Migalhas de Peso

Colusão por algoritmo - Abordagem antitruste da IA

O tema ainda deve ser cautelosamente analisado pelas autoridades antes de serem cogitadas eventuais mudanças na legislação ou na aplicação da lei.

15/9/2023

I. COLUSÃO ALGORÍTIMICA COMO INFRAÇÃO CONCORRENCIAL

A utilização cada vez mais frequente de ferramentas da IA nos negócios traz eficiências indiscutíveis às empresas como resultado da automatização de processos que antes dependiam exclusivamente do intelecto humano (desde triagem e tratamento de dados a decisões empresariais e de investimento). Uma categoria relevante dessas ferramentas é o algoritmo de precificação, que permite a implementação automatizada de mudanças de preço, acompanhando de forma rápida e eficiente alterações nas condições de mercado.

À medida em que cresce o uso desse tipo de algoritmo, aumentam também as discussões em torno das preocupações de natureza concorrencial a ele relacionadas. Isso porque algoritmos de precificação podem não apenas ser utilizados como ferramenta para implementar um acordo anticompetitivo explícito entre concorrentes, mas também possibilitar um equilíbrio – potencialmente artificial – de preços sem que haja qualquer acordo ou interação humana. Por outro lado, há também discussões sobre em que medida os algoritmos poderiam abaixar os preços para capturar demanda, especialmente quando ela é alta e previsível, desviando de um eventual acordo de preços entre concorrentes.

O uso de algoritmos como instrumento para operacionalizar cartéis não altera a ilicitude da conduta, que configura infração à ordem econômica independentemente das ferramentas utilizadas para sua implementação, nem a natureza humana da violação. O grande desafio surge quando se cogita enquadrar o paralelismo de decisões realizadas por meio de algoritmos, desconectadas de ações humanas, como uma prática anticompetitiva.

Essa discussão extrapola o cenário legal tradicional e é um tema bastante complexo, que ainda não foi solucionado pelas autoridades ao redor do mundo. As maiores dificuldades consistem na lacuna na legislação quanto ao paralelismo de preços atingido de forma independente e sem qualquer interação humana,  no desafio que seria tratar como infração (e, consequentemente, investigar e penalizar) condutas que não envolveram qualquer comunicação entre agentes do mercado e na caracterização do dolo dos agentes. Tudo isso sem prejudicar o ritmo das inovações.

II. PANORAMA GERAL DOS DEBATES

No Brasil, o CADE, já julgou alguns casos de colusão envolvendo o uso de algoritmos. De modo geral, nacional e internacionalmente, não há precedentes em que tenha sido demonstrada a ação autônoma dos sistemas. Todos os casos conhecidos contaram com algum nível de intervenção humana -- as empresas que determinavam os resultados que resultariam em colusão e o sistema de IA era utilizado apenas como meio para atingir os fins almejados e pré-determinados.

O julgamento mais recente pelo Tribunal do CADE1 ocorreu em 2016 e condenou uma associação de despachantes e autoescolas e uma empresa de software pela prática de cartel. A associação contratou o sistema da empresa de software e passou a utilizá-lo para distribuir alunos e editar tabelas de preços combinados em reuniões entre as autoescolas e despachantes.

Outro caso, julgado em 20042, envolveu companhias aéreas brasileiras e um sistema de dados tarifários que permitia a inserção de uma notificação de mudança na tarifa por uma companhia e a visualização desta pelas demais, antes que estivesse disponível para os clientes. Assim, a companhia aérea que inseriu a mudança de preço poderia deixar de praticar a tarifa cogitada se as concorrentes não a acompanhassem.

É indiscutível que as autoridades concorrenciais estão atentas para a adoção de uma abordagem de análise diferente do que as usadas nos cartéis convencionais, com o uso de metodologias que consigam detectar e comprovar uma colusão implementada por meio de ferramentas de IA. Quanto a tratar como infração concorrencial o alinhamento de preços atingido exclusivamente por meio de algoritmos, trata-se de discussão ainda incerta que envolve complexidades maiores. Ainda que haja algoritmos com uma tendência ao equilíbrio, para manter o paralelismo de preços de modo a configurar uma conduta anticompetitiva, há ainda que se provar o dolo da conduta, o que se torna um desafio ainda maior para a análise da autoridade.  O tema ainda deve ser cautelosamente analisado pelas autoridades antes de serem cogitadas eventuais mudanças na legislação ou na aplicação da lei.

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1 Processo Administrativo 08012.011791/2010-56.

2 Processo Administrativo 08012.000677/1999-70.

Marcos Exposto
Sócio da BMA Advogados.

Bruna Anklam
Advogada da área de Direito Concorrencial na BMA Advogados.

Maria Eduarda de Jesus Genova
Advogada da área de Direito Concorrencial na BMA Advogados.

Bruna Silveira de Alencar
Advogada da área de Direito Concorrencial na BMA Advogados.

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