Migalhas de Peso

A entrevista psicológica devolutiva clínica e/ou judicial. Como solicitar?

As pessoas devem ser incentivadas a requisitar a entrevista devolutiva com os psicólogos, clínico e jurídico, a fim de ter melhores informações acerca do contexto familiar e mais consciente dos caminhos a seguir.

26/9/2023

O art. 18 da resolução 06/19 do CFP (Conselho Federal de Psicologia) determina que, no caso do relatório clínico e do laudo pericial, é dever do psicólogo fornecer ao menos uma entrevista devolutiva antes da entrega do respectivo documento, sendo facultativo ao profissional realizar a devolutiva para os demais tipos de documentos redigidos por psicólogos previstos naquela resolução (atestado, declaração, parecer), sendo que, em caso de impossibilidade, deve ser justificada. Entendo ser um direito da pessoa ter esse momento para dirimir suas dúvidas, discutir os resultados com o profissional e por fim se preparar para os encaminhamentos (ex.: psicoterapia, mediação etc.). Discordo da referida resolução quanto ao parecer, se entendermos que se refira ao documento redigido pelo assistente técnico (embora a referida resolução não deixe isso claro, bem como a resolução CFP 08/10, também do CFP, também é permeado de lacunas, incorreções e contradições que não foram dirimidas por absoluta inépcia de seus redatores (expliquei as principais falhas gravíssimas da referida resolução, em outro artigo1).

Quando ocorre o psicodiagnóstico clínico, a devolução pode acontecer em uma ou mais entrevistas finais, pois permite ainda agregar dados ao psicodiagnóstico e sintetizar o caso, emitindo com maior clareza o diagnóstico e o prognóstico (OCAMPO, ARZENO, PICCOLO, 2001). Nesse momento, o psicólogo deve selecionar o que deve (ou não deve) ser dito ao paciente e/ou seus responsáveis, e para isso deve traçar um plano de devolução direcionado e flexível ao mesmo tempo, possibilitando modificações no decorrer da entrevista. Por fim, é possível inferir que a entrevista de devolução além de ser o momento de comunicação do resultado ao entrevistado e seus familiares, também permite que o paciente expresse seus pensamentos e sentimentos sobre o que foi colocado pelo avaliador.

No caso de psicodiagnóstico clínico envolvendo crianças, a devolução deve ser dada aos pais e à criança que se submeteu à avaliação: à criança, porque ela deve se sentir parte do processo e ficará menos ansiosa em saber que terá um resultado final; e aos pais, a devolução é importante porque, na maioria das vezes, a consulta foi solicitada por eles e, portanto, é preciso ajudá-los a fazer a reintegração, atualizada e corrigida, da imagem do filho (OCAMPO, ARZENO, PICCOLO, 2001, cit.).  

E por fim, esclarece MONTEIRO (2010, p.134):

(...) para que ocorra uma boa devolução, é preciso compreender o caso e os aspectos envolvidos. Após as entrevistas iniciais e aplicação de testes deve-se estudar o material levantado para elaborar hipóteses sobre o que as informações trazem acerca do caso. Nesse sentido, fica evidente que é preciso ter clareza de todo o processo e que uma boa devolução vai depender de como foi realizado todas as etapas do psicodiagnóstico.

No estudo psicossocial judicial, a entrevista devolutiva não é tão frequente quanto em âmbito clínico, porque o perito acha que, porque já vai juntar o laudo nos autos, todos já vão saber o que ele apurou e concluiu, então ‘não precisaria’ conversar com os pais e a criança para discutir os resultados e comunicar o término da avaliação e os encaminhamentos.

Ocorre que, adotando essa postura, o psicólogo perito judicial deixa passar uma oportunidade justamente de revisar suas conclusões, conhecer mais de perto a realidade dos periciandos e, sobretudo, esclarecer à criança o motivo de toda a avaliação no fórum e o seu encerramento. Muitos laudos acabam acirrando ainda mais os litígios, exatamente porque adotam uma postura onipotente, de que ‘só ele sabe’ o que é melhor para aquela família, existe um receio de confundir com a abordagem clínica. Obviamente, o perito não pode ser (ou ter sido) terapeuta de qualquer das partes envolvidas no processo judicial (restrição do art. 10 da resolução 08/10), mas o fato de se disponibilizar a prestar esclarecimentos e ouvir das pessoas as considerações finais, antes da juntada do laudo, poderia ajudar o profissional a adotar uma postura mais flexível e humanizada, que se aproximasse da realidade daquela família sob avaliação, em vez do posicionamento técnico de meramente responder à demanda judicial que poderia levar a implicações desnecessárias, como impugnação, segunda perícia e até denúncias éticas no Conselho de Ética de Psicologia por violações gravíssimas ao código de ética (resolução CFP 10/052) e demais normativas pertinentes.

A entrevista devolutiva, se aplicada com mais frequência pelos psicólogos peritos do Judiciário, ajudaria a buscar soluções e encaminhamentos mais próximos das necessidades daquela família, inclusive com recursos mais eficientes. Existem programas de orientação familiar em que os pais só vão porque são obrigados por ordem judicial, e depois só exibem o certificado. Se o psicólogo puder identificar, com melhores recursos, informação e respaldo científico3, os casos de alienação parental4 (conforme já esclareci em outro artigo5), poderá dar maior visibilidade a esse fenômeno nocivo, e poderá embasar sugestões de políticas públicas mais eficientes de combate a essa prática que causa tanto sofrimento a todos, principalmente aos filhos.

A identificação dos efeitos das práticas da alienação parental nos filhos pode ocorrer nos consultórios clínicos (conforme expliquei em outro artigo6) e isso pode ajudar o psicólogo perito e o assistente técnico a pensarem juntos em melhores projetos de orientação familiar que conscientizem a sociedade de que precisam reformular seus comportamentos, pois serão exemplos e modelos para as próximas gerações.

Falando em assistente técnico, temos que, quando o psicólogo assistente técnico também tem amplitude de atuação para realizar sua própria avaliação com o seu cliente e pessoas indicadas por ele (conforme meu artigo7), também se mostra um profissional apto e qualificado para auxiliar seu cliente e advogado para, na entrevista devolutiva, elaborar diretrizes de orientação familiar mais próximas da realidade daquele cliente, e discutir tais resultados com o perito em reunião técnica.

Enfim, as pessoas devem ser incentivadas a requisitar a entrevista devolutiva com os psicólogos, clínico e jurídico, a fim de ter melhores informações acerca do contexto familiar e mais consciente dos caminhos a seguir.

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1 SILVA, D.M.P. Falhas e equívocos da resolução 08/10 do Conselho Federal de Psicologia: a nomenclatura dos documentos. Migalhas. Ribeirão Preto, 17/07/2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/390058/falhas-e-equivocos-da-resolucao-8-10-do-conselho-federal-de-psicologia.

 

2 código de ética dos psicólogos (Resolução CFP 10/05)

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:

(...)

g) Emitir documentos sem fundamentação e qualidade técnico-científica;

h) Interferir na validade e fidedignidade de instrumentos e técnicas psicológicas, adulterar seus resultados ou fazer declarações falsas;

3 Esta autora, juntamente com membros da ADFAS  (Associação de Direito de Família e das Sucessões – portal: .) está fazendo um levantamento de mais de 500 produções científicas e acadêmicas nacionais (artigos científicos, inclusive indexados por periódicos do Conselho Federal de Psicologia – o mesmo que exige a revogação da Lei nº 12.318/2010, da alienação parental, sob argumento de que “não é científica” -, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, monografias), e 1.500 produções internacionais  acerca do tema da alienação parental, desconstruindo a argumentação inverídica e enganosa de que “alienação parental não é científica”.

4 Para se ter a dimensão e consciência da existência deste fenômeno, saibam os colegas Migalheiros que, independente do nome ‘alienação parental’, o fenômeno de se induzir uma criança/adolescente a rejeitar o(a) outro(a) genitor(a) sempre existiu, ‘desde que o mundo é mundo’. Uma obra original de 1897, “Pelos olhos de Maisie”, do escritor Henry James antecipa de forma admirável um drama familiar que se tornaria comum na modernidade: o drama dos filhos que passam a ter dois lares depois do divórcio dos pais, como já retrata um exemplo, logo à p.18:

(...) porém, conseguiu relembrá-las cinco minutos depois, quando, na carruagem, sua mãe, toda beijos, fitas, olhos, braços, ruídos estranhos e cheiros gostosos, lhe perguntou; “E o biltre do seu pai, meu anjinho, mandou um recado para a sua mamãezinha querida?”. Só então ela constatou que as palavras pronunciadas pelo biltre do seu pai tinham, afinal, entrado em seus ouvidos atônitos, de onde, atendendo ao pedido da mãe, elas passaram direto pelos seus lábios cândidos, de onde saíram numa voz límpida e estridente: “Ele pediu para eu dizer”, repetiu ela, direitinho, “que a senhora é uma grandecíssima vaca!.

(...) 

5 SILVA, D.M.P. Lei da Alienação Parental: o que mudou? Migalhas. Ribeirão Preto, 01/2/23. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/380914/lei-da-alienacao-parental-o-que-mudou.

6 SILVA, D.M.P. Alienação parental também vai parar nos consultórios. Migalhas. Ribeirão Preto, 24/7/23. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/390456/alienacao-parental-tambem-vai-parar-nos-consultorios.

7 SILVA, D.M.P. O psicólogo assistente técnico também faz avaliação? Migalhas. Ribeirão Preto, 23/1/23. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/380060/o-psicologo-assistente-tecnico-tambem-faz-avaliacao.

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BRASIL. Conselho Federal de Psicologia. Resolução 6, de 29 de março de 2019. Institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional e revoga a Resolução CFP 15/96, a Resolução CFP 07/03 e a Resolução CFP 04/19. Disponível em: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2019/09/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-n-06-2019-comentada.pdf.

MONTEIRO, R.M. Relato de uma entrevista de devolução com a criança no psicodiagnóstico. Estudos Interdisciplinares em Psicologia. Londrina, v. 1, n. 1, p. 129-135, jun. 2010. Disponível em: .

JAMES, H. Pelos olhos de Maisie. São Paulo: Companhia das Letras, 1984 (original de 1897).

OCAMPO, M.L.S.; ARZENO, M.E.G.; PICCOLO, E.G. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os aspectos processuais da perícia em Varas de Família. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2023.

SILVA, D.M.P. Psicologia Jurídica e os litígios em Varas de Família. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2023. 

Denise Maria Perissini da Silva
Psicóloga clínica e jurídica. Coord. PG Psic. Jur UNISA e UNIFOR. Colab. Comissões OAB/SP e "Leis & L.etras" Autora livros Psic. Jurídica. Perissini Cursos e Treinamentos S/C. Interprete LIBRAS.

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