O estado de pandemia gerado pelo vírus da covid-19, aliado a avanços tecnológicos na área da informática, revolucionou a ação da Justiça substituindo os atos presenciais por atos praticados de forma remota.
Assim vieram as audiências virtuais, bem como as sessões de julgamento virtual.
A lei 11.419, de 19 de dezembro 2006 que dispõe sobre a informatização do processo acha-se praticamente incorporada ao CPC de 2015 em seus arts. 196 a 199.
O art. 196 comete ao CNJ e, supletivamente, aos tribunais, regulamentar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meio eletrônico e velar pela compatibilidade dos sistemas, disciplinando a incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos.
O art. 197 dispõe que os tribunais divulgarão as informações constantes de seu sistema de automação em página própria na rede mundial de computadores, gozando a divulgação de presunção de veracidade e confiabilidade.
O art. 198, por sua vez, prescreve que as unidades do Poder Judiciário deverão manter gratuitamente, à disposição dos interessados, equipamentos necessários à prática de atos processuais e à consulta e ao acesso do sistema e aos documentos dele constantes, prescrevendo o seu parágrafo único que será admitida a prática de atos processuais por meio não eletrônico no local onde não estiverem disponibilizados os equipamentos previstos no caput.
Por derradeiro, o art. 199 determina que as unidades do Poder Judiciário assegurarão às pessoas com deficiência acessibilidade a seus sítios na rede mundial de computadores, ao meio eletrônico de prática de atos judiciais, à comunicação eletrônica dos atos processuais e à assinatura eletrônica.
Em suma, esses dispositivos legais objetivam conferir uniformidade ao processo informatizado, a publicidade dos atos processuais, além da acessibilidade e inafastabilidade de acesso à jurisdição que é um direito fundamental do cidadão.
Regulando o disposto no art. 196 do CPC o CNJ editou da resolução 314 cujo art. 6º prevê a realização de atos virtuais a serem implementados por meio de ferramenta Cisco Wesex ou outra equivalente, devendo a gravação desse ato ser imediatamente disponibilizada no andamento processual. Segundo dispõe o § 3º, do art. 6º as audiências de primeiro grau por videoconferência devem considerar as dificuldades de intimação das partes e testemunhas, utilizando-se esses atos somente quando for possível a participação, vedada a atribuição de responsabilidade aos advogados e procuradores em providenciar as presenças das partes e testemunhas a qualquer localidade que não sejam prédios oficiais do Poder Judiciário para participação em atos virtuais.
Audiências por videoconferência de que trata o referido texto normativo se refere a audiências por sessão telepresencial que outra coisa não é senão uma sessão presencial por meio de videoconferência.
O emprego de videoconferência no interrogatório de réu preso significou um grande avanço, economizando tempo e recursos financeiros com o deslocamento do preso até a sede do juízo.
Sessão por videoconferência difere da sessão virtual prevista no art. 21-B do Regimento Interno do STF e nas resoluções 642/19 e 669/20.
A disposições desses atos normativos que disciplinam as sessões virtuais de julgamento podem ser assim resumidas:
a) todos os processos de competência do STF, a critério do Relator ou do revisor com a concordância do primeiro podem ser julgados em sessão virtual;
b) serão julgados preferencialmente em sessão virtual os agravos internos, os embargos de declaração, as medidas cautelares em ações de controle concentrado, o referendo de medidas cautelares e de tutelas provisórias concedidas pelo relator;
c) observa-se o intervalo mínimo de 5 dias úteis entre a data da publicação da pauta e a data do início da sessão virtual;
d) a sustentação oral, por meio de arquivo áudio-visual, deve ser enviado eletronicamente no prazo de 48 horas antes do início da sessão de julgamento.
e) o Ministro Relator deve incluir a sua manifestação (ementa, relatório e voto) na data do início da sessão e os demais têm o prazo de cinco dias úteis para apresentarem seus votos sendo que a omissão importa na concordância com o voto do Relator;
f) em havendo pedido de destaque a sessão de julgamento virtual é retirada de pauta sendo o julgamento incluído na sessão de julgamento presencial ou telepresencial;
g) se houver pedido de vista, o julgamento poderá prosseguir em uma nova sessão de julgamento presencial ou telepresencial.
Há inegavelmente vantagens no que diz respeito aos custos de deslocamento de advogados de longínquas cidades para sustentação oral em sessão presencial do STJ ou do STF.
Só que a entrega da sustentação oral em forma de um vídeo gravado e com 48 horas de antecedência não tem a mesma eficácia de uma sustentação oral que se faz da tribuna logo após a leitura do relatório pelo Relator. Se o relatório, eventualmente, for lacunoso ou contiver equívoco quanto à exposição dos fatos o advogado não terá a oportunidade de completá-lo ou rebater a versão equivocada dos fatos.
E mais, a impossibilidade de debates entres os Ministros que costumam ocorrer em sessões presenciais, bem como a adesão ficta ao voto do Ministro Relator por parte do Ministro que deixou de se pronunciar no prazo, certamente, conspira contra os interesses da ampla defesa do réu.
Contudo, o que mais nos preocupa é que essas sessões virtuais não observam o princípio da publicidade que está expresso no art. 93, IX da Constituição nos seguintes termos:
“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”
Parece fora de dúvida que as sessões virtuais de julgamento não atendem ao requisito constitucional da publicidade, nem assegura o sigilo nos casos de direito à intimidade, pois nada garante que a sessão de julgamento não seja gravada pelo advogado.
Só a ideia de que os julgamentos virtuais realizados até hoje sejam questionados por inobservância do princípio da publicidade nos assusta. Isso ocorrendo poderíamos ter uma montanha de processos anulados, dentre eles os processos em que forem condenados em sessão de julgamento virtual os réus do atentado do dia 8 de janeiro de 2023. A retirada desses processos da sessão virtual pela Ministra Presidente da Corte Suprema, atendendo à solicitação da OAB, seria uma medida prudente e razoável.