Migalhas de Peso

O valor das cotas das limitadas nos casos de retirada ou exclusão forçada de sócios

Reconhece a realidade econômica de certos “ativos” que se revelam imateriais, mas que tem sua valia refletida na sua capacidade de prover lucros para a sociedade.

27/9/2023

Desde a ordem jurídica anterior na matéria das sociedades limitaras (decreto 3708/19) criou se uma certa discussão doutrinaria, com repercussões jurisprudenciais, sobre o valor de reembolso das cotas do socio retirante.

De um modo geral acreditava-se que seria caso de um ‘balanço de determinação” que na data da retirada ou exclusão apurasse o real valor daquela fração do capital social refletido nas cotas do retirante.

Isso contemplava a consideração de que se teria que determinar, calcular, o real valor patrimonial daquelas cotas, e não a sua então corrente expressão contábil, quase sempre divorciada da verdadeira realidade econômica

Nas sociedades com patrimônio imobiliário ou mesmo bens moveis relevantes, marcas poderosas ou eventuais patentes de valor razoável, uma perícia competente desvendaria tais montantes do patrimônio social com expressão econômica. Até os ativos de menos concretude, como “good will” ou fundo de comercio nas empresas comerciais seriam aceitos como ativos que teriam realidade econômica para integrar o valor das cotas em apreço.

Mas sempre nos preocupou nessa matéria a hipótese de sociedades de serviços, como as de profissões liberais como as de contadores advogados ou médicos,

cuja expressão patrimonial aparente é geralmente desprezível em termos econômicos, anotando se ademais que hoje, na plena era digital as bibliotecas técnicas de via física perderam expressão e peso.

Em um certo momento de reflexão doutrinaria e repercussão jurisprudencial cogitou se com subsídios valiosos da ciência econômica, o conceito de “fluxo de caixa descontado”, um cálculo de mensuração econômica que expressasse enfim a capacidade e a expectativa séria daquela sociedade para produzir lucros no futuro próximo, vis a vis o custo financeiro de seu patrimônio.

Essa apreciação mais sofisticada da medida do valor de uma sociedade parece não ser de fácil assimilação pelo judiciário. De início, assim que tal conceito surgiu na literatura econométrica, alguns julgados indicaram aceita-la como um retrato patrimonial mais acurado, mas no correr dos anos a jurisprudência tem se inclinado a rejeitar essa apreciação de valor social.

Recentemente, no acordão da 4ª. turma do STJ no REsp 958.116, datado de 22.8.23 decidiu se:

“O fluxo de caixa descontado seria inadequado para o contexto da apuração de haveres, por ensejar consequências perniciosas tais como:

  1. desestimulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários
  2. incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e
  3. enriquecimento indevido do socio desligado”

O “decisum”, data vênia, merece reparos por várias razoes de mérito.

No REsp 958.116 o mesmo STJ tentava distinguir a retirada ou exclusão da simples operação de venda voluntária das cotas sociais por um cotista afirmando: 

“determina-se (na exclusão ou retirada )assim a parte em dinheiro que caberia a cada um deles se a sociedade fosse extinta, o que é diferente de avaliação para alienação de cotas sociais, situação em que se atribui valor, inclusive, à expectativa de resultados futuros decorrentes da atividade empresarial”

Mas, nessa situação de venda voluntaria das cotas ali referida as mesmas “consequências perniciosas” identificadas no recente acordão do STJ estariam presentes, com desestimulo ao cumprimento de deveres do minoritário, incentivo ao exercício da retirada, etc.

De resto, observando tais denominadas “consequências perniciosas” tal como nomeadas, mesmo que se as admita a ponderar nada obstam a justeza econômica que se deve ter quanto ao valor ao montante correto a ser ressarcido ao sócio. E, tudo bem pensado e refletido, nos parece ser este o bem jurídico mais importante nesse contexto. pois se na mensuração do valor da fração societária para fins de alienação aceita se como mais correto e próximo a realidade econômica a expectativa de ganhos, como se observa no cálculo do fluxo de caixa, porque não a adotar na retirada forçada?

Também porque aquele mesmo e imperfeito acordão recente do STJ assevera no seu corpo:

“ou seja, o chamado fundo de comercio ou estabelecimento comercial definido no artigo 1142 do código civil deve ser levado em conta na aferição dos valores eventualmente devidos a socio excluído da sociedade...

Devera englobar todos os ativos e intangíveis do estabelecimento empresarial, ou o chamado god will decorrentes de marca, imagem de mercado, carteira de clientes, know how dos sócios...”

O tribunal assim reconhece a realidade econômica de certos “ativos” que se revelam imateriais, mas que tem sua valia refletida na sua capacidade de prover lucros para a sociedade.

Não há razão assim para se negar uma avaliação da cota social do socio excluído ou retirante, com base na capacidade detectada de geração de lucros, de geração de caixa pela limitada, algo que se revela essencial naquelas sociedades de serviços basicamente arrimadas no elemento humano, como no caso de médicos, advogados, etc., integrantes de sociedades desprovidas de patrimônio material relevante como imóveis ou equipamentos, mas com boa ou razoável capacidade demonstrada de gerar ganhos.

João Luiz Coelho da Rocha
Pós-graduado em Direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor de Direito Comercial da PUC-RJ e advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados.

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