Interessantes e estratégicos os dados comprobatórios que reconhecem Administração Pública (lato sensu) como uma grande consumidora que, com as compras e contratações que realiza, movimenta valores entre 10% e 15% do PIB nacional, e que, quando assume políticas pró-sustentabilidade, torna-se um bigplayer capaz de influenciar todo o ciclo de consumo no Brasil.
Dentre os objetivos da lei 14.133/21, Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLCA, destaca-se, além da tradicional seleção de proposta mais vantajosa para a AP e do indispensável tratamento isonômico entre os licitantes, o incentivo à inovação e ao desenvolvimento nacional sustentável, pelo que delega à alta administração o dever de implementar instrumentos de governança nas suas contratações.
Ainda em 2021, por intermédio da Portaria SEGES/ME 8.678/21, o tema da governança das contratações públicas foi regulamentado, no âmbito da APFD, autárquica e fundacional. Além disso, admitiu-se como adequado que os entes subnacionais que contratassem fazendo uso de recursos federais, ou seja, aqueles advindos das transferências voluntárias, se submetessem aos seus dispositivos.
Restou definido que a governança das contratações públicas é um: “conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas” que tem o propósito de “agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis”.
É neste contexto operativo que o denominado Plano Diretor de Logística Sustentável – PLS, se revela como um instrumento de governança pelo qual se pretende estabelecer estratégias de contratações e de logística, que considerem critérios e práticas de sustentabilidade em quatro dimensões: econômica, social, ambiental e cultural, bem como observe, no que couber, as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS da Agenda 2030, da ONU.
A ideia de uma logística sustentável, também denominada “logística verde” nasce da percepção, de governos e sociedades globais, quanto à imperiosa necessidade da implementação de políticas e ações sejam direcionadas à redução dos danos ambientais causados pelos processos, infraestrutura e sistemas logísticos. Pretende, portanto, alterar a maneira como os serviços são prestados ou os bens fornecidos na cadeia logística, tornando-os mais socialmente e ecologicamente equilibrados.
Assim, uma logística sustentável propõe que sejam levadas em consideração a redução dos custos logísticos, por intermédio de mecanismos que gerem maior eficiência, a utilização de materiais ecológicos e energias renováveis, a fim de promover uma verdadeira cultura ambiental, seja endógena ou exógena, que alcance todos os atores envolvidos.
A Portaria SEGES/ME 8.678/21 impôs aos órgãos e as entidades da AP que elaborem e implementem seus PLS, seguindo um “modelo de referência” oficial, pelo que estabelece seu conteúdo mínimo, que deve contemplar: diretrizes para a gestão estratégica das contratações e da logística; metodologia para aferição de custos indiretos, especialmente vinculados ao ciclo de vida do objeto contratado; diversas ações voltadas para sustentabilidade, desde a racionalização do consumo consciente de bens e serviços e da ocupação dos espaços físicos, até a “divulgação, conscientização e capacitação acerca da logística sustentável”; responsabilidades dos atores envolvidos com o PLS; e metodologia para implementação, monitoramento e avaliação do Plano.
Importante destacar que o PLS assenta diretrizes para a elaboração de outros importantes documentos vinculados às licitações e às contratações públicas, como os estudos técnicos preliminares, os anteprojetos, os projetos básicos e os termos de referência. O ato normativo, por fim, anteviu a necessidade de normas complementares garantidoras de sua execução e operabilidade. Foi o que promoveu Portaria SEGES/MGI 5376/23, que instituiu o “Caderno de Logística do Plano Diretor de Logística Sustentável – PLS”, exatamente o “modelo de referência” supracitado.
Levando em conta as fases necessárias para qualquer proposição de gestão profissional, o Caderno de Logística considera como fundamentais para um adequado PLS o cumprimento de quatro etapas: 1. preparação, que abrange: mobilização dos atores, definição das equipes de trabalho e de suas competências, e cronograma; 2. elaboração com: investigação e diagnóstico das problemáticas, proposição de objetivos e soluções, e a validação final do plano, ou seja, a aprovação pela autoridade competente, provendo a publicação, em site, do PLS; 3. execução, na qual as ações planejadas são colocadas em prática, devendo sujeitar-se a monitoramento que identifique, evite e corrija desvios; e 4. avaliação, que afere os resultados obtidos, buscando comprovar a efetividade das ações, e identificando elementos para a revisão do PLS.
O Caderno é, sem dúvida, juntamente com o Guia Nacional de Contratações Sustentáveis, elaborado pela Advocacia-Geral da União – AGU, material de pesquisa obrigatório e constante, especialmente para agentes públicos envolvidos com compras públicas, bem como para os que atuam em órgão de controle (interno e externo), gestores e fiscais de contratos. Também é fundamental aos empresários e profissionais que atuam na área de licitações e contratos públicos, visto que as diretrizes estabelecidas pelo documento se projetam como desafios e requisitos para futuros ou pretensos licitantes.
Como referido anteriormente, um dos conteúdos obrigatórios de qualquer PLS é a definição de uma metodologia para aferição de custos indiretos. Segundo a dicção da NNLCA (Art. 34, § 1º) esses custos abarcam: “[....] despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado” e que devem ser bem delimitados visando promover o menor dispêndio para Administração Pública, por uma escolha mais vantajosa. São as despesas que excedem o custo de aquisição de um produto ou serviço (custo direto), consideradas, muitas vezes, como “despesas administrativas” ou “despesas pós-aquisição.”
Optou-se, na relação entre os custos indiretos e a sustentabilidade, pelo denominado “custo do ciclo de vida do objeto” que aponta com melhor parâmetro para as compras sustentáveis a metodologia da Análise do Ciclo de Vida (ACV), já conhecida em outras áreas (especialmente da iniciativa privada) e em vários países há décadas, e que já se desenvolve no Brasil há pelo menos 20 anos, possuindo, inclusive, regras e indicadores formalizados pela ABNT, como as NBR ISO 14044 e NBR ISO 14040.
O Caderno apresenta fórmulas para mensuração dos custos indiretos que pretendem confirmar as “vantagens de comprar materiais ou serviços mais duráveis e sustentáveis, assegurando o desenvolvimento nacional sustentável”. O fator econômico, que já foi central nas contratações públicas, agora, deve ser colocado no mesmo patamar dos fatores social e ambiental.
Por exemplo, o Estudo Técnico Preliminar (ETP), que é documento fundamental no planejamento das contratações públicas, deve, a partir de então, levar em consideração para levantamento dos cursos indiretos os seguintes aspectos: despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e tratamento de resíduos sólidos e impacto ambiental.
A respeito das despesas de manutenção, o ETP precisa verificar se existe facilidade de acessar assistência técnica especializada, sua periodicidade prevista e se haverá demanda para estocar material que viabilize a realização da tarefa. Já na utilização do objeto que se pretende contratar é imprescindível analisar-se, nos estudos preliminares, sua “eficiência energética”, levantando informações técnicas quanto ao consumo (e.g. combustível, baterias/pilhas) e vida útil, além de identificar se será requerido pessoal especializado para sua operacionalização.
E quanto à reposição de peças? Deve o ETP investigar o valor e a disponibilidade das mesmas, averiguando, inclusive, se são importadas, e se mão-de-obra terceirizada para realizar a empreitada será contratada. Além disso, não se pode esquecer do processo natural e irreversível de depreciação que incide sobre o objeto contratado, sendo imperioso verificar aspectos como: obsolescência do bem; restrições legais e contratuais que limitem temporalmente sua utilização ou exploração; existência de política de gestão de ativos do órgão ou entidade.
Por fim, os estudos preliminares precisam considerar, quanto ao tratamento de resíduos sólidos e o impacto ambiental, perspectivas relativas ao treinamento para manejo adequado de resíduos; gastos com logística, logística reversa e armazenamento. São tantos os detalhes, apenas quanto aos custos indiretos, que o Caderno recomenda que tal estudo seja realizado por um “grupo de trabalho multidisciplinar”, que pode contar com o apoio de licitantes interessados no fornecimento de dados específicos.
Sem dúvidas, se a elaboração de um “simples” estudo preliminar, baseado nas diretrizes da logística sustentável, se projeta como um processo muito mais detalhado e trabalhoso, gerando desafios e dificuldades, imagine-se o esforço e disciplina necessários para a concepção de um Plano Diretor de Logística Sustentável, seja completamente novo ou revisado. Lembre-se que os órgãos e entidades da APF, que possuírem seus PLS, devem ajustá-los ao modelo constante do “Caderno” até 31 de dezembro de 2024, e, aqueles que estiverem em fase de elaboração, já devem se submeter às diretrizes do documento, finalizando a concepção/adaptação e iniciando a implementação no prazo de cento e oitenta dias, contados da publicação da Portaria 5376/23.
Como disse recentemente Paul Polman, destacado membro do conselho do Pacto Global da ONU, “Toda mudança para modelos de negócios mais sustentáveis exige sacrifícios. O custo de não agir é maior que o custo de mudar". Vamos todos agir, e agir juntos! O Caderno de Logística do Plano Diretor de Logística Sustentável – PLS é um importante e indispensável instrumento facilitador para a ação.