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Mitigando riscos de desapropriação de terras produtivas para fins de reforma agrária

Pensamos que a abordagem dos produtores rurais para enfrentar essa difícil realidade perpassa pela implementação de ações em três dimensões distintas: gestão de riscos; implementação de programas efetivos de compliance; e novas propostas legislativas.

11/9/2023

Recentemente, o STF, julgou a AD) 3865, que considerou improcedente o pedido da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil para declarar inconstitucional alguns dispositivos da lei 8.629/93, fato que referendou a possibilidade de desapropriação de terras produtivas para fins de reforma agrária, para imóveis que não estejam cumprindo a sua função social.

Dentro do capítulo destinado à política agrícola e à reforma agrária, a CF de 1988, em seu art. 184, estabelece a possibilidade de desapropriação, para fins de reforma agrária, do imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária.

Ocorre que o art. 185 da Carta Constitucional apresenta uma aparente imunidade à propriedade produtiva, estabelecendo que tais propriedades são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.

Todavia, a referida decisão do STF, de relatoria do Ministro Luiz Edson Fachin, flexibilizou, justamente, a imunidade da propriedade produtiva contra desapropriação para fins de reforma agrária, entendendo que a propriedade produtiva poderia ser desapropriada, para fins de reforma agrária, nos casos em que não esteja cumprindo a sua função social.

A própria CF elenca os requisitos para se avaliar o atendimento da função social da propriedade. De acordo com o art. 186 da Constituição Federal, a função social será cumprida quando a propriedade atenda, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: i) aproveitamento racional e adequado; ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Importante destacar que foi justamente sobre os critérios e graus de exigência estabelecidos pela lei 8.629/93 que a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ingressou com a referida ADI 3865 para declarar inconstitucionais alguns de seus dispositivos.

Ao realizar a leitura do diploma legal impugnado pela CNA, observa-se que o art. 6º da lei 8.629/93 fundiu os conceitos de propriedade produtiva com a função social da propriedade. Afirma o art. 6º da Lei 8.629/1993 o seguinte: “considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente” (grifamos).

Em verdade, a Lei 8.629/1993 incluiu o cumprimento da função social como um requisito para se aferir se uma determinada propriedade pode, ou não, ser entendida como produtiva. Em outras palavras, nos termos daquela Lei a propriedade somente será considerada produtiva quando atingir, simultaneamente, os critérios de aproveitamento do solo, de utilização e preservação dos recursos naturais, das obrigações impostas pelas normas que regulamentam as relações de trabalho e que desempenham uma exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Portanto, a partir do prisma estritamente legal, se a propriedade não desempenha sua função social, não pode ser considerada como produtiva, pois os dois conceitos se confundem na redação infraconstitucional. Consequentemente, a propriedade que não cumpre os requisitos estabelecidos para sua função social, ainda que eficiente e produtiva, poderá ser objeto de desapropriação para fins de reforma agrária, nos termos do art. 184 da Constituição Federal, pois não mais estaria insusceptível de tal medida.

Além disso, como o parágrafo único do art. 185, da Constituição Federal, afirma que será da competência de lei garantir o tratamento especial à propriedade produtiva e fixar normas para o cumprimento dos requisitos relativos à sua função social, o Ministro Luiz Edson Fachin entendeu, no bojo da ADI 3865, que a equiparação realizada pelo legislador ordinário, ao considerar como propriedade produtiva somente aquela que efetivamente cumpre sua função social, não seria inconstitucional.

Ocorre que os critérios utilizados para avaliar se uma determinada propriedade cumpre sua função social são demasiado abstratos, acarretando grave insegurança jurídica aos proprietários de imóveis rurais produtivos.

Nesse sentido, apesar de a Lei 8.629/1993 tentar estabelecer, nos parágrafos do art. 9º, conceitos para se delimitar o alcance do que deve ser entendido como “aproveitamento racional e adequado”, “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis” e, finalmente, porém não menos importante, “exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais”, para fins de caracterização do cumprimento da função social da propriedade, a abrangência e a abertura subjetiva do conteúdo legal acarreta grave insegurança jurídica aos produtores rurais.

Pensamos que a abordagem dos produtores rurais para enfrentar essa difícil realidade perpassa pela implementação de ações em três dimensões distintas: gestão de riscos; implementação de programas efetivos de compliance; e novas propostas legislativas.

Do ponto de vista da gestão de riscos, cabe ao proprietário rural garantir que sua propriedade, além de produtiva, atenda aos requisitos de cumprimento de sua função social: i) aproveitamento racional e adequado; ii) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; iii) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e iv) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Obviamente, a observância de todos esses requisitos cria desafios significativos aos empresários do setor produtivo, além de acarretar aumento custos ao produtor rural.

Por outro lado, a implementação de programas de compliance voltados ao cumprimento de regras de governança, meio ambiente e social (ESG) pode ser um efetivo instrumento de redução de riscos de desapropriação indevida, tendo em vista o potencial dos programas de compliance em demonstrar a boa-fé do produtor rural na persecução do cumprimento de sua função social.

Por fim, pode-se pensar, ainda, em soluções legislativas que busquem reduzir a insegurança jurídica vivenciada pelos produtores rurais do país, na tentativa de tornar mais concretas as diretrizes de avaliação da função social da propriedade rural.

Em todo caso, entendemos que, na ausência de alteração legislativa que traga maior segurança jurídica aos produtores rurais, o desenvolvimento de uma gestão eficiente de riscos e a implementação de programas de compliance, com o objetivo de aferir e garantir o cumprimento da função social da propriedade, sejam as iniciativas mais recomendáveis para contribuir com a mitigação dos riscos de desapropriação da propriedade produtiva, para fins de reforma agrária.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em . Acesso em: 6 de setembro de 2023.

Lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993. Dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária. Disponível em . Acesso em: 6 de setembro de 2023.

STF. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 3865. Disponível em . Acesso em: 6 de setembro de 2023.

Thiago da Cunha Brito
Auditor Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União. Advogado. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento(IDP). LLM Direito Penal Econômico (IDP). Graduado em Direito (IDP).

Pollyanna Kruger
Advogada. Graduada em Direito pelo IDP. Pós-graduanda em Direito Empresarial pelo Insper/SP; e em Direito e Economia dos Sistemas Agroindustriais, pelo IBDA.

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