ocasiona impactos extremamente prejudicias ao desenvolvimento social, emocional e físico do jovem. Mas afinal, o que é o confinamento solitário?

O confinamento solitário é o nome que se dá ao isolamento físico e social ao qual o indivíduo é submetido durante um período de 22,5h até 24h em uma cela específica, vigiada regularmente por guardas (AYAN et al., 2008). Nessa perspectiva, há um acesso, quando há, extremamente limitado a atividades educacionais e físicas, sempre de forma isolada dos demais, o que inclue a visita de entes queridos que é feita sem o contato físico. Tal medida pode durar meses até anos.

Três fatores primordias são inerentes à natureza do confinamento: isolamento social, atividades reduzidas e perda da autonomia e do controle de quase todos os aspectos da vida diária. A união desses elementos dá origem a um ambiente tóxico gerador de diferentes problemas (WHO, 2013). Dentres os problemas físicos é indispensavel citar: insonia, palpitações cardíacas, agravamento de problemas médicos pré-existentes, deterioração da visão, perda de peso, dores no corpo, etc. No que se refere aos problemas psicológicos, por sua vez, temos: altos níveis de estresse, ansiedade, depressão, raiva, paranóias, automutilações e suicídio. Resumindo, o confinamento é um sistema que viola com todas as condições para que se tenha uma vida minimamente humana e uma vez que os direitos humanos é uma rede que conecta a todos, a violação dos direitos de um representa uma afronta a toda humanidade.

Caio Gonçalves
Graduando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, 8° período (UFPE). Pesquisador, estagiário do Ministério Público do Trabalho (MPT-PE) e membro da Comissão da Promoção da Igualdade Racial OAB-CE.

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