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Cumprimento de obrigação de fazer e não fazer prevista em sentença deve ser computado em dias úteis

STJ confirmou seu entendimento sobre o prazo por serem de natureza processual e não material.

4/10/2023

1. A natureza dos prazos no CPC: processual vs. material

Todos os profissionais que lidam, de alguma maneira, com o contencioso judicial, o maior temor certamente é se ver em uma discussão a respeito da intempestividade na prática de um ato no âmbito de um processo judicial.

Antes da entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (“CPC”), o antigo código de 1973 previa um regime de contagem de prazos de forma contínua e ininterrupta, tendo sido inegavelmente uma das principais novidades do CPC a disciplina na contagem dos prazos processuais, que passou a serem computados em muitos casos apenas em dias úteis. Ocorre que mesmo após alguns anos de vigência do “novo” CPC, este ainda continua gerando dúvidas e debates acerca da contagem dos prazos.

De acordo com o previsto no parágrafo único do art. 219 do CPC na contagem dos prazos processuais serão considerados apenas os dias úteis. Na prática forense, no entanto, muitas situações suscitaram a discussão a respeito da natureza do prazo para a prática de determinado ato, isto é, se de natureza processual ou material.

O prazo processual é aquele considerado o lapso temporal para a prática de um ato em decorrência de um processo judicial1, enquanto o prazo material é aquele estabelecido pelo direito material, como, por exemplo, o prazo decadencial.

Muitos dos prazos previstos no CPC não geram dúvidas quanto à sua natureza, eis que nitidamente de natureza processuais (p. ex., prazo para interposição de recursos, emenda a petição inicial, etc.), agora outros prazos também dispostos no Código geram certo debate no Poder Judiciário, sendo um deles justamente o prazo para o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer previstas em sentença (CPC, arts. 536 e 537).

Nesse sentido, considerando a ressalva feita no parágrafo único do art. 219 do CPC, a doutrina passou a analisar o que seriam os prazos de natureza processual, sendo que parte dela passou a entender que seriam aqueles para “o cumprimento de obrigação impostas por título judicial (arts. 513, 523, 528) ou extrajudicial (arts. 806, 815, 822)”, uma vez que esses prazos seriam deflagrados por ato de comunicação processual e cujo descumprimento gera consequências processuais. Especificamente quanto ao tema do cumprimento de obrigações de fazer e não fazer, Cassio Scarpinella Bueno é enfático:

“[...] o prazo para que o executado faça ou não faça deve observar o disposto no caput do art. 815, aqui aplicável por força dos capi dos arts. 513 e 771: será o constante do título (sentença, acórdão, decisão monocrática ou decisão interlocutória que se quer cumprir) ou, no seu silêncio, fixado casuisticamente pelo magistrado. Ainda que fixado em dias – e a prática forense mostra que este é o referencial mais comum -, a sua contagem deve computar apenas os dias úteis, em função da dicotomia estabelecida pelo art. 219. Trata-se invariavelmente de prazo processual porque o fazer e o não fazer que interessam ao exame dos arts. 536 e 537 são fruto de determinação – de verdadeira ordem – judicial. Não há como confundir essa realidade (processual) com a atitude a ser adotada pela parte no plano material para aquela observância, ainda que o comportamento ou a abstenção independa de participação de advogado ou, mais amplamente, de alguém munido de capacidade postulatória.” 

Em sentido contrário, parte da doutrina defende que, por se tratar de atos que serão cumpridos pelas partes, fora do processo judicial, o prazo para o cumprimento de obrigação de fazer, seja proveniente de tutela de urgência ou de sentença, teria natureza material, devendo serem contados de forma ininterrupta.

O debate a respeito da natureza do prazo para o cumprimento da obrigação de fazer e não fazer prevista em sentença, sem surpresa, chegou ao Poder Judiciário, que se divide, ainda nos dias de hoje, como notamos, por exemplo, em julgados recentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Esta diferenciação [se o prazo é de natureza processual ou material] é fundamental principalmente em razão das consequências causadas pelo não cumprimento tempestivo de determinada obrigação, que pode acarretar, por exemplo, a aplicação de sanções processuais, porém também para o próprio titular do direito material que saberá, com segurança, se o prazo concedido é razoável ou não.

2. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça

Com o objetivo de sanar eventuais questionamentos sobre o tema, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em junho de 2021, ao julgar o Recurso Especial n. 1.778.885/DF, sob relatoria do Min. OG FERNANDES, a partir da ratio decidendi do julgado que definiu a natureza do prazo para o pagamento voluntário definido no art. 523 do CPC, consignou que a natureza do prazo para o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer estipulada em sentença é processual, devendo, por conseguinte, ser computado em dias úteis.

Agora, recentemente, ao julgar o Recurso Especial n. 2.066.240/SP, no mesmo sentido caminhou a 3ª Turma da Corte Superior para reiterar o entendimento de que a natureza do prazo para o cumprimento de sentença de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa é processual, ou seja, deve ser contado em dias úteis, conforme prevê o art. 219, do Código de Processo Civil.

No caso analisado, a solução da questão era relevante, uma vez que a parte recorrente havia sido condenada ao pagamento de multa por suposto descumprimento da obrigação dentro do prazo concedido, pois o Tribunal local entendeu que a contagem do prazo deveria ser feita em dias corridos, havendo, assim, um atraso de 7 dias no cumprimento da obrigação. No entanto, se considerada a contagem em dias úteis, como fez o Tribunal Superior, o cumprimento da obrigação teria ocorrido antes mesmo do termo final, restando, portanto, afastada a incidência das astreintes.

Para chegar a essa conclusão o relator fundamentou a sua decisão argumentando, em síntese, que o cumprimento ou não da obrigação de fazer e não fazer prevista em sentença não se restringe apenas ao direito material, eis que ecoa também no processo, na medida em que pode levar a extinção da fase executiva ou, a depender, a adoção de medidas coercitivas. Concluiu, então, o Ministro que “o prazo para adimplemento voluntário de cumprimento de sentença de obrigação de fazer, de não fazer ou de entregar coisa, a ser fixado de forma razoável em cada caso pelo juiz, possui natureza processual, computando-se em dias úteis, nos termos do art. 219 do CPC/2015”.

Tal entendimento vai de encontro com o firmado pela Segunda2 Turma do Superior Tribunal de Justiça, caminhando para uma pacificação a respeito da natureza processual do prazo para o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer no referido Tribunal.

3. Conclusão

A despeito da relevante doutrina que defende a natureza material do prazo para o cumprimento de obrigações de fazer e não fazer dispostas em títulos executivos, pois o prazo dependeria da prática pela própria parte e não do advogado eventualmente constituído, nos parece acertada a doutrina e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a natureza para o cumprimento destas obrigações é de natureza eminentemente processual, posto que o parágrafo único do art. 219 do CPC ao estabelecer a contagem em dias úteis para o cumprimento de prazos processuais não condicionou a sua incidência a quem seria o responsável pela prática do ato, mas sim a repercussão ou não em um processo judicial.

Portanto, uma vez ser inequívoco que o cumprimento ou não de uma obrigação de fazer ou não fazer disposta em título executivo trará repercussões que transcendem ao direito material já que acarretará consequências processuais, nos parece caminhar bem o STJ ao definir como de natureza processual o prazo para cumprimento das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa.

Apesar destas decisões do Superior Tribunal de Justiça não vincularem as demais instâncias, nos parece que o STJ se aproxima de uma consolidação de seu entendimento no que tange a natureza processual para o cumprimento de quaisquer obrigações, seja de pagar, seja de entregar coisa, fazer ou não fazer, dando certa segurança jurídica para todos que atuam na prática forense, a qual muitas vezes não há pacificidade jurisprudencial sobre tantos temas.

Lucas Ribeiro Vieira Rezende
Advogado do escritório Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual, com atuação em Contencioso Cível e Propriedade Intelectual. Graduado em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito e Economia. Mestrando e pós-graduando em Direito Processual Civil na PUC/SP.

Verônica Borda
Advogada do escritório Kasznar Leonardos. Graduada em Direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro e em Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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