Como todos sabemos o direito brasileiro se revela avesso à ideia de um patrimônio (conjunto de posições jurídicas ativas e passivas, suscetíveis de avaliação econômica e consequente expressão monetária como apontado, por exemplo, por Pontes de Miranda – e isso desmistifica a ideia de que patrimônio seja um mero conjunto de bens) sem um titular determinado, o que em se tratando de pessoas existentes (naturais ou jurídicas) se resolve em termos de tradição e transcrição, enquanto meios de aquisição da propriedade inter vivos.
Mas desde há muito, se encontra superado o entendimento dos juristas romanos no sentido de que mors omnia solvit, em tradução literal, “a morte tudo resolve”, numa alusão a que, com o falecimento do de cujus sucessiones agitur (é, vem daí o termo que usamos hoje – de cujus), os problemas estariam acabados, tudo estaria resolvido (aliás, os romanos acolhiam a ideia de morte numa acepção diversa da morte – aceitava-se, por exemplo, o conceito de morte civil1, embora ainda aceitemos situações de morte presumida)2.
Nessa tradição romana1 se pode perceber, por exemplo, a origem dos rituais que empregamos no dia dos mortos, quando são levadas flores aos jazigos dos entes queridos falecidos2 - mas a ideia é que a complexidade negocial e o avanço tecnológico permitem dizer que, por vezes, a morte até possa resolver filosoficamente problemas do morto - mas gera, para os vivos inúmeros problemas jurídicos.
No entanto, as coisas nem sempre se dão desse modo e com a morte do indivíduo, um sem número de problemas pode ser destacado, tendo o legislador criado tantas situações polêmicas (basta ver, por exemplo, discussões acerca da concorrência, ou não do cônjuge com descendentes nos vários regimes matrimoniais ou as dificuldades da sucessão do companheiro com filiação híbrida) que não se tem como incomum encontrar-se autores que defendem a necessidade de um verdadeiro planejamento sucessório prévio enquanto conjunto de medidas para preservação patrimonial e da autonomia da vontade4.
O avanço da tendencia global de verificar situações de multiparentalidade, sociafetividade, famílias-mosaico, fraternidade socioafetiva (Informativo 453 STJ3) e, até mesmo, a proteção a uniões familiares não binárias (por exemplo, a partir do conceito de poliafetividade) tendem a tornar o direito sucessório muito mais desafiador para operadores do direito do que o se tem visto até então.
Há notícias que o TJ/RS já vem lançando em 2.023 decisões reconhecendo trisais (o próprio STJ já aventa, desde 2.0224 situações em que seria possível uma triação (uma ideia próxima de uma “meação de três” – e agora talvez se tenham ajustes para além do trisal – quatro ou mais pessoas) – rompendo-se com decisões anteriores que não os reconheciam e com a própria orientação CNJ para que não se lavrassem escrituras de uniões poliafetivas sem que houvesse previsão de lei federal – por conta da iniciativa do Poder Legislativo (reserva legal) em relação a tanto (artigo 22 e consectários CF).
Isso altera o quadro da jurisprudência, trazendo talvez uma situação de overruling (superação) dos entendimentos anteriores sobre o tema, em que trisal e triação e que prestigiam a ideia de monogamia como princípio ínsito à ideia de uma união familiar – dentro da tal reserva legal.5
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