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A intimação no cumprimento de sentença na hipótese do artigo 513 § 4º do CPC

O entendimento do TJ/ES e do TJ/SP privilegia princípio da instrumentalidade das formas. Isso significa que, quando um ato processual é realizado de maneira que atinge sua finalidade, mesmo que não tenha seguido todas as formalidades estritas, ele não pode ser considerado nulo.

26/9/2023

O artigo 513 §4º do CPC trouxe uma importante previsão para o cumprimento de sentença, que diz respeito à necessidade de intimação pessoal do devedor quando o requerimento de cumprimento de sentença é iniciado 1 (um) ano após o trânsito em julgado.

Trata-se de exceção à regra de que a intimação para pagamento ocorrerá na pessoa do advogado do devedor.

O ponto de discussão e reflexão deste breve artigo é: A aplicação do parágrafo 4º do artigo 523 do CPC é regra de natureza obrigatória ou comporta exceções? A intimação do advogado após um ano do trânsito em julgado deve ser reputada como nula?

Para responder a essas questões, cobra relevo lembrar que esse dispositivo legal teve sua origem em emenda ao PL 8.046/10, apresentada por um Deputado Federal Gabriel Guimarães e continha a seguinte redação: “na hipótese do §2º, inciso I, caso o pedido do credor para iniciar a fase de cumprimento de sentença seja depois de um ano, contado do trânsito em julgado, deverá a intimação ser realizada na pessoa do devedor, por meio de carta, para o endereço que consta dos autos, presumindo-se feita caso o endereço esteja desatualizado”.

Em suas justificativas, expôs o parlamentar que a inclusão desta previsão era importante porque com o término da demanda é comum o advogado perder o contato com o cliente, o que dificulta a comunicação entre eles. Assim, decorrido o prazo de um ano entre a data do trânsito em julgado e o início do cumprimento de sentença, o advogado deixaria de ser responsável pela comunicação do ato processual, in verbis:

 “Essa emenda visa resolver questão preocupante que vem acontecendo no foro no dia a dia, que pode ser regulado por lei. Algumas vezes o vencedor de uma ação demora meses ou anos para dar início à fase de cumprimento de sentença, e, quando o faz, juiz intima o devedor na pessoa de seu advogado. No entanto, muitas vezes o advogado não tem mais os contatos desse cliente, pois acreditava-se que o mandato estava encerrado”.

O início do cumprimento de sentença após um ano cria a presunção relativa de extinção do mandato outorgado pelo devedor, desonerando o advogado da responsabilidade de receber a intimação e repassá-la ao seu cliente, sob pena dos acréscimos do artigo 523 §1º do CPC.

Como bem explica Fredie Diedier, o §4º do artigo 523 do CPC tem o intuito de proteger a segurança das comunicações dos atos processuais, pois é comum que após o encerramento do processo a parte perde o contato com o seu advogado, de sorte que, após o decurso do prazo de um ano, presume-se a extinção do mandato a ele conferido para o patrocínio da demanda e a intimação para pagamento deverá ser pessoal (DIDIER JR., Fredie et al. Curso de Direito Processo Civil: Execução. 7ª edição revista, ampliada e atualizada. Salvador: Ed. Jus Podvm, p. 467)

O sentido desta disposição legal, explica o prof. Humberto Theodoro Júnior é que “o longo tempo de inércia processual pode, com frequência, fazer desaparecer o contato entre o advogado e a parte devedora, dificultando o acesso a dados necessários à sua defesa, nesse novo estágio (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. III. 52ª edição. São Paulo: Editora Forense, p. 27)1

Com efeito, por ser tratar de presunção relativa, pode o credor requerer que a intimação ocorra na pessoa do advogado do credor, ainda que o requerimento do cumprimento de sentença ocorra após o decurso do prazo de 1 ano, ou seja, se o credor demonstrar que o advogado indicado para receber a intimação para pagamento continua representando os interesses do devedor, deve ser afastada a aplicação do o §4º do artigo 523 do CPC.

Hipótese comum em que isso ocorre é quando o título executivo nasce, por exemplo, do acolhimento de uma exceção de pré-executividade oferecida numa ação de execução de título extrajudicial onde houve a fixação de honorários. Este “devedor” foi excluído, porém o processo de execução prossegue em relação aos demais devedores e coobrigados e o advogado do exequente continua atuando e praticando todos os atos processuais para recebimento do crédito de seu cliente.

Ora, neste caso, faria sentido que o requerimento de cumprimento de sentença da verba honorária decorrente do acolhimento da exceção, ainda que apresentado após um ano do trânsito, seja feito obrigatoriamente na pessoa do devedor? Evidente que não.

Nessas circunstâncias, se a parte continua sob a representação do mesmo advogado, não se sustenta a alegação de nulidade da intimação com fundamento no artigo 513 §4º do CPC. Essa interpretação foi recentemente ratificada por decisões judiciais. (TJ/SP; AI?2208564-18.2021.8.26.0000; Ac. 15093344; Itararé; Sexta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Vito José Guglielmi; Julg. 08/10/2021; DJESP 22/10/21; Pág. 2258)

O TJ/ES também já julgou questão semelhante no Agravo de instrumento 5009533-30.2022.8.08.0000 e afastou a alegação de nulidade da intimação prejuízo decorrente da falta de estrita conformidade com a regra estabelecida no §4º do artigo 513 do CPC em razão do agravante ainda está sob a representação do mesmo advogado e foi plenamente informado sobre a petição de cumprimento de sentença.

O entendimento do TJ/ES e do TJ/SP privilegia princípio da instrumentalidade das formas. Isso significa que, quando um ato processual é realizado de maneira que atinge sua finalidade, mesmo que não tenha seguido todas as formalidades estritas, ele não pode ser considerado nulo (pas de nullité san grief). Esse princípio é especialmente relevante quando se discute a validade de uma intimação, como no caso discutido no TJ/ES, em que o comparecimento espontâneo das partes supriu a falta ou nulidade da intimação.

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1 No mesmo sentido explica ANDRÉ VASCONCELOS ROQUE: “Pode ser que o processo permaneça paralisado por muito tempo, sem a intimação devedor, por não ter sido apresentado requerimento do exequente, sobretudo nos casos em que a intimação acarreta novas despesas processuais e não poderá ser realizar de ofício. Para esses casos, o §4º prevê que, decorrido um ano após o trânsito em julgado da sentença a intimação não mais poderá ser realizar na pessoa do advogado. Afinal, não se sabe se o advogado continua patrocinando os interesses do devedor depois de decorrido tanto tempo. A intimação deverá ser necessariamente pessoal” (ROQUE, André Vasconcelos. Comentários ao artigo 513 do Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Ed. Método, p. 680

Christina Cordeiro dos Santos
Sócia do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues - Advogados Associados.

Flávio Cheim Jorge
Professor titular da UFES. Mestre e doutor em Direito, sócio advogado do escritório Cheim Jorge Abelha Rodrigues Advogados Associados.

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